A direita portuguesa contemporânea:
itinerários socioculturais (1)
Em 1983 foi criado o jornal Semanário por Marcelo Rebelo de Sousa,
Daniel Proença de Carvalho, José Miguel Júdice, João Lencastre, Vítor Cunha
Rego, João Amaral, entre outros (2).
Nos outdoors da campanha publicitária
de lançamento surgiam, o que é significativo, os rostos dos fundadores desse
jornal. Mais tarde, em 1988, O Independente
usaria Winston Churchill nos seus outdoors
promocionais, um outro sinal de que Portugal mudara – e muito – desde os tempos
do PREC (3).
O Semanário teria como repórter, que
entrevistava em Paris figuras da «grande direita» europeia, sobretudo francesa
(e não anglo-saxónica, note-se), um jovem chamado Paulo Sacadura Cabral Portas.
Não era uma estreia: com uma notável precocidade, Paulo Portas já tinha trabalhado
no jornal A Tarde, dirigido por Vítor
Cunha Rego, ao lado de personalidades como Vasco Pulido Valente, António
Barreto, Manuel de Lucena ou Francisco Saarsfield Cabral. Regressemos ao Semanário. Além da política, num tempo
em que o jornalismo económico era muito incipiente – até por efeito colateral
da incipiência da actividade privada nos sectores-chave da economia – o Semanário, a dada altura, a altura das privatizações
e das Ofertas Públicas de Venda (OPV’s) (4),
teria um papel importante na informação económica ou na orientação dos
compradores de acções.
Mas, por muito descabido que pareça, o
aspecto que aqui quero focar foi o surgimento, creio que logo no primeiro
número do Semanário, de uma rubrica
intitulada «Meia Desfeita», uma coluna social com fotografias, originalmente a
preto e branco, de festas ou eventos mundanos em discotecas que renasciam das
cinzas, como o Van Gogo, de Cascais, ou o Stone’s, de Lisboa, ou outras que
viam a luz do dia – ou da noite… – nessa época, como o Banana Power, criado em 1981
por um conjunto de sócios liderados por Manecas Mocelek, boémio e empresário da
vida nocturna que em 1975 partira para Angola e, depois, para o Brasil. Sendo
uma discoteca com restaurante e clube
privado de acesso restrito, o Bananas,
como era vulgarmente conhecido, com senhas de entrada a 150$00 para o comum dos
mortais e cartão gold para os sócios,
correspondia a um padrão cultural – e mental – que teria sido impensável no
período revolucionário (5). A sua festa de inauguração foi, por assim dizer, o «Baile Patiño da democracia»
ou o «25 de Novembro social» de certas elites e até de uma certa Weltanschauung, mais mundana e frívola.
Assumir pública e abertamente, sem traumas nem complexos, a mundanidade e a
frivolidade representava uma viragem muito sintomática relativamente aos tempos
mais inflamados da revolução.
A par disso, a «Meia Desfeita»
publicitava acontecimentos como corridas de touros ou raids hípicos, dando visibilidade a redes de sociabilidades desde
sempre conotadas com a direita tradicionalista, marialva e ultramontana, ou aos
exclusivos bailes de debutantes no Clube Portuense, estudados por Clara Maria
Ferraz no âmbito de um trabalho académico sobre as estratégias endogâmicas das
classes superiores (6).
Para o público feminino, e não só, a rubrica «Meia Desfeita» era um dos
principais atractivos do novo periódico, a ponto de, seguindo uma ideia de
Marcelo Rebelo de Sousa, Vítor Cunha Rego e José Miguel Júdice, se ter
transformado mais tarde numa revista autónoma, a cores, vendida com o próprio
jornal, a Olá!, numa tentativa óbvia,
porventura demasiado óbvia, de mimetização da sua congénere espanhola, a ¡Hola!. A dada altura, de algum
declínio, muitas pessoas compravam o jornal por causa da revista Olá! e não o contrário. Na sua fase de
agonia, que terminaria com o encerramento em 2009, o Semanário viria a ser comprado por uma personalidade hoje relativamente
esquecida, Rui Teixeira Santos, um yuppie
meteórico que também adquirira os armazéns Braz & Braz.
Olá! Semanário
|
Poder-se-ia falar do papel que o Semanário, sobretudo a sua coluna «Mão
Invisível», também teve – e lembremos que tudo isto coincide com
o emergir do reaganismo e com o thatcherismo – na difusão do pensamento
económico liberal ou neoliberal de uma geração que, de Jorge Braga de Macedo a
Diogo Lucena, passando por António Borges ou pelos irmãos Pinto Barbosa,
possuía ligações académicas aos Estados Unidos ou ao INSEAD de Fontainebleau e
que começou um processo de internacionalização universitária «em rede» que era
relativamente inédito na academia portuguesa.
Quero concentrar-me no aspecto mundano
do jornal e não o faço por um desejo de originalidade ou para fazer uma
deambulação nostálgica por curiosidades esquecidas dos anos oitenta (7).
Mas creio que, de facto, se não cairmos em exageros, a revista Olá!, pelo que significou
historicamente, tem relevo cultural, sociológico e até ideológico.
Sempre existiram revistas sociais em
Portugal e, desde 1976, Jacques Rodrigues publicava com grande êxito a Nova Gente. Simplesmente, a Nova Gente falava de actores da moda, muitos
vindos do teatro de revista, de cantores populares e futebolistas, mas não
tinha, creio que até deliberadamente, qualquer glamour. Na linha do que sempre seria a marca do Grupo Impala, era
uma revista vocacionada para a classe média e para a classe média-baixa, de
grande tiragem, tendo chegado aos 150.000 exemplares em finais dos anos oitenta.
No entanto, o facto de um jornal como o
Semanário, que veiculava um projecto claramente
de direita ou de centro-direita, protagonizado pelos principais ou mais
influentes intelectuais da direita possível
da altura, que davam a cara em outdoors,
possuir uma rubrica em que apareciam eventos sociais das classes altas era uma
novidade cujo efeito não quero sobrevalorizar, mas que merece ser realçado. É
que o habitus, para usar um conhecido
conceito que Bourdieu desenvolveu em várias obras, como La Distinction (1979), havia sido bruscamente interrompido quando
as elites do salazarismo e do marcelismo debandaram para o Brasil ou para
Espanha. Numa altura em que a estrutura de classes se reconfigurava e
necessitava de alguma pavimentação simbólica, havia que renovar a exposição dos
mecanismos de desigualdade social, expondo o «sistema de disposições reguladas»
que fundam o habitus. Ora, a «Meia
Desfeita» e a Olá! serviram esse
propósito na perfeição e o seu sucesso mostrou que, para além da exposição
pública da desigualdade, por parte dos emissores da mensagem, existia, por
parte dos receptores ou destinatários da mesma, um «público» que aceitava a
existência dessa estrutura de classes, que convivia bem com ela e que pretendia
observar e acompanhar os movimentos dos seus protagonistas. A criação de uma «esfera social», de que o Semanário fazia eco, era indício da
recomposição da estrutura de classes no início da década de oitenta, feita
naturalmente à base de uma mescla, nem sempre fácil, entre velhas e novas elites,
que convergiam em eventos e negócios mas raramente se cruzavam em termos, por
assim dizer, «endogâmicos» ou familiares.
Não quero, obviamente, exagerar a
importância de uma coluna social de um semanário, até porque outros exemplos se
poderiam fornecer, como a campanha presidencial de Diogo Freitas do Amaral, em
1986, que teve alguns traços distintivos de cariz classista. Popularizou a moda
dos sobretudos verdes de loden, de
inspiração austríaca (o candidato usava um),
e foi uma campanha «à americana», de grande espectacularidade, com chapéus
de palhinha feitos em… plástico. Mas, mesmo no plano das publicações,
poderíamos igualmente falar, até porque também tinha uma coluna social para
consumo das elites, com amplas reportagens das recepções nas embaixadas, da revista
Casa e Jardim, fundada em 1977 por
Eduardo Fortunato de Almeida (8),
e que possuía o mesmo nome de uma revista brasileira, a qual, por sua vez,
mimetizava uma famosa publicação norte-americana, a House and Garden, remontando esta a 1901. Simplesmente, a Casa & Jardim era uma publicação de
decoração de interiores, não-ideológica, e que se esgotava no seu próprio
objecto, enquanto a coluna «Meia Desfeita» e a revista Olá! estavam associadas a um projecto jornalístico/político que
procurava ser uma alternativa ao Expresso
e, mais ainda, uma alternativa que era assumidamente situada «à direita» do Expresso (9).
De algum modo, era um sinal, um sinal muitíssimo expressivo, de que, na ressaca
do 25 de Abril, os ricos «saíam do armário», faziam aos poucos o seu outing e deixaram de ter vergonha em ser
ricos – uma tendência que se irá aprofundar de forma algo feérica e exuberante no
período do chamado «cavaquismo».
Ao mesmo tempo, começou na altura a
emergir um fenómeno que, à falta de melhor, poder-se-ia chamar neoconservadorismo do gosto ou neoconservadorismo do imaginário, um
fenómeno estético, imagético e social, mas que remetia para um universo de
representações que possuíam um indiscutível sentido ideológico.
Na lógica de recomposição das elites no
pós-25 de Abril ou, mais precisamente, nos alvores dos anos oitenta, havia que
reafirmar (diríamos, em termos weberianos) o valor do status,
por oposição à noção de classe. Para usar um conceito de Thorstein Veblen, a emulação, a luta, fazia-se não em torno
do material mas do imaterial. Isto devido a uma série de razões, entre as quais
se pode apontar o facto de as velhas elites, depapuperadas pela revolução, não poderem
competir no terreno do consumismo
conspícuo, outro conceito de Veblen, e de o consumo de luxo não estar ainda
difundido entre nós com a dimensão que hoje possui, uma dimensão de luxo que, paradoxalmente,
é massificada, algo que certamente teria confundido Werner Sombart quando estudou
a importância do luxo nos alvores do capitalismo (10).
A recomposição da estrutura de classes, que se irá aprofundar com o crescimento
económico verificado no tempo dos governos de Cavaco Silva, implicava uma
revalorização do capital social imaterial por parte daqueles que não dispunham
de capital material, ou não dispunham dele na mesma medida do que os
«emergentes», para usar uma expressão do Brasil, ou, se preferirmos a
terminologia de Vance Packard, daqueles que, naquela ambiência, se configuravam
como os status seekers. Foi neste
contexto que se desenvolveu o «neoconservadorismo do gosto», que é, como se
referiu, estético e simbólico mas que possui conotações ideológicas em termos
de representações e valores que são sustentados de uma forma aberta, assumida e
até, por assim dizer, «militante». Em termos muito simplificados: à
arquitectura provocatória de Tomás Taveira, um absoluto self-made man que exibia o seu Rolls Royce pelas avenidas de Lisboa e pontificava no Bananas, sendo o
expoente mais triunfalista e barroco das novas vias de ascensão social, haveria
que opor os solares e casas de família que, graças a fundos vocacionados para o
denominado «turismo de habitação» (11),
começaram a ser recuperados num processo muito interessante de invenção da tradição, para usarmos o
conhecido conceito de Eric Hobsbawm (12).
Mas mesmo uma personalidade amante da controvérsia como Tomás Taveira via-se na
contingência de explicar, em entrevistas, que a sua arquitectura correspondia,
de uma forma pós-moderna muito peculiar, a uma «reinvenção da tradição», convocando
arquétipos ancestrais da portugalidade: o edifício-sede do Banco Nacional Ultramarino
(1989) a representar a guitarra portuguesa ou as Torres das Amoreiras (1985) a
assumirem a forma de capacetes de guerreiros medievais, evocando castelos de
reis e princesas. Trata-se de um discurso que é justificativo e, claro, também ele
provocatório, mas que arquitectos como Siza Vieira ou Souto de Moura nunca
seriam obrigados a usar (13).
É em todos este movimento que se
inscreve também, por exemplo, um renascer da valorização social da
aristocracia, com o Anuário da Nobreza
a retomar a sua publicação em 1985. A par disso, assiste-se ao aprofundamento de
uma noção de exclusivismo do imaterial,
construída em torno de topoi como a
posse de propriedades de família, o gosto herdado mais do que aprendido, a «educação
de berço», a pertença a uma linhagem não transaccionável. A própria onomástica
dos nomes próprios começou a sofrer este influxo neoconservador, com o retomar
de nomes tradicionais portugueses, simples e lhanos, ou o recurso a nomes com
uma ressonância deliberadamente «antiga», como Salvador, Lopo, Martim,
Constança, Caetana, Tomás, Lourenço, Sebastião, Piedade (14).
E tudo isto foi passando para a esfera pública, com uma reconstrução das redes
de sociabilidades em torno de clubes, de bailes de debutantes, de irmandades, de confrarias religiosas,
de associações que se formam mais ou menos na altura, como a Associação
Portuguesa de Casas Antigas (1978) ou a Turihab (1983), para fins comerciais de
exploração do turismo de habitação, a par da marca «social» que é conferida a
iniciativas como as procissões em Lisboa ou festividades em Ponte de Lima (as
Feiras Novas), em São Martinho do Porto (o Baile da Chita), na Golegã (a Feira
da Golegã) ou em Évora.
O ponto que me interessa explorar é que
o emergir desta tendência foi mais do que uma «moda» fugaz, como o demonstra o
seu enraizamento até aos dias de hoje, bastando ver os fenómenos contemporâneos
do upcycling, da propagação do
artesanato urbano ou a releitura da simbologia lusitana feita por Joana
Vasconcelos. De resto, a «nostalgia como indústria» (15),
que percorre vários segmentos e campos,
corresponde a um fenómeno muito visível na cultura popular de massas,
particularmente na cultura musical, em constante retromania, para usar uma expressão de Simon Reynolds (16).
Talvez seja necessário, como é evidente, distinguir vários tipos de revivalismo
e compreender que cada qual possui um sentido específico, não podendo
sobrepor-se a tentativa de recuperação ou reinvenção da tradição aristocrática
e conservadora com a retromania da
música pop. De igual modo, é
necessário entender que existem diversos ciclos e ritmos na revisitação do
passado, não devendo confundir-se, por exemplo, a actual vaga de redescoberta –
académica e popular – do período do Estado Novo com o ideário de uma direita
nacionalista ultraminoritária (17).
Heróis do Mar
|
No Portugal dos anos oitenta, o
revivalismo tinha um significado político intenso, já que surgia na sequência
de uma ruptura, de uma ruptura revolucionária. Em face dela, qualquer
redescoberta do passado era, por natureza, «contra-revolucionária» e, nessa
medida, possuía um sentido ideológico preciso e profundo. Tal revivalismo confluiu
com outros fenómenos, os quais não eram necessariamente convergentes mas que,
trilhando caminhos paralelos, partilhavam algumas afinidades electivas. Darei
dois ou três exemplos. Desde logo, o surgimento, na cena musical, de bandas
como os Heróis do Mar (1981), tendo por vocalista Rui Pregal da Cunha, onde se
encontram personalidades como Pedro Ayres Magalhães ou Carlos Maria Trindade que mais tarde, em 1987,
fundam o projecto dos Madredeus, ou os Sétima Legião (1982), onde pontificava
Rodrigo Leão – que, mais tarde, estará também nos Madredeus (18) – e cujas músicas tinham letra de Francisco Ribeiro de Menezes, que também
fazia as vozes do coro e é actualmente diplomata, exercendo funções como chefe
de gabinete do Primeiro-Ministro (19).
Relativamente aos Heróis do Mar, devido à iconografia de que se rodeavam,
chegou a surgir na altura a suspeita, ou até a acusação, de que se tratava de
um grupo nacionalista de vanguarda, ligado à extrema-direita. Os Sétima Legião
foram menos questionados quanto a esse ponto, mas, em qualquer caso, eram
bandas que se inseriam claramente numa linha «anos 80», que, na esteira de um movimento
de «rock português» inaugurado em
1980 por Rui Veloso e Carlos Tê com o álbum Ar
de Rock, rompe por completo com os baladeiros e «cantautores» dos anos
sessenta e do imediato pós-25 de Abril.
MEC, candidato ao PE nas listas do PPM (1987), aqui
|
Um outro exemplo prende-se com uma
personalidade que emergiu justamente a partir da crítica musical, Miguel
Esteves Cardoso (ou «MEC»), cuja notoriedade se deveu ao seu talento ímpar,
como é evidente, e ao facto de tirar partido do bilinguismo e da proximidade ao
Reino Unido para, nas suas crónicas no jornal Se7e, em O Jornal ou na Música & Som, e reunidas no livro Escrítica Pop (1982), dar conta das
bandas que se afirmavam na «cena» britânica, designadamente as que se editavam
com a chancela Factory e se inscreviam na new wave pós-punk: Joy Division, New Order, The Durutti Column,
etc. Era um tipo de informação que, numa altura em que não existia Internet, os
jovens buscavam com avidez, sendo transversal a ideologias ou famílias
políticas.
Em 1982, Miguel Esteves Cardoso criou,
com Pedro Ayres Magalhães, Ricardo Camacho e Francisco Sande e Castro, entre
outros, a Fundação Atlântica (Companhia de Discos de Portugal), a primeira
editora portuguesa independente, que produziu
discos de Anamar (Baile
Final/Lágrimas, 1983), dos Sétima Legião (Glória/Partida, 1983; A Um
Deus Desconhecido, 1984), ou de um grupo então desconhecido, os Delfins (O Vento Mudou, 1984; A Casa da Praia, 1985), bem como o álbum
Amigos em Portugal (1983), dos The Durutti
Column. O nome Fundação Atlântica é
significativo, como é significativo o facto de Miguel Esteves Cardoso, com o
seu emblemático laço ao pescoço e o seu Volkswagen «carocha» preto, que
estudara a saudade, o sebastianismo e o Integralismo Lusitano (20)
e se afirmava como monárquico, o que era totalmente desconcertante, além de alimentar
polémicas com Fernando Namora ou Eduardo Prado Coelho, se ter tornado um autor
de culto devido às crónicas semanais que publicava no Expresso, e que seriam reunidas em livro em 1986, com o nome A Causa das Coisas, objecto de várias
edições e ainda hoje um livro de sucesso (21). No ano seguinte, em 1987, Miguel Esteves Cardoso será candidato independente
pelo Partido Popular Monárquico às eleições para o Parlamento Europeu, numa
campanha com uma marca anti-europeísta que surpreendia pela inventividade e
pela frescura moderadamente subversivas, e que seduziu certas franjas intelectuais
urbanas e jovens, e em cujos tempos de antena surgiam Pedro Ayres Magalhães e,
note-se, Paulo Portas, o antigo repórter do Semanário
com quem dois anos mais tarde Miguel Esteves Cardoso fundará O Independente, tendo, logo na altura da
fundação, sido combinado que Portas ficaria como nº 2 para mais tarde passar a
director, quando «MEC» saísse, como saiu, para fundar a revista Kapa (22).
Recordemos que as originalíssimas crónicas de «MEC», transformadas em leitura
de culto numa época em que não existia Internet nem muitos meios de fruição intelectual
«leve», eram acompanhadas semanalmente da reprodução de um anúncio antigo a um
produto comercial do quotidiano do Estado Novo, numa reapropriação que
explorava o nonsense, é certo, mas
também alguma nostalgia e um certo revivalismo. Só por tal via, a via do humor
suave e cândido, ainda que por vezes mortífero, de Miguel Esteves Cardoso, é
que essa imagética salazarista poderia ser recuperada sem suscitar o clamor
indignado de uma certa esquerda que, de tão reactiva, se arriscava com o tempo
a tornar-se reaccionária. Mas o facto é que a pasta medicinal Couto ou a cera
Encerite, que mostrava uma criada fardada, de avental e crista, a encerar um
soalho de joelhos – e a Encerite só tinha interesse, humor e graça se mantivesse essa
imagem –, puderam aparecer e ser toleradas devido a um dispositivo
«braudillardiano» de simulacro, envolvendo o kitsch e o humor ou, talvez melhor, devido a uma reelaboração da
sensibilidade camp, tal como
recortada por Susan Sontag no seu célebre ensaio de 1964.
Este revivalismo corresponde, aliás, a
uma tendência que persiste e é hoje muito difundida, sendo comercialmente
explorada por Catarina Portas, em quiosques rétro
e sobretudo na loja/marca A Vida Portuguesa (2004), que cito apenas por ser
o exemplo mais conhecido e com maior simpatia junto dos media (23).
Na loja da irmã de Paulo Portas, uma mulher assumidamente de esquerda, encontramos
caixas de lápis Viarco com rapazes vestindo a farda da Mocidade Portuguesa, mas
também reproduções dos cartazes de João Abel Manta figurando a Aliança Povo/MFA.
Há um esvaziamento político dos objectos de consumo mas também, sem dúvida,
alguma «ideologia» neste processo de «des-ideologização» (24).
Curiosamente, objectos com a farda da Mocidade são vendidos a poucos metros da
antiga sede da PIDE/DGS, cuja reconversão em condomínio de luxo suscitou a indignação
de movimentos como «Não Apaguem a Memória». A isso, Catarina Portas poderia
retorquir que é justamente a «memória» que constitui o seu core business, mas não vou entrar na complexa questão da «guerra
das memórias». Em todo o caso, trata-se de um sinal, de um sinal muito
interessante, a circunstância de, na mesma loja, se venderem – e a preços
elevados, aliás – produtos que eram usados pelas criadas de servir do Estado
Novo e cartazes da aliança Povo/MFA, como é interessante a retórica de consumo do
«tradicional» e do «português» que lhe está subjacente – e que está a ser
induzida, de outras formas, na actual conjuntura de alguma revivescência
nacionalista. O intensíssimo movimento das confrarias e das academias gastronómicas
– por exemplo, as academias de bacalhau, estudadas por José Sobral (25)
–, a par do culto dos produtos biológicos e absolutamente «naturais», de origem
portuguesa, não importados, é um outro tema que se inscreve nesta lógica
comportamental e social de que estou a dar apenas alguns exemplos.
Como referi, nos alvores da década de oitenta
tudo isto coincidiu com aquilo a que poderemos designar como «neo-romantismo»,
o qual converge com a redescoberta e a hipervalorização do «rural», dos solares
e das casas de família, da arquitectura com materiais naturais, mais tarde
levando a uma reedição, de gosto duvidoso, do estilo «português suave» (26)
em muitos condomínios privados, de actividades como o hipismo, a caça (27),
as touradas, o turismo de habitação, e, nos nossos dias, os «lugares de charme».
Refiro estes aspectos porque uma história cultural da direita portuguesa pode
tender a concentrar-se nos exemplos publicamente mais ostensivos, mais
extremados, como os desfiles de cariz nacionalista do 1º de Dezembro liderados
por Vera Lagoa ou o ideário de Jaime Nogueira Pinto e dos seus próximos,
desvalorizando estas correntes que objectivamente foram muito mais influentes e
abrangeram segmentos muito amplos da nossa sociedade, alguns deles nunca conotados
com a direita.
A revista Kapa seria fundada em 1990 com capitais da Valentim de Carvalho e
da SOCI do advogado Luís Nobre Guedes, personalidade próxima de Paulo Portas (28).
A Kapa, onde «MEC» tem um papel
preponderante (a revista era o seu sonho desde a fundação de O Independente), publicava inúmeros
artigos de cunho revivalista, por exemplo, no domínio da arquitectura, assinados
por um purista absoluto, Alberto Castro Nunes, tinha um grafismo e uma imagem rétro, publicava, por exemplo, um famoso
ensaio de Vasco Pulido Valente que procedia a uma revisitação do consulado de Marcelo
Caetano em tonalidades trágicas (29).
O título de capa, porém, não correspondia ao sentido do escrito de Pulido
Valente. Assim, enquanto o ensaio tinha por subtítulo, sintomaticamente, «As
desventuras da razão», a capa da revista ostentava os dizeres: «Marcello, o
Maior». O nº 1 da revista ostentava na capa uma fotografia a preto e branco de
rapazes da Casa do Gaiato, da autoria de Inês Gonçalves, que poderia
perfeitamente ter sido captada na década de 40 ou 50, e abria, logo nas
primeiríssimas páginas, com uma fotografia do general António de Spínola,
acompanhada de uma legenda encomiástica: «Um herói esquecido sempre pelas
razões erradas. O 28 de Setembro nada significou na carreira de um homem que
queria descolonizar e democratizar pacificamente. Hoje é um símbolo tranquilo
de patriotismo, discrição e comedimento» (30).
Na página a seguir, a actriz Maria de Medeiros e, logo depois, uma fotografia
do edifício estadonovista do Instituto da Vinha e do Vinho. A Kapa era inclassificável.
Noutro número da revista, Maria Filomena Mónica atacava
violentamente Aníbal Cavaco Silva, uma personalidade com a qual, quer a direita
neoconservadora tradicional, quer sobretudo a direita e a esquerda intelectuais
sempre mantiveram uma relação que se resume numa palavra: ódio. É que Cavaco
Silva e a sua entrada fulgurante na vida política portuguesa vinham subverter
por completo os dispositivos de regulação do status. Aníbal Cavaco Silva afirmava as suas origens sociais humildes
mas, ao mesmo tempo, não era um completo parvenu:
fora bolseiro e investigador da Fundação Gulbenkian desde 1965, doutorara-se na
Universidade de York em 1973, ao mesmo tempo ou até antes do que alguns vultos
da intelligentzia nacional, ainda
que, ao contrário destes, nunca tenha convertido esse capital universitário em
capital social (em capital político talvez sim, mas em capital social decididamente
não). Note-se que em 1970 doutoraram-se apenas 61 pessoas em Portugal,
incluindo o reconhecimento de doutoramentos feitos no estrangeiro,
especialmente no Reino Unido (31).
Além disso, Cavaco Silva era técnico do Banco de Portugal e Sá Carneiro
escolhera-o para um lugar tão importante como ministro das Finanças, preterindo
diversos «gurus» da Economia, com muito maior projecção mediática. Portanto,
Cavaco Silva era demasiado distante
das redes de sociabilidades das elites mas, em simultâneo, suficientemente próximo delas para causar perturbação, pelo que
haveria que estabelecer um cordon
sanitaire em seu redor. E era essa suficiente proximidade, porque lembrava
aos críticos as suas próprias fragilidades (desde logo, no quadro das suas
representações mentais, a fragilidade de terem nascido portugueses…), que
suscitava e suscita sentimentos tão extremados. A acrescer a tudo isto, Cavaco
Silva conquistaria duas maiorias absolutas, um facto inédito na história da
nossa democracia. Daí adensar-se a animosidade de uma certa intelectualidade
cosmopolita e bem-pensante contra a sua pessoa, sendo que o ponto de ataque,
como não poderia deixar de ser, se centrava justamente na sua alegada incultura,
na «falta de mundo», na não-pertença a um universo social e mental que, à
esquerda e à direita, muitos foram educados desde o berço a considerar como
«seu». Daí a insuportabilidade visceral que despertava em personalidades como Vasco Pulido Valente (32)
ou Maria Filomena Mónica (33),
ou na redacção de O Independente,
onde, como diz Paulo Portas, «a humildade não era propriamente o género
dominante» (34). Cavaco Silva era um «intruso» que já estava «cá dentro», o
que o tornava particularmente incómodo. Quando, mais recentemente, Maria
Filomena Mónica se referiu a Cavaco Silva como se tendo doutorado numa «instituição
que, por ser recente, não tinha prestígio, mas que lhe pareceu adequada aos
seus fins» (35) é justamente esse dispositivo inigualitário
que pretende explorar: não podendo negar que se doutorara no estrangeiro, no
mítico estrangeiro, há que encontrar nuances
que apoiem a sua desvalorização que, mais do intelectual, é social (36).
É sintomático que, nas páginas de O
Independente, Paulo Portas haja acentuado o «indisfarçável arrivismo» de
Maria Cavaco Silva, recomendando-lhe «volte a ser discreta» e classificando-a
de «PMI (Pequena e Média Intelectual)». Não podendo negar por inteiro o
estatuto de intelectual à mulher do então Primeiro-Ministro, Portas procurava
depreciá-la no plano social e do gosto, falando, evidentemente, do seu «mau
gosto poético». Quanto ao marido, era considerado «ambicioso», «paroquial»,
«ordinário» e «um homem de esquerda» que «não gosta da direita». Em
contrapartida, Freitas do Amaral era descrito por Paulo Portas como «um senhor»
e «um homem de bem» (37). Paulo Portas, aliás, não hesitava em adoptar um registo de clara segregação
social, atacando, a propósito dos governos de Cavaco Silva, «o bando possidónio
que tomou conta da cidade, sem respeito nem continência, e que vê na política
uma espécie de promoção social». O cavaquismo, para Portas, «fez uma revolução
na classe dirigente», povoando-a de «homens sem história». Contra um sentimento
difundido entre algumas elites da altura – o da exaltação das origens humildes
como prova de qualidades pessoais –, Portas insurgia-se fazendo o discurso
oposto: «é bem ter nascido mal e vale a pena fazer gala disso. (…) A democracia
que temos exibe o brasão ao contrário. A nova oligarquia é a dos self-made men, criaturas que se acham
mais capazes e de maior direito». Aludia mesmo a «um ódio de classe e a uma
psicopatia de má inserção social», não hesitando em criticar-se, como outrora
se tinha feito com Carlos Mota Pinto, a forma de vestir de Aníbal Cavaco Silva.
Aníbal Cavaco Silva e Francisco Sá Carneiro
|
Em
paralelo, num domínio mais profundo, o dos valores, das representações e das
crenças sociais, começa a fazer-se um «ajuste de contas» com os pretensos
excessos do PREC. A pedagogia, porque recebe o influxo de alguma obsessão da parentalidade
e da preocupação colectiva com as «gerações que estamos a formar», é um dos
barómetros mais precisos destas tendências sociais algo larvares ou
subterrâneas. Em 1997, Maria Filomena Mónica publica Os Filhos de Rousseau (38).
Gabriel Mithá Ribeiro dará à estampa A
Pedagogia da Avestruz em 2003. Mais tarde, em 2006, Nuno Crato irá atacar o
«eduquês» e a pedagogia romântica. Santana Castilho lançara em 1999 o Manifesto para a Educação em Portugal,
Rui Baptista publicará em 2005 o livro O
Leito de Procusta: Crónicas sobre o Sistema Educativo e, nesse mesmo ano,
David Justino publica No Silêncio somos
todos Iguais. A editora Gradiva, de Guilherme Valente (ele próprio, autor
de uma obra recente intitulada Os Anos
Devastadores do Eduquês, 2012), que publicou os títulos de Nuno Crato e
David Justino, deu um importante contributo para um repensar crítico da
Educação que ia, de alguma forma, num sentido «correctivo» dos excessos do
PREC. É a David Justino que, enquanto Ministro da Educação (2002-2004), se deve
a publicitação dos rankings dos
estabelecimentos de ensino, os quais geraram polémica em alguns sectores
docentes, que os consideraram «elitistas», mas foram acompanhados obsessivamente
pelos pais e encarregados de educação, por vezes de forma acrítica, passional e
imediatista. Nesse tempo, com os rankings
a apontarem o ensino particular como via mais segura de acesso ao superior, há
uma afluência em massa aos colégios, alguns deles religiosos. No Colégio Sagrado
Coração de Maria, em Lisboa, que ficara bem colocado no ranking, os pais chegaram a passar a noite na rua para inscreverem
os filhos. E, em simultâneo, criam-se colégios com «marcas de distinção» nos
domínios da onomástica e da heráldica. Se virmos, por exemplo, a página na
Internet do Real Colégio de Portugal (39),
que foi criado em 1999 mas descreve com minúcia os pergaminhos antigos da
quinta onde está sediado (Quinta do Conde do Paço, no Lumiar), teremos um bom
exemplo de «invenção da tradição». O uso de fardas, os brasões dos emblemas dos
colégios, as divisas e máximas grandiloquentes, a separação de sexos em alguns
estabelecimentos e até a aprendizagem precoce de línguas como o latim são hoje
encarados com tranquilidade (40).
Se aquele é o panorama dos colégios privados, no sistema educativo em geral as
palavras de ordem são «excelência», «autoridade aos professores», «rigor» e «exigência»
no ensino dos alunos, o que acabaria por ter tradução legal no Estatuto do
Aluno, aprovado em 2002 e revisto em 2008 e 2010, tendo, em 2012, sido aprovado
um novo Estatuto do Aluno e da Ética Escolar (Lei nº 51/2012, de 5 de Setembro).
Entretanto, em 2008 o país assistia chocado a imagens de alunos a atirarem ao
chão uma professora no meio de uma sala de aula, por causa de uma disputa sobre
a posse de um telemóvel. Fenómenos como este, isolados ou não, provocam sempre
sentimentos reactivos de tipo neoconservador, como é evidente. Isto também se
passa na abordagem da criminalidade, ainda que Portugal não tenha sofrido o
influxo do «populismo penal» (41) que marca, por vezes de forma brutal, os Estados Unidos e, em menor grau, a
França ou a Inglaterra, sendo curioso notar que, neste último país, a abordagem
«dura» da criminalidade foi teorizada à esquerda, pelo New Left Realism, de Derek Cornish e outros (The Reasoning Criminal, 1986). Tony Blair percebeu o capital
político desse movimento e, naturalmente, o New
Labour apropriou-se dele. Em Portugal, os vestígios mais evidentes desta
tendência situam-se nos projectos para criação de um registo ou de uma base de
dados de condenados por abusos sexuais a menores.
Quer no neoconservadorismo estético,
quer na direita urbana há uma relativa quebra com a direita tradicional, salazarista
[e até anti-marcelista (42)],
nacionalista, católica, mas também com a chamada «nova direita» que surgira um
pouco antes pela mão de nomes como Jaime Nogueira Pinto, António Marques Bessa,
José Adelino Maltez, Miguel Freitas da Costa, Nuno Rogeiro, Eurico de Barros,
cada um naturalmente com o seu percurso e características singulares. A revista
Kapa nada tem a ver com a Futuro Presente, fundada em 1980 por
Jaime Nogueira Pinto, José Miguel Júdice, António Marques Bessa, entre outros,
tendo esta um conteúdo político-ideológico mais marcado e militante, ainda que fazendo
incursões culturalistas por domínios caros àquela corrente da direita
nacionalista, domínios como a ficção científica, a sociobiologia, a banda desenhada,
e até a chamada «filosofia portuguesa». Mas, paradoxalmente, ou talvez não, acabou
por ser muito maior a influência cultural e ideológica de uma «não-esquerda» assumidamente
aggiornata – preocupação que não
existia na Futuro Presente, em O Diabo de Vera Lagoa ou em O Dia
de Silva Resende. Num ensaio publicado em 1987, Jaime Nogueira Pinto pressentia
já que a ideologia e a estratégia dominantes na direita eram «possibilistas», e
não poderiam ser mais do que isso, mas entreviu na adesão à CEE um espaço de
afirmação possível desta corrente ideológica. O nacionalismo português, segundo
ele, poderia assentar na «questão da conservação da identidade nacional no
contexto das Comunidades Europeias». Será esse o tópico que servirá de leit-motiv à candidatura de Miguel
Esteves Cardoso ao Parlamento Europeu, sendo a direita tradicional, uma vez
mais, relegada para segundo plano. Outro eixo em que Jaime Nogueira Pinto via
alguma possibilidade de combate ao «esquerdismo dominante» era, como sempre,
África. Segundo Nogueira Pinto, esta era uma questão tão ou mais importante
quanto, a partir de meados da década de oitenta, os «governos marxistas de
Angola e Moçambique» estavam a constituir um «lóbi de interesses em Lisboa,
apoiado em círculos de negócios e no próprio PSD» (43).
Tudo indicia que o projecto político de Nogueira Pinto não logrou o seu
objectivo de vencer os lóbis angolano e moçambicano. Pelo contrário: o apoio à
UNITA, proclamado nesse texto como a solução mais consonante com a crítica à
descolonização, esfumar-se-á com a morte do seu líder histórico, Jonas Savimbi.
O «fenómeno cavaquista», na expressão de Nogueira Pinto, emergia do facto de
Cavaco Silva adoptar um discurso nacional e populista, tendo Freitas do Amaral
e, depois, Adriano Moreira, sido incapazes de contestarem o domínio daquele economista
pragmático. Na perspectiva de Nogueira Pinto, Freitas do Amaral seria um
representante da «direita orleanista» -
parlamentar, liberal, gradualista e consensual. Esse espaço político esfumara-se
com o advento do «cavaquismo», que o absorvera. Ainda assim, existia em alguns
sectores e personalidades (v.g.,
Paulo Portas, Pedro Santana Lopes) uma persistente nostalgia pelo legado de Sá
Carneiro, ele sim considerado o representante do espírito liberal entre nós (44),
o que não sucederia com Cavaco Silva.
O ponto que, neste passo, interessa
salientar é tão-só o seguinte: a direita urbana dos anos oitenta percebeu que
estaria condenada se estivesse ligada à direita ultramontana e tradicionalista,
nostálgica do salazarismo. Falava de nação, de pátria, de tradição, participava
na campanha contra o Tratado de Maastricht (1992), mas estava muito mais
próxima de alguma esquerda, até nas sociabilidades que construía [por exemplo,
em bares míticos como o Frágil,
inaugurado em 1982 (45)],
do que dessa direita mais «antiga», que cultivava pontes com alguns meios
castrenses, ou mesmo de uma direita que, quando queria ser «moderna», tinha um corpus de referências completamente
distinto: a banda desenhada de Corto Maltese, as obras de ficção científica de Phillip
K. Dick ou a música de inspiração céltica.
De alguma forma, naquela direita urbana
e sofisticada pode ter havido como que um prenúncio da formação de uma espécie
de «bloco de direita», em confronto com o que mais tarde será o Bloco de Esquerda
(Francisco Louçã terá afirmado, o que é sintomático, que O Independente era o «Correio
da Manhã dos intelectuais»). Não se pretende afirmar, obviamente, que
esteve em gestação um projecto partidário, pois isso nunca existiu, ainda que O Independente tivesse trilhado um
caminho político e o seu director acabasse por entrar na política activa,
assumindo inclusivamente funções governativas. Por «bloco de direita» refiro-me
a uma abordagem iconoclasta, narcísica, com um sentido de superioridade
intelectual, urbana, relativista nos costumes, liberal na economia, conservadora
em política, diletante, hedonista, cosmopolita, terrivelmente snobe. «Éramos
libertários na estética e conservadores na substância», diz Paulo Portas,
procurando explicar as óbvias contradições do projecto ideológico subjacente ao
jornal que fundou (46). De
facto, esta era uma direita attrape tout,
uma irreverência sem margens que tinha uma capacidade notável de absorver e
largar tudo, sem distinções ou sectarismos, mas também sem inquietações de coerência.
Todos se recordam que, a dado passo, já no final da vida, Agostinho da Silva é subitamente
«descoberto» e converte-se numa figura nacional, com a sua imagem de místico ou
profeta, o seu percurso de vida singular, a imagem iconoclasta do homem de
espírito franciscano que sonhava com um Quinto Império e que nem sequer tinha
bilhete de identidade. O fascínio que exerceu durou praticamente até à sua
morte e foi, de certo modo, transversal a muitos credos políticos (47).
Em resumo, existe uma convergência, que
é menos epidérmica do que parece, entre o movimento que levou à criação de uma
direita urbana e sofisticada e uma tendência social para valorizar o
«autêntico», o «antigo», o «nacional». É essa direita – e só poderia ser ela a
fazê-lo – que, no fundo, realiza a síntese entre duas realidades à primeira
vista contraditórias: vanguardismo cosmopolita e saudosismo nacionalista. Desde
logo, porque conquistara espaço público para este empreendimento, através da
abertura de circuitos próprios e redes de sociabilidades muito amplas e
eficazes. Na movida portuguesa dos
anos oitenta, essa direita urbana e sofisticada convivia com a esquerda na
moda, na noite, no hedonismo e numa visão libertária em matéria de costumes. De
certa forma, era uma «direita que era de esquerda» e isso foi um contributo
muitíssimo importante para combater algo extremamente enraizado entre nós: a
estanquicidade da divisória esquerda/direita, o esquema dicotómico e
maniqueísta que, no final, dava prevalência à esquerda. Agora, com este approach desconcertante, «MEC» e outros
vinham reequilibrar a agenda cultural e, sobretudo, mostrar, pela primeira vez
desde há muitos anos, que se podia ser culto não sendo de esquerda e
vice-versa. Na sua abordagem desarmante, esta direita – ou, talvez melhor, esta
«não-esquerda» – foi a primeira corrente
no pós-25 de Abril a questionar, com popularidade (48),
a hegemonia cultural da esquerda, mostrando que se podia ser fashion e «culto» sendo de direita ou,
pelo menos, não sendo de esquerda.
Julgando-se «independente» (49),
uma independência que se exibia através de sucessivas manchetes contra os
poderes instituídos [dos ministros de Cavaco Silva ao governador de Macau
nomeado pelo Presidente Soares, passando pela UGT de Torres Couto (50)],
a direita urbana dos anos oitenta, aparentemente contestatária do establishment assente no duopólio PS/PSD
e no seu rotativismo da mediocridade,
acabou, de certo modo, por servir o «sistema». À semelhança do que ocorre com a
«novíssima direita dos blogues», de que falarei a seguir, é possível que esta
direita dos anos oitenta tenha desempenhado, em alguma medida, o papel de
«idiota útil», semelhante ao dos compagnons
de route que enalteceram as maravilhas da União Soviética. Sem dúvida, a
«direita anos 80/90» causou danos quando passou para a esfera política – ou político-judicial
– da denúncia de «casos» nas manchetes de O
Independente (51),
mas, no estrito âmbito cultural, serviu naquelas décadas para mostrar que em
Portugal também havia uma modernização, uma movida
festiva - e isso era útil ao poder instituído,
como é óbvio.
Vasco Pulido Valente
|
O homo
cavaquensis, para usar uma expressão de Vasco Pulido Valente (52),
não era apenas o que apoiava e votava no PSD, mas todos aqueles que, directa ou
indirectamente, beneficiaram do melhor período de crescimento económico de toda
a história da democracia portuguesa, com taxas entre 5% a 8% entre 1986 e 1990
(53).
Ora, a nova direita, sofisticada e
urbana, só pôde emergir graças a esta conjuntura expansionista, ainda que
contestasse aquilo que lhe permitia ver a luz do dia: a adesão à CEE, por um
lado, e a governação de Cavaco Silva, por outro. O Independente e a Kapa alimentavam-se
da expansão acelerada do consumo, da sofisticação da visualidade, da
massificação dos hábitos culturais, da pós-modernidade teorizada em França por
Lyotard e entre nós absorvida em versão Eduardo Prado Coelho e Manuel Maria
Carrilho e aplicada na arquitectura de Tomás Taveira e em diversos movimentos
artísticos, assumidamente «a-políticos» ou, pelo menos, já não apostados ou
empenhados na transformação do mundo e na construção de grandes utopias (54).
Sem o crescimento económico daqueles tempos, sem a adesão à CEE, não teria
havido espaço para a afirmação de uma elite que reforçava o seu estatuto de
superioridade devido à «informação privilegiada» que detinha pelos seus canais
próprios de acesso ao estrangeiro. Ao saber, primeiro do que os outros, o que se
passava lá fora, há um inside trading cultural no trabalho
desta elite, que, informando o «povo» e cultivando-lhe o gosto, contribuía para
um consenso que sedimentou o «cavaquismo» e favoreceu as suas maiorias
absolutas. Assim, neste trade-off todos
ficavam a ganhar. Aliás, é curioso recordar que uma das Grandes Opções do Plano
do governo minoritário de Cavaco Silva foi redigida por Miguel Esteves Cardoso.
Uma entrevista que «MEC» concedeu em 2008 à revista Ler faz adivinhar o conteúdo do documento: «A primeira coisa que publiquei na revista do Colégio Inglês foi
poesia. Escrevi as Grandes Opções do Plano, a tese de doutoramento, os bilhetes
à empregada, cartas de amor». Se quisermos, num balanço muito simplista, pode
dizer-se que O Independente,
sobretudo a partir de certa altura, contribuiu decisivamente para o desgaste
político do «cavaquismo», mas também, do mesmo passo, alimentou o espírito
lúdico e o imaginário de segmentos muito diferenciados da sociedade – das
classes médias e médias-altas até à juventude das mais variadas origens sociais
–, impregnando-a de um sentimento difuso de bem-estar, material e imaterial,
que foi relevantíssimo para os triunfos políticos de Cavaco Silva,
materializados na obtenção de duas maiorias absolutas monopartidárias no quadro
de um sistema eleitoral proporcional.
Nas palavras de Maria Filomena Mónica,
«A manutenção de Cavaco Silva no poder não se compreende se não tivermos em
conta a situação económica que se viveu, no triénio que se seguiu à adesão à
CEE. Melhor do que ninguém, Cavaco Silva soube materializar as aspirações das
classes médias nascidas com a Revolução de Abril. O sucesso do cavaquismo
radicou no facto de muitos portugueses estarem ainda suficientemente perto da
miséria para não tolerarem brincadeiras com a economia, e suficientemente longe
das velhas famílias para não acalentarem visões nostálgicas sobre o regresso
dos senhores» (55).
Indiscutivelmente, o aumento do poder
aquisitivo das classes médias foi essencial para as maiorias absolutas de
Cavaco Silva, as quais coincidem, não por acaso, com um aumento dos níveis de
bem-estar e de aumento de consumo. Basta recordar a euforia vivida aquando da
abertura dos primeiros hipermercados. No dia 10 de Dezembro de 1985, na
inauguração do primeiro hipermercado português – o Continente, de Matosinhos –,
as prateleiras ficaram literalmente vazias. Em 1987, o grupo Pão de Açúcar
abriu uma grande superfície na Amadora, logo seguido pelo Continente (56).
Num expressivo sinal dos tempos, o Continente de Matosinhos foi implantado num
terreno comprado à diocese do Porto: o avanço do consumismo correspondia a um
retrocesso da influência da Igreja na sociedade portuguesa.
Ora,
se o bem-estar material se reflectiu nas maiorias absolutas de Cavaco Silva, a
mensagem festiva e hedonista de O
Independente e, mais vincadamente ainda, da Kapa remetiam para uma noção de «mudança», de movida, que também serviria os sucessos eleitorais do PSD. Noutro
contexto, interessaria citar ainda a abertura das televisões privadas, fenómeno
ocorrido um pouco mais tarde e que consigo trouxe um sentimento de novidade,
pluralismo e diversidade na oferta cultural vocacionada para as massas, além,
naturalmente, de novos canais de difusão da publicidade e de padrões
comportamentais e estilos de vida. A 6 de Outubro de 1992, a SIC (Sociedade
Independente de Comunicação) iniciava as suas emissões e, três anos depois, em
Maio de 1995, ultrapassava, pela primeira vez, as audiências do canal público (57). Curiosamente – e à semelhança do semanário de Esteves Cardoso e Paulo Portas –,
a SIC ostentava no nome a palavra «independente», reforçando a mensagem de
distanciamento face ao poder político. Também a TVI, cujas emissões começam a
20 de Fevereiro de 1993, se denominava Televisão Independente. O triunfo de audiências da SIC sobre a RTP equivalia,
no plano simbólico e não só, a uma vitória da iniciativa privada sobre o sector
público. E, aos poucos, o broadcasting
foi dando lugar ao narrowcasting, com
a sucessiva abertura de canais temáticos para públicos específicos. No entanto,
o ponto essencial a salientar é o seguinte: a marca da novidade e diversidade
contribuiu, de forma decisiva, para fomentar um difuso sentimento de bem-estar
imaterial, muito importante para o sucesso de Cavaco Silva, especialmente a sua
primeira maioria absoluta. Não houve, em todo o caso, uma relação directa entre
a abertura de canais privados e os dois grandes triunfos eleitorais do PSD, já
que estes ocorreram antes – em 1987 e em 1991, respectivamente – do início das
emissões televisivas da SIC e da TVI. Neste particular, aliás, existiu um
acontecimento que provocou um profundo desgaste na maioria governativa – o
chamado «buzinão» na Ponte 25 de Abril, transmitido em directo, em emissões
ininterruptas, pelas televisões privadas, naquele que foi o seu primeiro grande
«evento» jornalísticos e também o primeiro grande teste à sua autoproclamada
«independência». Se é frequente atribuir às manchetes de O Independente um efeito corrosivo sobre a governação
social-democrata, importa não descurar este episódio, até pelas repercussões
que teve, naturalmente muito mais amplificadas devido ao uso de um canal de
comunicação de massas como a televisão. Esta, justamente pelas mesmas razões,
precisamente devido à escala do impacto das suas mensagens, foi também decisiva
no plano das mentalidades e dos costumes. Talvez não tanto como causa de
transformações, mas como eco e amplificador das mesmas, já que tudo indicia que
as grandes mudanças de atitudes e comportamentos começaram a ter lugar um pouco
antes das primeiras emissões televisivas privadas, em meados e finais da década
de oitenta.
Casa dos Segredos - 4
|
É elucidativo que, segundo alguns
observadores, haja sido nessa década que a sexualidade se começou a revelar
cada vez mais central na formação e expressão da identidade dos jovens (58). A este respeito, há um ponto importantíssimo: a ideia de um sentido de gratificação pessoal, muito
veiculada pelo jornal O Independente,
pela Kapa, pelos meios culturais que
se moviam, em Lisboa, na zona do Bairro Alto. A ideia de um sentido de gratificação pessoal foi
decisiva para que a sociedade portuguesa estivesse apta a receber as
privatizações, a economia de mercado, a adesão à CEE, os governos de Cavaco
Silva. Se não existisse esse sentido de autonomia e de gratificação pessoal,
incutido em cada um, não poderia fazer-se a transição pós-revolucionária. Não
haveria espaço mental para tanto,
para que o hedonismo triunfasse em absoluto sobre o colectivismo no universo
das representações de muitos cidadãos, nomeadamente os jovens.
Como é evidente, isso teve – e tem –
consequências que incomodam os mais conservadores, como o aumento exponencial
da taxa de divórcio, a hipersexualização da sociedade, o consumismo, mas quero apenas
sublinhar que o sentido de gratificação pessoal foi importantíssimo na viragem
cultural da década de oitenta, espelhando, muito provavelmente, o recuo da
influência da Igreja nas atitudes e mentalidades.
Esta questão é também relevante porque
desvenda, à pequena escala lusitana, uma das contradições culturais do
capitalismo, de que falava Daniel Bell num famoso livro de 1976 (The Cultural Contradictions of Capitalism):
o capitalismo vive à base de princípios de acção que tendem a destruir a ética
«protestante» que alimenta o seu espírito. Num sentido próximo, ainda que não
convergente, emerge também neste movimento uma tensão que, entre outros,
Anthony Giddens detectou no discurso ideológico da direita (59).
Trata-se da tensão entre conservadorismo e liberalismo, entre Edmund Burke e
Milton Friedman. Como pode a direita ser liberal na economia e conservadora nos
costumes, ou vice-versa? A direita festiva dos anos oitenta e noventa e, mais
recentemente, a novíssima direita dos blogues não resolvem o problema, adoptam
uma atitude de fuga para a frente e, verdadeiramente, não colocam a si próprios
estas questões, que são dilacerantes para a sua coerência – e para a sua
consciência. De facto, é difícil conciliar a proclamação da «liberdade de
escolher» (na actividade profissional, no sistema de ensino, na vida
empresarial) e a preservação de um conjunto de princípios e valores que, à
partida, são considerados axiologicamente «superiores» enquanto linhas de
orientação de padrões comportamentais e estilos de vida. O fracasso do projecto
original da «televisão da Igreja», a TVI, espelha bem a dificuldade de
conciliar, por um lado, uma lógica agressiva de mercado e de captação de
audiências numa sociedade marcada pelo sentido de gratificação pessoal e, por
outro, a salvaguarda de uma constelação de valores alheia – e até adversa –
àquela lógica. Já O Independente, em
contrapartida, convivia melhor com essa dupla exigência. Sob um grafismo
arrojado, inspirado no Libération, podia, inclusivamente, adoptar uma retórica
nacionalista que, se acaso tivesse sido utilizada por outros protagonistas, com
menos «redes» e «pontes» à esquerda, seria de imediato apodada de retrógrada e
obsoleta. O Estatuto Editorial dizia que o jornal tinha «valores»,
acrescentando: «Para O Independente o
primeiro valor é Portugal. Será defendido o conceito de Pátria, no sentido mais
amplo de unidade essencial de território e cultura» (60).
Mas, do mesmo passo, autodefinindo-se como «democrata e conservador», dizia
tomar «partido por quem tiver razão e não será cúmplice de qualquer abuso de
poder». Instaurava, por conseguinte, um projecto que se caracterizava como
patriótico e conservador e, em simultâneo, como anti-institucionalista e até
libertário. Uma das crónicas de Miguel Esteves Cardoso, escrita a propósito de
uma entrevista televisiva de Cavaco Silva, debruçava-se sobre o «cuspo nos
cantos da boca do senhor primeiro-ministro». Uma das edições do Caderno 3
mostrava Cavaco Silva metamorfoseado de galã de Hollywood e ostentava o título
«Na cama com Cavaco». Anunciava-se: «Fita de qualidade. 208ª semana. Ameaça
reposição». O enredo era assim resumido: «Ele veio de Boliqueime. Ele subiu a
pulso. Ele arrastou multidões. Intriga. Sucesso. Sedução» (61).
Manchete de O Independente: «Cidadãos Soviéticos Raptados em Lisboa» |
Se ideologicamente parecia seguir uma matriz «conservadora» e «nacionalista», o ponto de vista económico, O Independente afigurava-se, em
contrapartida, como «liberal». Um folheto publicitário distribuído com o jornal,
nos seus números iniciais, intitulava-se, expressivamente, «A Paixão de Saber
Escolher» e o Estatuto Editorial proclamava «o mercado como princípio da vida económica»,
sendo «preciso devolver à iniciativa privada os direitos que o Estado português
lhe nega». Em suma, escrevia-se, «um bom jornal é uma nação a falar consigo
mesma [e] O Independente quer tomar
parte nessa conversa» (62).
Haveria, naturalmente, uma tensão, porventura insanável, entre princípios
conflituantes, mas nada disso era relevante em face do seu estilo provocador e
iconoclasta, à luz do qual tudo se justificava: «O que nos interessava, afinal,
não era o conteúdo mas o estilo, e estilo foi coisa que jamais faltou ao Indy –
entre um bom título e a verdade, geralmente sacrificava-se a verdade. Heresia?
Qual heresia. Em tempos cinzentos – como aquele e como estes –, a provocação
faz tanta falta quanto a verdade e o rigor», escreve João Miguel Tavares (63). A irreverência do jornal levá-lo-ia, por exemplo, a fazer um inquérito a diversas personalidades públicas, interrogando-as sobre que roupa interior usavam:
A tensão entre liberalismo e
conservadorismo torna-se mais evidente na geração seguinte da intelectualidade portuguesa
de direita, talvez até mais «libertária» em matéria de costumes do que a sua
antecessora. Para o nascimento desta «novíssima direita», a fractura decisiva foi
a Internet, e a velocidade da sua disseminação. A Internet e, sobretudo, a
blogosfera e as redes sociais, constituíram um ponto de viragem absolutamente
radical cujas proporções dificilmente podem ser exageradas. Doravante, não era
preciso um jornal ou uma revista, não era necessário pertencer a uma classe
determinada ou conhecer as «pessoas certas» para publicar crónicas e difundir
opinião. E, num espaço de segundos, acedia-se a informação estrangeira que, nos
tempos das encomendas de livros na Buchholz ou na Férin, demoravam semanas ou
meses a chegar. A Internet permitia a democratização dos talentos e o
cosmopolitismo sem sair de casa – do quarto na casa dos pais… –, sem ter necessidade de uma bolsa da Fundação Gulbenkian,
sem ter que esperar pela crónica semanal de «MEC» para saber o que se fazia «lá
fora». Sintomaticamente, ensaístas como Alain Minc sustentam que Sartre foi o
último dos «intelectuais»: o surgimento da Internet, um fenómeno
avassaladoramente democratizador, fez desaparecer hierarquias e circuitos
privilegiados de acesso e difusão das ideias (64).
Em contrapartida, a quantidade de informação acabou por implicar maior esforço
intelectual: desde então, não bastaria proclamar «o que existe» ou «saiu um
livro A ou um disco B» pois isso em poucos segundos se sabe e, de uma forma
niveladoramente «democrática», todos o sabem.
Tornou-se necessário, cada vez mais, um contributo adicional, próprio, para resgatar
o auditório do seu alegado provincianismo. Nos tempos da Internet, uma
publicação com o perfil de O Independente,
designadamente o seu famoso Caderno 3 (dirigido por Esteves Cardoso), teria
muita dificuldade de se afirmar na esfera pública.
A produção na Internet tem também
efeitos nos conteúdos: a luta ideológica, transferida para o universo digital,
cede ao imediatismo e até aos insultos e ataques pessoais (particularmente
visível nas caixas de comentários), tem um espaço limitado para o
desenvolvimento de um pensamento, obriga a um esforço de síntese que não se
compagina com uma análise mais profunda, premeia o estilo contundente,
polemizante, com soundbytes
provocatórios e vive em excesso no presente, no dia-a-dia e na espuma do
efémero, desvalorizando a importância da memória e a percepção de que toda a
realidade tem uma genealogia; por vezes uma genealogia mais prosaica e mais
«mundana» do que aquela que se apresenta.
Pedro Mexia
|
Pedro Lomba
|
João Pereira Coutinho
|
Em todo o caso, a Internet foi
extraordinariamente importante para a afirmação de uma nova geração, e hoje
existem tantos blogues influentes de direita quanto de esquerda. A blogosfera e
as redes sociais, com destaque para o Facebook, são muito mais plurais e
equilibradas em termos de representatividade das diversas correntes de opinião
do que, por exemplo, as televisões e, sobretudo, a imprensa escrita. Mas também
é certo que foi através da imprensa escrita que muitos dos nomes cimeiros da
direita intelectual contemporânea se começaram a projectar, como aconteceu com
Pedro Mexia e Pedro Lomba, no suplemento cultural do Diário de Notícias, o DNa,
sendo igualmente na imprensa escrita que, após a passagem pela blogosfera,
fazem actualmente ouvir a sua voz. Ao contrário do que por vezes se diz, Pedro
Mexia e Pedro Lomba não «nasceram nos blogues»; participaram, isso sim, em
projectos combativos de afirmação de ideias que utilizavam a Internet como
veículo (sem terem a noção exacta da dimensão que esta viria a ter) e que não
coincidiam com o estilo snob de O Independente, nem com o discurso
místico-patriótico que este propalava nem com a mundanidade nocturna que
constituiu o principal eixo de apoio da rede de sociabilidades que alicerçava o
programa cultural e estético de «MEC». Pela sua qualidade e originalidade, merece
destaque o blogue «Coluna Infame», projecto de 2002-2003 de Pedro Mexia, Pedro
Lomba e João Pereira Coutinho, muito influenciado na sua génese pelos
acontecimentos do 11 de Setembro, que haviam dado lugar a uma obra marcante para
a intelectualidade de direita, o livro de Fernando Gil e Paulo Tunhas, Impasses. Seguido de coisas vistas, coisas
ouvidas (2003). Todos eles, até por razões que precederam ou acompanharam a
sua presença no «A Coluna Infame», conquistaram um lugar de destaque na esfera
pública, ainda que percorrendo caminhos diversos. Pedro Lomba
escreveria no Público, Pedro Mexia no Expresso, João Pereira Coutinho no Correio da Manhã e, com grande êxito, na
Folha de S. Paulo. Todos tiveram
presença marcante na blogosfera, mas afirmam agora as suas posições noutros
lugares, como a imprensa escrita ou a televisão. E todos eles tinham e têm, a
par da componente estritamente política, uma marcadíssima aproximação de
natureza cultural, sendo patente a sua reverência por Nelson Rodrigues, Philip Larkin,
Evelyn Waugh, a pop inglesa ou o cinema independente. A partir desse encontro,
cada qual seguiu o seu caminho: Pedro Lomba e João Pereira Coutinho mais
ligados às universidades, Pedro Mexia mais próximo dos meios literários do que académicos,
todos rejeitaram a atracção do tribalismo e, ao invés, cultivaram um estrito
individualismo, pessoal e intelectual.
É certo que existem muitas outras
personalidades na intelectualidade de direita – até mais marcadamente de
direita – e que a direita não se circunscreve ao âmbito cultural; em todo o
caso, estas são especialmente representativas e particularmente decisivas, ou
influentes, na formação da opinião, devendo notar-se que, de algum modo, se
situam numa linha de continuidade com a geração fundadora de O Independente, em especial na
preferência pela intervenção no campo cultural e pela abertura ao diálogo com
outros quadrantes – características muito visíveis em Pedro Mexia – e, bem
assim, pela repulsa pela direita mais ultramontana e inflamada, a qual também encontrou
na blogosfera um novo território de expressão e propaganda.
Nos actuais blogues de intervenção
político-ideológica, que já pouco têm a ver com a linha de «A Coluna Infame», agrupam-se
personalidades («A ou B escreve no 31 da Armada…») e formam-se novas redes. Há
também a tendência para um extremar de posições, a qual possui em pano de fundo
acontecimentos marcantes no plano internacional, como o 11 de Setembro ou a
guerra no Iraque, ou no plano nacional, como a nomeação de Pedro Santana Lopes como
Primeiro-Ministro e a queda do seu governo, o consulado de José Sócrates ou a
crise económica e o programa de austeridade adoptado na sequência do pedido de
ajuda financeira externa. Dificilmente se encontram blogues plurais, cada
blogue é «de esquerda» ou «de direita», «pró» ou «contra», sendo a realidade objecto
de uma simplificação selvagem e totalmente maniqueísta. Aliás, este fenómeno
paradoxal de afunilamento de perspectivas devido à «tribalização digital» tem
sido estudado por observadores da Net. E já há personalidades que se afirmam na
esfera pública sobretudo devido à popularidade dos seus blogues, como acontece com João
Gonçalves, do «Portugal dos Pequeninos», ou, noutro quadrante, com Paulo Guinote, de «A Educação do meu Umbigo». Com esta afirmação não se
está, note-se, a emitir qualquer juízo de valor. Pelo contrário, a fazer um
juízo ele só terá de ser positivo, pois num meio tão ferozmente competitivo e
frenético como a blogosfera, é necessário um grande talento para se destacar. Constata-se
apenas que há uma mudança muito interessante, que consiste no facto de a
blogosfera ser um canal de acesso ao poder e um instrumento de influência
cultural e social que está aberto a todos, ou quase todos.
A «novíssima direita dos blogues» (termo
redutor, aqui usado por comodidade de expressão) desenvolve a sua acção em
múltiplas direcções e seria muito injusto simplificar uma realidade onde até
intervêm idiossincrasias pessoais: uns são mais cultos do que outros, há os
mais belicosos e os mais complacentes, e existem mesmo lutas internas, dentro
da facção a que se pertence, com acusações de falta de coragem, conformismo,
adesão ao «sistema» ou, ao invés, de ambição de protagonismo e de carreirismo.
O que interessa notar é que esta novíssima direita, tendo emergido num ambiente
pós-secular, é liberal nos valores e, em regra, não toma posição nas «questões
fracturantes». Tem pavor de ser conotada com a direita tradicional, ou
tradicionalista, considerada acéfala, intolerante, ultramontana. Tem horror ao
carreirismo político feito nas juventudes dos partidos. É culta, informada,
cosmopolita, não tem um projecto político agregador, é individualista e, por
isso, consegue perceber muito bem, quase que por reacção instintiva, que seria
fatal para ela confundir-se com a direita dita «caceteira» do antigamente (65).
Se o fizesse, seria liquidada em segundos pelos seus adversários. Esta direita
é também, sobretudo em alguns casos, muito mais «combativa» e «adversarial» do
que a direita dos anos oitenta, até porque a Internet favorece, promove e
proporciona, muito mais do que os jornais e a imprensa escrita, um estilo
imediatista de acção e resposta (66).
Esta
corrente convive, sem se confundir, com aquilo que é, isso sim, claramente uma
«moda» e creio que, ao contrário do «neoconservadorismo estético», será
efémera. Refiro-me a uma difusa e até inclassificável revisitação pop do salazarismo. António de Oliveira Salazar
tornou-se um produto de consumo de massas. Não apenas pelo facto de ter sido
eleito «o maior português na História» num concurso televisivo de 2007 (em que
foi «defendido» por Jaime Nogueira Pinto), mas pela abundância, em seu redor,
de publicações e de livros, de filmes (por ex., Salazar: A Vida Privada, de Jorge Queiroga, com Diogo Morgado e
Soraia Chaves, 2009), e até de um certo revivalismo da imagética estadonovista.
Cobrindo um espectro mais amplo do que o salazarismo, esta rememoração
iconográfica abarca desde álbuns sobre a «Lisboa desaparecida», de Marina
Tavares Dias, à reedição dos antigos manuais das escolas primárias (67)
ou ao levantamento, em vários volumes, das imagens marcantes do século XX
português, realizado por Joaquim Vieira, bem como uma resenha do quotidiano
lisboeta na década de 60, de Joana Stichini Vilela e Nick Mrozowski. Seria
impensável, aqui há uns anos, publicar livros sobre a Mocidade Portuguesa e a Mocidade
Portuguesa Feminina onde o lado estético assume lugar central, como agora
acontece, sem que isso provocasse uma onda de clamor e indignação. Em larga
medida, tal deve-se ao facto de esta «indústria» não ser alimentada apenas por
autores ou protagonistas situados à direita do espectro político-ideológico. Na
revisitação do legado salazarista emergem personalidades como Joaquim Vieira ou
Irene Flunser Pimentel, autores das duas obras, atrás citadas, que recuperam a
iconografia e a imagética da Mocidade Portuguesa e da Mocidade Portuguesa
Feminina (68). Académicos e
jornalistas têm publicado uma infinidade de obras sobre o salazarismo, cobrindo
os mais variados temas: o amor e a sexualidade no Estado Novo; o futebol e o
cinema; as ligações com os grandes empresários; o cinema; o relacionamento de
Salazar com organizações como a Maçonaria ou a Opus Dei; a vida privada do
ditador ou dos seus próximos, incluindo a sua influente governanta. Esta vaga
avassaladora de publicações não possui necessariamente uma carga ideológica,
sendo algumas delas, aliás, bastante críticas do Estado Novo. Em todo o caso,
de um ponto de vista mais estritamente mercantil ou comercial, a lógica global
que está subjacente a esta vaga evidencia que existe um público interessado –
ou, pelo menos, predisposto a consumir obras históricas ou ficcionais – num
período da História contemporânea que, por representar um dos principais lieux de mémoire da esquerda
oposicionista ou «de resistência», era por esta considerado como seu património
ou território exclusivo de intervenção intelectual. É sintomático que, como se referiu, a revisitação do passado
salazarista se faça actualmente com grande despojamento ideológico por parte de
amplos sectores da sociedade, como é sintomática a reacção instintiva daquela
esquerda a todas as tentativas de leitura do Estado Novo que não se enquadrem
nos seus modelos interpretativos e estereótipos, tais como a necessária caracterização
do salazarismo como «fascismo» ou a aplicação do labéu de «revisionismo» (69) a todas as vozes dissonantes de uma visão historiográfica que, no fundo, se
pretende configurar como hegemónica e até inquestionável.
Os ressaibos nostálgicos ou revivalistas são mais evidentes num movimento paralelo, de recuperação da memória ultramarina, com a publicação de álbuns de postais [por ex., de João Loureiro, Postais Antigos de Macau, 1995; Memórias de Moçambique, 1997; Postais Antigos do Estado da Índia, 1998; Memórias de Cabo Verde, 1998; Postais Antigos e Outras Memórias de Timor, 1999; Postais Antigos de S. Tomé e Príncipe, 1999; Memórias de Angola, 2000; Memórias da Guiné, 2000; Postais Antigos da Ilha de Moçambique, 2001; Postais Antigos e Outras Memórias da Zambézia, 2001; Memórias de Lourenço Marques, 2003; Memórias de Benguela e Lobito, 2004; Memórias da Beira, 2005; Memórias de Cabinda, 2008 (70)] ou de relatos da vida em Angola apresentada como uma beautiful life tropical (Ana Sofia Fonseca, Angola Terra Prometida, de 2009). Atente-se como a questão da descolonização e dos «espoliados do Ultramar» era tratada, inclusive em processos-crime, em tons ainda muito «aguerridos» pela direita nacionalista, que acusava alguns de traição à Pátria (71). E compare-se essa abordagem com o modo muito distinto e muito mais distendido – talvez mesmo soft ou light – como essa problemática é tratada agora, de uma forma não-ideológica. Não referindo os livros Caderno de Memórias Coloniais (2009), de Isabela Figueiredo, e O Retorno (2011), de Dulce Cardoso, objectos literários e memorialísticos à parte, pode citar-se, por exemplo, as incursões romanescas de Júlio Magalhães (Os Retornados, 2008), de Leonel Acácio (A Balada do Ultramar, 2009), de Tiago Rebelo (O Último Ano em Luanda, 2008), de Manuel Arouca (Deixei o Meu Coração em África, 2005; Exilados, 2010), de Carlos Vale Ferraz (Fala-me de África, 2007), de Júlio Borges Pereira (O Último Retornado, 2012), ou as aproximações historiográficas/jornalísticas de Isabel Valadão com testemunhos da vida colonial (A Sombra do Imbondeiro. Estórias e memórias de África, 2012), de Rita Garcia sobre a ponte aérea Luanda-Lisboa de 1975 (SOS Angola, 2011) e os retornados (Os Que Vieram de África, 2012), tema também tratado por Sarah Adamopoulos (Voltar. Memória do colonialismo e da descolonização, 2012) e Fernando Dacosta (Os Retornados Estão a Mudar Portugal, 1984; Os Retornados Mudaram Portugal, 2013). Num registo diferente, em 2009 foi publicado Alvorada Desfeita, de Diogo de Andrade (pseudónimo), incursão romanesca próxima da História virtual ou contrafactual, em que a acção decorre com a derrota do Movimento dos Capitães a 25 de Abril de 1974. Mais recentemente, Jaime Nogueira Pinto deu à estampa Novembro, o seu primeiro livro de ficção, onde é patente a marca da memória autobiográfica.
A par disso, existe um «memorialismo de
guerra» que, pela pena de antigos combatentes, começou a surgir em editoras
como A Tribuna da História ou a Prefácio e está presente semanalmente em
depoimentos publicados no Correio da
Manhã. De algum modo, o passado agora é mais objectivado e menos erigido em
território de polémica. Uma evocação recente da Lisboa da década de sessenta é
praticamente «apolítica», dando total prevalência aos aspectos vivenciais ou
visuais desse decénio, mas sem que daí decorra qualquer acusação – de resto,
descabida – de «revisionismo» (72).
A emissão da série documental «A Guerra» (2007-2012), de Joaquim Furtado,
também graças ao seu rigor, não suscitou especial controvérsia. O mesmo
ocorreu, aliás, com a série de ficção «Conta-me Como Foi» (adaptada da sua
congénere espanhola «Cuéntame cómo pasó»), produzida e apresentada pela RTP
entre 2007 e 2011, de que foi consultora histórica Helena Matos, antiga
directora da revista Atlântico e
autora de uma obra fundamental sobre o quotidiano do marcelismo, Os Filhos do Zip Zip (2013). De igual
modo, a série «Depois do Adeus», que, por assim dizer, prolonga «Conta-me Como
Foi», centrando-se agora no pós 25-Abril, não suscitou reacções significativas,
excepção feita à previsível crítica nas páginas do Avante!
(73). Deve reconhecer-se que existem, em todo o caso, dimensões nostálgicas e até
saudosistas numa tendência cultural de massas que tem diversas e heterogéneas
concretizações. No entanto, nenhuma delas foi até agora capaz de produzir – e
esse ponto é muito curioso – efeitos imediatos na esfera política.
Conta-me Como Foi
|
Quais os caminhos que a novíssima
direita, a direita nascida nos blogues, irá tomar? É difícil fazer previsões e,
mais ainda, generalizações, sempre abusivas. Em todo o caso, parece certo que
não existe uma sociedade civil e um empresariado que estejam dispostos a alimentar
esta geração através de think thanks,
editoras ou publicações como, no passado, ocorreu com O Independente ou com a revista Kapa.
Por seu turno, a universidade portuguesa não tem dimensão suficiente para ser o
ponto de apoio para um movimento ideológico de vulto e de larga projecção, para
o que muito contribui um outro problema: o da escala. E a «irreverência», o grande trunfo quer de O Independente, quer da Kapa, desde há muito que abandonou o universo do papel impresso, tendo-se transferido em definitivo para a esfera da Internet.
A ausência de escala e dimensão
dificulta, desde logo do ponto de vista comercial, projectos editoriais
abertamente conotados com uma área ideológica de direita ou produzidos em exclusivo pela
intelectualidade de direita. Para conseguirem alguma sedimentação e
acolhimento, parecem carecer de «pontes» com outros quadrantes, fórmula que
ditou o sucesso da revista Kapa. Em
todo o caso, existem exemplos de projectos que puderam servir de veículos para
a afirmação de vozes alternativas ao establishment
dominado pela esquerda, num tempo muito marcado por uma intensa polarização ideológica
sobre a intervenção militar norte-americana no Iraque. A este respeito,
destaca-se a revista Atlântico
(2005-2008), publicação que ficou conhecida pelo desassombro com que, mais até
que O Independente, adoptou uma
posição assumidamente liberal-democrática e, como o próprio título indicava,
uma postura pró-atlantista, pró-americana e, em termos menos visíveis,
pró-israelita. Com direcção executiva de Helena Matos e, depois, de Paulo Pinto
Mascarenhas, nela surgiam nomes como Rui Ramos, Vítor Bento, Joaquim Aguiar,
Maria Filomena Mónica, Maria de Fátima Bonifácio, Vasco Pulido Valente, João
Marques de Almeida, Nuno Garoupa, Pedro Lomba, João Pereira Coutinho ou Pedro
Mexia. Este projecto, cuja importância histórica ainda permanece por analisar,
culminaria na formação de um blogue, encerrado em 2009, e integrado, entre
outros, por Alexandre Homem Cristo, André Azevedo Alves, Bernardo Pires de
Lima, Francisco Proença de Carvalho, Henrique Burnay, Henrique Raposo, Lucy
Pepper, Miguel Morgado, Paulo Pinto Mascarenhas, Paulo Tunhas, Pedro Boucherie
Mendes, Pedro Marques Lopes, Rodrigo Adão da Fonseca, Rui Ramos, Tiago Moreira
de Sá, Vasco Campilho ou Vitor Cunha (74).
A par de nomes consagrados, foi a Atlântico
que lançou e projectou uma vaga de autores de centro-direita com grande impacto
público, alguns dos quais se destacam hoje como colunistas ou publicistas de
referência numa certa área política, possivelmente mais liberal do que
conservadora. Trata-se de um legado que, de certo modo, O Independente não deixou. Talvez porque se tratava de um jornal,
enquanto a Atlântico, sendo uma
revista, concedia mais espaço a comentadores e analistas, muitos vindos do meio
académico, do que aos profissionais da comunicação social. Ou, talvez mais
decisivamente, porque, sem prejuízo da heterogeneidade de visões dos seus
colaboradores, possuía uma matriz editorial mais coerente e não se encontrava vinculada
a um projecto de intervenção na «política de todos os dias», designadamente nos
jogos de alianças e de conflitos intra- e interpartidários.
Atlântico. Revista Mensal de Ideias e Debates
|
Importa salientar que na «nova geração»
há um apreciável individualismo, sendo qualquer alinhamento com um «grupo»
visto como uma «cedência», como uma «perda de independência». E, quanto maior
notoriedade adquirem, menos dispostos estão os novos intelectuais a abdicar do
seu estatuto. Querem ser, acima de tudo, «intelectuais» e sentem e ressentem-se
da pequenez da terra onde tiveram a desventura de nascer. A escassa dimensão
cultural do país faz com que, na melhor das hipóteses, sejam «intelectuais
portugueses», o que é pouco. Não se trata de ironizar com a sua ambição, mas de
reconhecer um facto dramático: o cosmopolitismo, induzido até pela
internacionalização dos percursos académicos ou profissionais, transfere a emulação
para um patamar superior ou mais vasto. A concorrência ou o diálogo, bem como a
auto-representação dos intelectuais portugueses são agora feitos num outro
plano, sobretudo à medida que verificam que triunfaram e alcançaram um lugar
seguro no mercado nacional das ideias.
O «estrangeiramento», que devia ser um pretexto de abertura de horizontes, pode
converter-se numa advertência de paroquialismo, fonte de infelicidade e revolta
interior. Poder-se-ia classificar tudo isto como o «psicodrama Vasco Pulido
Valente», que esta nova geração sente com muita intensidade.
Na
verdade, a geração anterior era cosmopolita nas universidades em que se
doutorava mas profundamente provinciana, pois a ida para o estrangeiro, ao
invés de abrir horizontes, encerrou-a numa visão diletante e snobe da realidade
portuguesa. Essa geração, aliás, teve o extremo da presunção: achava que, por
nascimento ou por talento possuía uma espécie de direito natural a um estatuto privilegiado, academicamente,
socialmente, mediaticamente, financeiramente. Se não tivessem esse estatuto, Portugal
não os merecia – e isso seria mais outro sintoma do atraso nacional. Sendo tão
clarividentes nas suas crónicas de análise do país, não perceberam o que estava
a acontecer em seu redor e, esse é o seu maior «crime». Limitaram-se à crítica
puramente intelectual e especulativa, totalmente maldizente, nada fazendo em
concreto para evitar os rumos que criticavam. No fundo, era a crítica, a pura
crítica, que os animava e mantinha. O balanço final, como é evidente, não podia
correr bem. Não admira, pois, o «vencidismo» dessa geração, patente na acidez
desgastada das crónicas de Vasco Pulido Valente, lidas muito mais pela
inquestionável elegância formal do seu estilo do que pela substância das opiniões nelas
expendidas.
Contudo, esse «vencidismo» já se começa a projectar em alguns jovens intelectuais de direita que, sendo novos, envelheceram rápida e interiormente, devido a Portugal, o «da vidinha» de O’Neill, o Portugal «questão que tenho comigo mesmo». São muito mais cosmopolitas do que a geração precedente (já nem encomendam livros na Amazon, lêem-nos directamente no Kindle), falam e escrevem à vontade em inglês, a língua franca universal, têm redes de sociabilidades à escala mundial, tiveram experiências de estudo mais ou menos prolongadas na Europa «civilizada» ou nos Estados Unidos. Mas, à semelhança de todos os intelectuais do passado, é uma fatalidade serem incapazes de se libertarem de Portugal, feira cabisbaixa, mesmo quando se fixam no estrangeiro. Assim, como o horizonte que olham é sempre o da pátria, pátria onde não se revêem mas de que não escapam, o seu destino será idêntico, ou pior, do que o da geração precedente. É que esta última ainda tinha empregos seguros no Estado e, agora, pensões de reforma, talvez não tão seguras. Agora, a pulsão da raiva geracional será muito forte. Portanto, é provável que estes jovens tenham a mesma sorte de um Miguel Esteves Cardoso ou de um Paulo Portas. Na melhor das hipóteses, vão acabar a escrever colunas em jornais ou irão tornar-se ministros de Estado. Entre um e outro destino, não sabemos qual será o melhor – ou o pior.
António Araújo
(1) Texto que serviu de base à intervenção oral no colóquio «O estado das direitas na democracia portuguesa» (Instituto
de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Lisboa, Fevereiro de 2012).
O presente artigo não pretende ser um estudo de natureza académica, mas uma
aproximação ensaística que mantém o estilo coloquial da exposição atrás
citada. Agradeço a Riccardo Marcchi o convite para participar nesse encontro, bem como a autorização para publicar este texto no Malomil.
(2) Note-se que, no percurso de algumas destas personalidades,
a génese do Semanário esteve ligada –
ou, pelo menos, coincidiu temporalmente – com o lançamento de novos projectos
políticos, como a «Nova Esperança» de Marcelo Rebelo de Sousa, Pedro Santana
Lopes e José Miguel Júdice: cf. Vítor Matos, Marcelo Rebelo de Sousa, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2012, pp.
407ss.
(3) É curioso observar que, no mesmo ano em que é lançado O Independente, inicia a sua publicação
a revista Máxima, dirigida por
Madalena Fragoso, a qual provinha justamente da direcção da secção feminina do Semanário. A trajectória biográfica de
Madalena Fragoso (1940-2013) é muito elucidativa: nascida no seio de uma
família tradicional, filha do director do Diário
de Notícias no tempo do marcelismo, desloca-se para Londres a seguir ao 25
de Abril. Regressa a Portugal com a chegada ao poder da Aliança Democrática,
tendo sido assessora de imagem de Sá Carneiro e, mais tarde, como se disse,
fundadora e directora da revista feminina Máxima.:
cf. o seu obituário, da autoria de Pedro d’Anunciação, in Sol, de 1-III-2013.
(4) Para um relato breve sobre o processo de privatizações, cf.
Abílio Ferreira, «Privatizações. Regresso ao passado», Expresso/Revista, de 2-II-2013. Sobre as privatizações e a cultura
política das elites, cf. José Manuel Leite Viegas, Nacionalizações e privatizações. Elites e cultura política na história
recente de Portugal, Oeiras, Celta, 1996, em esp. pp. 169ss.
(5) Cf. a reportagem de Rita Roby Gonçalves, «Banana Power
fenómeno dos anos 80», Diário de Notícias,
de 7-II-2009.
(6) Cf. Clara Maria Ferraz, «As Estratégias Endogâmicas das
Classes Superiores» (comunicação ao III Congresso Português de Sociologia,
1996) [disponível na Internet e consultado em 8-II-2013].
(7) Ao contrário do que sucede noutros países, não existe,
segundo creio, uma obra dedicada ex
professo à história política, económica, social e cultural dos anos
oitenta. Além de «anuários» meramente descritivos, foi publicada, para consumo
de massas, a curiosa Bíblia dos Anos 80,
da autoria de João Pedro Bandeira (s.l., Prime Books, 2010). Existiu ainda uma
recensão com propósitos humorísticos, que incidia em particular nos objectos de consumo infanto-juvenis dessa
época, feita por Nuno Markl na Rádio Comercial e posteriormente publicada em dois
livros (Caderneta de Cromos,
Carnaxide, Editora Objectiva, 2010; Caderneta
de Cromos Contra-Ataca, Canaxide, Editora Objectiva, 2012). Ainda que
reportada ao final da década de setenta, é interessante a colecção de
fotografias publicada por José Paulo Ferro, Roll
Over. Adeus Anos 70, Lisboa, Documenta, 2012. Num registo distinto,
assinale-se, pela sua expressividade, os Diários
do poeta Al Berto, publicados pela Assírio & Alvim em 2012, com referências
a várias pessoas (Manuel Reis, Eduardo Prado Coelho, Pedro Cabrita Reis, Pedro
Costa, Pedro Hestnes, Paulo Nozolino, Alexandre Melo, Hermínio Monteiro,
Bernardo Sassetti, Daniel Blaufuks, Sofia Areal, Zé da Guiné, Rui Chafes, Inês
Pedrosa, António Mega Ferreira, Mário Cesariny, António Guerreiro, Luís Miguel
Nava, Pedro Paixão, Rui Chafes, Tereza Coelho, Margarida Martins, Clara
Ferreira Alves, Ana Salazar, Fernanda Fragateiro) e lugares (os restaurantes
Pap’Açorda, Fidalgo e Sansão e Dalila, os bares Frágil e Majong, a pastelaria
Cister, o Gay House, a Brasileira do Chiado, o Centro Cultural de Belém, a
discoteca Kremlin). A evocação desses nomes e lugares é feita, de uma forma
mais desenvolvida ainda, por Eduardo Pitta,Um
Rapaz a Arder. Memórias, 1975-2001, Lisboa, Quetzal, 2013, com referências
à vida nocturna no Bairro Alto, particularmente no Frágil, e ao «alto teor de elitismo»
deste bar (pp. 109ss), bem como à revista Olá!,
a qual «cumpriu a função pedagógica de mostrar a um país faminto (…) que o 25
de Abril não tocou num cabelo das sessenta famílias que Cunhal toda a vida
vituperou» (pp. 129-130). O ponto que se pretende sublinhar no texto é
referido por Joaquim Vieira, nos seguintes termos: «O triunfo de uma
tecnocracia urbana pós-industrial, em grande parte formada por mulheres,
fornece o caldo cultura ideal para o retorno ao aprumo de gravata e fato e para
a prática de uma requintada elegância feminina, em contraste com o estilo
descontraído e na aparência desleixado que vingou nos rebeldes anos 70. O
contexto expansionista internacional, com a emergência dos yuppies – jovens especuladores bolsistas associados às grandes
praças financeiras –, estimula o novo chique»: cf. Joaquim Vieira, Portugal, Século XX. Crónica em Imagens,
1980-1990, s.l., Círculo de Leitores, 2000, p. 24, com referência à Olá!/Semanário a pp. 107ss.
(8) Cf. Fernando Correia de Oliveira, «Revista “Casa e Jardim”
comemora 25 anos», Público, de
22-IV-2002.
(9) «O Expresso foi, em certo sentido, a principal marca de
contraste que explica o nascimento de uma alternativa», escreve Paulo Portas, a
propósito de O Independente. O
raciocínio aplica-se, todavia, também ao Semanário,
já que a génese de O Independente é
indissociável de uma certa «cristalização» do Semanário justamente nos aspectos «sociais» ou mundanos, como
refere Paulo Portas: «Quando, na Buchholz, o Miguel e eu tivemos a conversa
distraída que está na origem de “O Independente”, cruzaram-se dois
desprendimentos. O meu era uma incomodidade melancólica com o caminho que o
“Semanário” estava a trilhar, capturado pelo êxito da “Olá”. Eu achava que a
direita “inteligente” tinha feito um esforço para se organizar editorialmente
mas corria o risco de se ver esse esforço consumido por uma euforia “social”,
com queda para uma ostentação pouco cristã e, de resto, nada conservadora» (in Expresso, de 5-I-2013).
(10) Cf. Werner Sombart, Amor, luxo e capitalismo [1913], trad. port., Venda Nova, Bertrand, 1990.
(11) O enquadramento jurídico do turismo de habitação, do
turismo rural e do agro-turismo surgiu, não por acaso, nessa altura, através do
Decreto-Lei nº 256/86, de 27 de Agosto.
(12) Cf. Eric Hobsbawm, «Introduction:
Inventing Traditions», in AA.VV., The
Invention of Tradition, dir. de Eric Hobsbawm e Terence Ranger, Cambridge,
Cambridge University Press, 1983, pp. 1ss.
(13) Cf. o elucidativo texto de Alexandra Prado Coelho,
«Passaram trinta anos. Já digerimos Tomás Taveira e as Amoreiras?», Público, de 25-IV-2012. Sobre a
arquitectura de Tomás Taveira, cf. José Bártolo e Maria João Baltazar, Tomás Taveira, Vila do Conde, Quidnovi,
2011.
(14) Entre 2000 e 2012, segundo os elementos do Instituto
Nacional de Estatística e do Instituto de Registos e Notariado, os nomes
próprios masculinos mais frequentemente utilizados foram, por esta ordem:
Rodrigo, Martim, João, Afonso, Tiago, Gonçalo, Tomás, Diogo, Francisco e
Miguel. Entre 1970 e 1980, haviam sido: João, Pedro, Bruno, Ricardo, José,
Luís, Nuno, Carlos, Tiago e Rui. Nos nomes femininos, entre 2000 e 2012: Maria,
Matilde, Leonor, Beatriz, Mariana, Inês, Ana, Lara, Carolina e Margarida; entre
1970 e 1980: Ana, Maria, Joana, Carla, Andreia, Sandra, Susana, Tânia, Patrícia
e Cátia: cf. Kátia Catulo e Carlos Monteiro, «Nomes portugueses. Manuel é
passado e Maria será sempre Maria», i,
de 1-XII-2012. Em 2012, os nomes mais populares foram: para raparigas, Maria,
Matilde, Leonor, Mariana e Beatriz; para rapazes, Rodrigo, Martim, João, Afonso
e Gonçalo (cf. Joana Capucho, «A luta de classes existe na hora de escolher o
nome dos filhos», Diário de Notícias,
de 5-VIII-2013).
(15) A expressão é de Vítor Belanciano, «Viciados no passado», Público/Ípsilon, de 13-IV-2012, num
«dossiê» em que vários jornalistas debatem o revivalismo no consumo (Inês
Nadais sobre Catarina Portas e A Vida Portuguesa), no cinema (Tarantino, por
Jorge Mourinha), na televisão (a série «Mad Men» analisada por Jorge Mourinha),
na música (as raízes soul de Amy
Winehouse, por João Bonifácio) ou na fotografia (Sérgio Gomes sobre o
Instagram).
(16) Cf. Simon Reynolds, Retromania. Pop culture’s addiction to its
own past, Londres, Faber and Faber, 2011.
(17) Ainda que, por vezes, existam zonas de sobreposição, algo
que é patente no texto de Duarte Branquinho, «Salazar está na moda», O Diabo, de 20-III-2012, onde se recorda
a escolha de Salazar como «o maior português da História», num concurso
televisivo transmitido pela RTP em 2007, sendo de salientar que o antigo
Presidente do Conselho teve, como «defensor», Jaime Nogueira Pinto, o qual daria
à estampa o livro António de Oliveira
Salazar. O outro retrato, Lisboa,
A Esfera dos Livros, 2007, tendo anteriormente organizado a obra Salazar visto pelos seus próximos (1946-68),
Venda Nova, Bertrand Editora, 1993. Recentemente, o Presidente da Câmara de
Santa Comba Dão, João Lourenço, manifestou a intenção de registar a marca de
vinhos «Memórias de Salazar», tendo a mesma sido rejeitada pelo Instituto
Nacional da Propriedade Industrial: cf. Graça Barbosa Ribeiro, «Santa Comba Dão
queria lançar vinho “Memórias de Salazar” mas marca foi chumbada», Público/Fugas, de 28-XI-2012.
(18) Sobre os Madredeus, cf. Jorge Pires, Madredeus. Um futuro maior, Lisboa, Temas e Debates, 1995. Entre
outras intervenções, é particularmente interessante a entrevista de Pedro Ayres Magalhães a
Inês Pedrosa, Anos Luz. Trinta conversas
para celebrar o 25 de Abril, Lisboa, 2004, pp. 148ss.
(19) Cf., sobre este grupo musical, as reportagens realizadas por ocasião do seu trigésimo aniversário, por ex: Nuno Miguel Guedes,«Melancólica revolução da amizade», Visão, de 26-IV-2012. João Moço, «30 anos da Sétima legião. Os meninos de Alvalade», Notícias Magazine, s.d. Note-se que Francisco Ribeiro de Menezes, filho do embaixador Pedro Ribeiro de Menezes, é irmão de Filipe Ribeiro de Menezes, historiador e autor de uma biografia de Salazar que obteve grande sucesso (cf. Maria João Avillez, «Ribeiro de Menezes. Retrato de família», Público/P2, de 22-XI-2011), a qual foi criticada por alguns historiadores de esquerda, como Manuel Loff (in Análise Social, vol. XLVI, 2011, pp. 350ss).
(20) Cf. Miguel Esteves Cardoso, «Misticismo e ideologia no contexto cultural português: a saudade, o sebastianismo e o integralismo lusitano», Análise Social, vol. XVIII, 1982, pp. 1399-1408.
(19) Cf., sobre este grupo musical, as reportagens realizadas por ocasião do seu trigésimo aniversário, por ex: Nuno Miguel Guedes,«Melancólica revolução da amizade», Visão, de 26-IV-2012. João Moço, «30 anos da Sétima legião. Os meninos de Alvalade», Notícias Magazine, s.d. Note-se que Francisco Ribeiro de Menezes, filho do embaixador Pedro Ribeiro de Menezes, é irmão de Filipe Ribeiro de Menezes, historiador e autor de uma biografia de Salazar que obteve grande sucesso (cf. Maria João Avillez, «Ribeiro de Menezes. Retrato de família», Público/P2, de 22-XI-2011), a qual foi criticada por alguns historiadores de esquerda, como Manuel Loff (in Análise Social, vol. XLVI, 2011, pp. 350ss).
(20) Cf. Miguel Esteves Cardoso, «Misticismo e ideologia no contexto cultural português: a saudade, o sebastianismo e o integralismo lusitano», Análise Social, vol. XVIII, 1982, pp. 1399-1408.
(21) Sintomaticamente, A
Causa das Coisas é uma das obras de Miguel Esteves Cardoso recentemente
reeditadas pela Porto Editora, juntamente com Os Meus Problemas (orig. 1988), O
Amor é Fodido (orig., 1994) e Explicações
de Português (orig. 2001). A Porto Editora lançou ainda, com grande sucesso
editorial e amplíssima cobertura mediática, um conjunto de crónicas mais
recentes do autor, reunidas sob o título Como
É Linda a Puta da Vida (2013).
(22) Em entrevista a Pedro Mexia, Miguel Esteves Cardoso afirma
que existiu uma continuidade, «até física», entre a sua candidatura ao
Parlamento Europeu e o lançamento de O
Independente: a percentagem de votantes na sua candidatura era um teste à
viabilidade de um projecto jornalístico daquela natureza (cf. Expresso/Revista, de 24-III-2012).
(23) Cf., por ex., a reportagem «Produtos da época do Estado
Novo regressam às lojas», Diário de
Notícias, de 22-IV-2009.
(24) Cf. o ilustrativo «Manifesto» de A Vida Portuguesa, que
afirma: «A Vida Portuguesa nasceu com a vontade de inventariar as marcas
sobreviventes ao tempo, a intenção de revalorizar a qualidade da produção
portuguesa manufacturada e o desejo de revelar Portugal de forma surpreendente.
Ao longo dos últimos anos pesquisámos, do Norte ao Sul de Portugal, produtos de
criação e fabricação portuguesa. Que produtos são esses? São produtos que
atravessaram gerações e nos tocam o coração. Fabricados desde há muito,
mantiveram até aos dias de hoje as mesmas embalagens originais, bonitas,
pueris. Devem a longevidade à sua qualidade, excelentíssima nalguns casos (e
reconhecida no estrangeiro também). Com o tempo, o génio e o labor tornaram-nos
perfeitos e essenciais. São marcas registadas na memória e comercializam uma
forma de viver. Relembram o quotidiano de uma época e revelam a alma de um
país. Estes produtos são nossos. Estes produtos somos nós» (in
http://www.avidaportuguesa.com/). A este propósito, é particularmente
interessante a entrevista de Catarina Portas à revista recursos Humanos Magazine, de Julho-Agosto de 2010. Importaria
determinar em que medida este revivalismo imagético não contribui para
alimentar aquilo que já se designou por «mobilização reemergente do complexo
identitário português»: cf. André Barata, «A mobilização reemergente do
complexo identitário português», in AA.VV., Representações
da Portugalidade, dir. de André Barata, António Santos Pereira e José
Ricardo Carvalheiro, Alfragide, Editorial Caminho, 2011, pp. 93ss.
(25) Cf. José Sobral, «Alimentação, comensalidade e cultura: o
bacalhau e os portugueses» (comunicação ao XI Congresso Luso-Afro-Brasileiro de
Ciências Sociais, 2011) [disponível na Internet e consultado em 9-II-2013].
(26) Sobre este estilo, cf., por todos, José Manuel Fernandes, Português Suave. Arquitecturas do Estado
Novo, Lisboa, Instituto Português do Património Arquitectónico, 2003.
(27) Sobre a caça, é muito interessante o trabalho de Mário
Pereira Bastos, O Problema Venatório no
Alentejo – Caça, costumes e tensões sociais, dissertação de doutoramento em
História Contemporânea, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2005,
policop.
(28) Sobre a Kapa, com
selecção de textos de Carlos Quevedo (alguns em co-autoria com Miguel Esteves
Cardoso ou Rui Zink), cf. Carlos Quevedo, Os
delírios da Kapa e outros textos,
Lisboa, Oficina do Livro, s.d. Alguns textos publicados na revista encontram-se
disponíveis in http://kapa.blogspot.pt/
(29) Cf. Vasco Pulido Valente, «Marcello Caetano. As desventuras
da razão», Capa. K, nº 2, Novembro de
1990, pp. 41ss. Este marcante ensaio seria republicado em livro, em diversas
ocasiões: cf., por ex., Vasco Pulido Valente, Marcello Caetano. As desventuras da razão, Lisboa, Gótica, 2003.
(30) Cf. Capa. K, nº
1, Outubro de 1990, s/p.
(31) Cf. Maria João Valente Rosa e Paulo Chitas, Portugal: os números, Lisboa, Fundação
Francisco Manuel dos Santos, 2010, p. 39.
(32) Veja-se, por ex., os textos saídos originalmente na
imprensa com os títulos «O Mistério de Cavaco», «Drama Cavaquiano» ou «O Grande
Mundo do Dr. Cavaco», todos publicados in Vasco Pulido Valente, Às Avessas, Lisboa, Assírio & Alvim,
1990, passim. No primeiro desses
textos, Vasco Pulido Valente enquadra Cavaco Silva numa linha de políticos de
origens humildes (Costa Cabral, João Franco, Salazar, Ramalho Eanes, Cunha
Leal, Marcelo Caetano), afirmando que todos nasceram da «notória incapacidade
que tem a classe dominante portuguesa de gerar os seus próprios dirigentes».
Acrescentava, sobre as novas gerações de políticos: «Mas evitemos ser
reaccionários. “Subir na vida” é um direito que constitucionalmente lhes
assiste e não é coisa má para o país. A sociedade fluida do pós-25 de Abril
tinha de os trazer à tona: e admitamos, sem
excessiva repugnância, que o merecem» (ob.
cit., p. 219, itálico acrescentado). Cf. ainda as diversas crónicas
reunidas no livro Esta Ditosa Pátria,
Lisboa, Relógio D’Água, 1997.
(33) Cf., por ex., o capítulo «O Chefe», da obra de Maria
Filomena Mónica, Visitas ao Poder,
Lisboa, Quetzal Editores, 1993, pp. 129ss.
(34) Cf. Expresso, de
3-I-2013.
(35) Este texto, originalmente saído na revista GQ, seria republicado in Maria Filomena
Mónica, Vidas. Biografias, perfis e
encontros, Lisboa, Alethêia Editores, 2010, pp. 314ss.
(36) Curiosamente, em entrevista a Pedro Mexia, Miguel Esteves
Cardoso reconhece, manifestando arrependimento, que existia algum elitismo ou
snobismo, até social, nas críticas feitas a algumas elites do «cavaquismo»,
como Fernando Nogueira: «Fomos muito pirosos nisso. Ao princípio, achávamos
graça à meia branca, era uma espécie de bulliyng
armado em snobe, de que me arrependo. É muito foleiro, mas éramos novos. Era
desagradável o que fazíamos, sobretudo eu, o Paulo [Portas] não era assim. Hoje
arrependo-me imenso. E gozar com a condição social da pessoa, com o gosto da
pessoa, não é nada conservador (…) O Cavaco nunca pôs um processo, nunca
chateou, nunca mandou uma carta, mesmo quando foi muito maltratado, foi
impecável. (…) Essas pessoas com que gozávamos, como o Macário [Correia],
acabavam sempre por ganhar, porque eram superiores»: cf. Expresso/Revista, de 24-III-2012.
(37) Cf. Filipe Santos Costa, «Quando Portas escrevia que Cavaco
“merecia levar um estalo”», Expresso/Revista,
de 18-V-2013. De si próprio, Paulo Portas escrevia: «Se há uma certeza pessoal
que eu posso divulgar é a de que não tenho a menor intenção de me submeter a
votos».
(38) Para um período posterior, mas no mesmo registo, cf. Maria
Filomena Mónica, Confissões de uma
liberal, s.l., Edições Quasi, 2007, pp. 97ss.
(40) Sem abordar esta realidade, mas de grande interesse numa
perspectiva mais vasta, cf. Maria Manuel Vieira da Fonseca, Educar Herdeiros. Práticas educativas da
classe dominante lisboeta nas últimas décadas, Lisboa, Fundação Calouste
Gulbenkian, 2003.
(41) Cf. António Araújo, «O Populismo Penal: algumas notas», in
AA.VV., Liber Amicorum de José de Sousa e
Brito, em comemoração do seu 70º aniversário, Coimbra, Edições Almedina,
2009, pp. 763ss.
(42) A crítica a Marcelo Caetano resultava ainda do facto de, em
larga medida, esta direita ser o prolongamento, inclusivamente no que se refere
aos seus protagonistas, da direita nacionalista radical surgida no final do
Estado Novo: cf. Riccardo Marchi, Império,
Nação, Revolução. As direitas radicais portuguesas no fim do Estado Novo
(1959-1974), Lisboa, Texto Editores, 2009; cf. tb. José Miguel Júdice,
«Oposição de direita a Marcello Caetano», in António Barreto e Maria Filomena
Mónica (coord.), Dicionário de História
de Portugal. Suplemento, Vol. F/O, Porto, Figueirinhas, 1999-2000, pp.
643ss. A aversão a Marcelo Caetano adensar-se-ia após o 25 de Abril, sendo
aquele culpabilizado pelo fim do regime (cf., por ex., Eduardo Freitas da
Costa, Acuso Marcelo Caetano, Lisboa,
Liber, 1975), o que criou uma acesa controvérsia no seio das antigas elites do
Estado Novo ou de personalidades próximas do legado do salazarismo. Sobre a
estratégia da extrema-direita até aos anos 80, cf. Riccardo Marchi, «A
extrema-direita portuguesa na “Rua”: da transição à democracia» (1976-1980)», Locus. Revista de História, vol. 18, nº
1, 2012, pp. 167ss.
(43) Cf. Jaime Nogueira Pinto, «A direita e o 25 de Abril:
ideologia, estratégia e evolução política», in AA.VV., Portugal. O sistema político e constitucional, 1974-1987, dir. de
Mário Baptista Coelho, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, s.d., pp. 193ss.
(44) Cf., sobre este ponto, Rui Ramos, «Um projecto de liberdade
(sobre Francisco Sá Carneiro)», in Outra
Opinião. Ensaios de História, Lisboa, O Independente, 2004, pp. 154ss.
(45) Cf., por ex., Raquel Carrilho, «Uma utopia chamada Frágil»,
Sol, de 22-I-2012. É interessante o
depoimento de Rodrigo Leão no Diário de
Notícias, de 15-VI-2012.
(46) Cf. Expresso, de
5-I-2013.
(47) Cf., para uma primeira aproximação, com abundantes
indicações bibliográficas, Miguel Real, O
Pensamento Português Contemporâneo, 1890-1910. O labirinto da razão e a fome de
Deus, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2011, pp. 526ss.
(48) Existiram, é certo, tentativas anteriores de instauração de
um pensamento de direita, empreendimento que passou, por exemplo, pela tradução
da obra Nova Direita, Nova Cultura.
Antologia das Ideias Contemporâneas, traduzida em 1980 por Diogo Pacheco de
Amorim e publicada esse ano pelas Edições Afrodite. Há também um «anticomunismo
militante», que passou pela denúncia da realidade sombria do estalinismo e da
União Soviética. Em 1976, a Bertrand publicara, com tradução de Francisco
Ferreira («Chico da CUF»), Maria Llistó e José-Augusto Seabra, Arquipélago de Gulag, de Soljenitsine.
Dois anos mais tarde, a Afrontamento daria à estampa a obra A Cozinheira e o Devorador de Homens. Ensaio
sobre o Estado, o Marxismo e os Campos de Concentração, de André
Glucksmann, autor que viria a Portugal participar nos ciclos de conferências
que, na sequência da derrota presidencial de Freitas do Amaral, foram
organizados pela então criada Fundação Portugal Século XXI (cf., a este
propósito, e sobre as dificuldades desta instituição, Richard A. H. Robinson,
«Do CDS ao CDS-PP: o Partido do Centro Democrático Social e o seu papel na
política portuguesa», Análise Social,
vol. XXXI, 1996, pp. 951ss). O combate ao comunismo e a afirmação de um espaço
de direita eram tributários de uma acção desenvolvida desde o «Verão Quente» de
1975, aquilo a que já se chamou a «fase popular» do anticomunismo: cf. Miguel
Reale, «Anticomunismo», in AA.VV., Dança
dos Demónios. Intolerância em Portugal, dir. de José Eduardo Franco,
Lisboa, Círculo de Leitores-Temas e Debates, 2009, pp. 575ss. A divulgação de
relatos memorialísticos de antigos comunistas, como «Chico da CUF», Silva
Marques ou Cândida Ventura, a par do trabalho de análise e crítica levado a
cabo por personalidades como José Miguel Júdice (autor do influente Portugal à Deriva, 1978), tiveram
significativa repercussão pública e inegável importância histórica.
Sintomaticamente, O Independente não
assumiu o combate ao comunismo como uma das suas prioridades e, se exceptuarmos
algumas abordagens (a de Pulido Valente, por ex.), evidenciou mesmo algum
«fascínio» pela figura de Álvaro Cunhal.
(49) Sobre este traço de O
Independente e a sua genealogia, cf. Maria Filomena da Silva Barradas, Uma Nação a Falar Consigo Mesma: O
Independente (1988-1995), dissertação
de doutoramento em Estudos de Literatura e Cultura, Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa, 2012, policop., pp. 32ss.
(50) Num balanço à distância, muitos reconhecem os excessos de
«populismo justicialista» patentes nas sucessivas manchetes de O Independente. Para Nobre Guedes, o
jornal foi «claramente longe demais»; para José Adelino Maltez, a marca
classista, patente nas críticas impiedosas às origens humildes de Macário
Correia, denunciava que se estava perante «um jornal de queques da Linha».
Graça Rosendo reconhece que o jornal onde trabalhava «generalizou o off e as
fontes anónimas», chegando a publicar documentos antes de estarem aprovados:
cf. os depoimentos recolhidos por Catarina Falcão, «O Independente. O jornal
que marcou os anos 90 e a direita portuguesa», i, de 20-X-2012. Na verdade, a dada altura o jornal ficou
aprisionado na sua própria lógica sensacionalista – todas as semanas tinha de publicar uma manchete com um escândalo
político. Dessa forma, se contribuiu para um novo tipo de relacionamento da
classe política com os media, não é
menos certo que acabou por resvalar numa espiral que se revelou fatal para a
sua credibilidade e continuidade. É sintomático que a última directora de O Independente, e filha do proprietário
do jornal, Inês Serra Lopes, tenha sido condenada pelo Tribunal da Relação de
Lisboa por crime de favorecimento pessoal na forma tentada no caso de um
alegado sósia de Carlos Cruz, arguido no processo Casa Pia, no âmbito do qual
António Serra Lopes intervinha como advogado daquele apresentador de televisão (cf.
Público, de 6-I-2009). Esta
condenação coincidiu, de certo modo, com o fim do jornal e acaba por constituir
um expressivo e irónico epílogo da sua vertigem populista. De acordo com Pedro
Rolo Duarte, O Independente teve
baixos níveis de vendas ao princípio (20 a 30 mil exemplares), encontrando-se
na iminência de encerrar, o que só não aconteceu quando publicitou o «caso
Cadilhe» («e nunca mais parou», refere Rolo Duarte in Maria Ramos Silva,
«Quando a insolência cozinhada na noite era o prato do dia», i, de 20-X-2012).
(51) Curiosamente, existem versões contraditórias a este
propósito. Entrevistado por Pedro Mexia, o então director de O Independente, Miguel Esteves Cardoso,
nega que existisse um projecto político por parte de Paulo Portas (cf. Expresso/Revista, de 24-III-2012). Já o
fundador e presidente do conselho de administração da SOCI, Luís Nobre Guedes,
considera: «Acredito que a linha do jornal foi para o desgaste de um partido,
de um líder e de um governo. Tudo dentro do projecto político do
director-adjunto» (cf. Catarina Falcão, «O Independente. O jornal que marcou os
anos 90 e a direita portuguesa», i,
de 20-X-2012). À distância, parece poder afirmar-se que O Independente, sobretudo a dada altura, se inscreveu numa
estratégia de afirmação política – e até pessoal – de Paulo Portas, facto que,
a prazo, o colocaria perante uma questão dramática. Consistiu ela na
circunstância de, enquanto jornalista, ter assumido um discurso de crítica ao
poder, num estilo assertivo e peremptório que tinha subjacente uma convicção de
superioridade ética, moral, intelectual e até social. Nas suas crónicas, Portas
assumia um registo epigramático, utilizando frases curtas, sem dúvidas nem nuances: «Haja pudor e decência», disse
em 2004 aquando da visita do Presidente angolano José Eduardo dos Santos. Ou
«Somos todos dinamarqueses», título de uma célebre crónica em que Portas se
colocava ao lado dos que haviam, em referendo, reprovado o Tratado de
Maastricht. Ou ainda uma crónica anti-germânica («um monstro de proporções e
perigos incalculáveis»), publicada em O
Independente, em 27-XI-1991. Ora, ao assumir pastas de importância
estratégica, como a Defesa (2002-2004) e, mais tarde, os Negócios Estrangeiros
(2011-), viria naturalmente a ser confrontado com as suas afirmações pretéritas
(cf., por ex., Sara Capelo, «As várias faces de Paulo Portas», Sábado, de 21-II-2013). Mais ainda, a
marca «justicialista» que criou escola no jornalismo português, com frequentes trials by newaspaper de onde estava
ausente o respeito por princípios como a presunção de inocência ou do segredo
de justiça, acabaria por se voltar contra ele próprio (v.g., nos chamados «caso Moderna» e «caso dos submarinos») ou
personalidades que lhe eram próximas (v.g.,
Nobre Guedes ou Abel Pinheiro). Sobre a contestação de O Independente aos governos de Cavaco Silva, cf. Maria Filomena da
Silva Barradas, Uma Nação a Falar Consigo
Mesma…, cit., pp. 130ss, e, em particular sobre o «caso Cadilhe», pp. 85ss.
Na sua autobiografia, Aníbal Cavaco Silva refere-se a este caso, com algum
pormenor: cf. Aníbal Cavaco Silva, Autobiografia
Política, Vol. 2 – Os anos de governo
em maioria, Lisboa, Temas e Debates, 2004, pp. 90ss. O tema é amplamente
tratado na obra de Miguel Cadilhe, Factos
e Enredos, s.l., Edições Asa, 1990, e no relato memorialístico do então assessor
de imprensa de Cavaco Silva: cf. Fernando Lima, O Meu Tempo com Cavaco Silva, Lisboa, Bertrand Editora, 2004, pp.
116ss.
(52) Cf. Vasco Pulido Valente, Esta Ditosa Pátria, cit., pp. 98ss. Noutro texto, analisava o
«homem novo lusitano» que, supostamente, Cavaco Silva julgava ter concebido: cf.
Vasco Pulido Valente, Retratos e
Auto-Retratos (Ensaios e Memórias), Lisboa, Assírio & Alvim, 1992, pp.
175ss, obra que reúne artigos de opinião e ensaios, alguns dos quais
extremamente críticos da governação de Cavaco Silva («Cavaco: retrato de um
português muito conhecido» - pp. 159ss; «Cavaco: a culpa é minha?» -
pp. 173ss). Num desses textos, escreve-se, por ex., que Cavaco Silva «defende
pessoalmente criaturas indefensáveis como Leonor Beleza» (p. 167), dizendo
ainda que existia uma «obtusidade, congénita ou adquirida» no modo de
governação, a qual «atingiu o cume com Leonor Beleza» (p. 168). Curiosamente,
neste volume é publicado um escrito autobiográfico, «Eu sempre fui assim:
auto-retrato aos 50 anos» (pp. 15ss), em que a dramatis personæ de Vasco Pulido Valente, num registo melancólico e
autocrítico, afirma: «Eu não quero persistir nesta guerra pública e privada
comigo e com toda a gente. Lamento do coração os meus irreflectidos ataques ao
amor próprio dos portugueses, que tinham, e têm, o seu lado bom» (p. 19).
(53) Cf. Luciano Amaral, Economia
Portuguesa. As últimas décadas, Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos
Santos, 2010, p. 35.
(54) Cf. Isabel Nogueira, Artes plásticas e crítica em Portugal nos
anos 70 e 80: vanguarda e pós-modernismo, Coimbra, Imprensa da Universidade
de Coimbra, 2013, pp. 213ss.
(55) Cf. Maria Filomena Mónica, Visitas ao Poder, cit., pp. 148-149.
(56) Cf. Luís Villalobos e Raquel Martins, «Primeira catedral do
consumo nasceu há 25 anos em terrenos da igreja», Público, de 10-XII-2010.
(57) Cf., por ex., Rogério Santos, Indústrias Culturais. Imagens, valores e consumos, Lisboa, Edições
70, 2007, pp. 87ss.
(58) Cf. Vera Policarpo, «Sexualidades em construção, entre o
privado e o público», in AA.VV., História
da Vida Privada em Portugal – Os
Nossos Dias, dir. de Ana Nunes de Almeida, Temas e Debates/Círculo de
Leitores, 2011, p. 63.
(59) Cf. Anthony Giddens, Beyond Left and Right. The future of radical
politics, Cambridge, Polity Press, 1994, em esp. pp. 22ss.
(60) Apud Maria
Filomena da Silva Barradas, Uma Nação a
Falar Consigo Mesma…, cit., p.
19.
(61) Apud Maria
Filomena da Silva Barradas, Uma Nação a
Falar Consigo Mesma…, cit., p.
138 e p. 140.
(62) Apud Maria
Filomena da Silva Barradas, Uma Nação a
Falar Consigo Mesma…, cit., p.
26.
(63) Cf. João Miguel Tavares, «O Independente (1988-2006)», Diário
de Notícias, de 2-IX-2006. Por sua vez, e num sentido idêntico, Miguel
Carvalho observa que «o Indy era sentimentalão, divertido, alcoólico,
noctívago, fumador, apaixonado, certeiro, implacável, injusto. Às vezes
monárquico, às vezes esquerdista, conservador no estatuto editorial, muitas
vezes livre, anárquico e descontrolado. Para o bem e para o mal. Era a vida em
excesso, nas fraquezas e nas forças, nas intrigas e nas causas, nos combates e
nas paixões» («O Independente», Visão, de 31-VIII-2006).
(64) Cf. Alain Minc, Une histoire politique des intellectuels,
Paris, Grasset, 2010.
(65) Um dos exemplos mais expressivos é o de António José de
Brito, que publicou, inclusivamente, textos que procuraram relativizar o
nazismo, num registo muito próximo do negacionismo, destacando-se a esse
propósito «A legenda negra antinazista», publicado no seu livro Destino do Nacionalismo Português,
Lisboa, Verbo, 1962. Ora, a direita liberal contemporânea move-se visceralmente
contra este tipo de aproximações quer por razões pragmáticas e de estratégia de
afirmação pública, quer por não se rever minimamente, do ponto de vista
ideológico, com os diversos totalitarismos e autoritarismos, designadamente com
o Estado Novo. Daí a razão pela qual a sua atitude suscita particular incómodo
em alguns meios de esquerda, os quais persistem na tentativa de rotular de
«salazaristas» ou «negacionistas» os intelectuais públicos da direita
liberal.
(66) Alguns blogues, pela sua popularidade, acabaram por ter os
seus textos publicados em livro. Um caso paradigmático é a obra de André Belo,
Celso Martins, Daniel Oliveira, Pedro Oliveira e Rui Tavares, Barnabé. O que é que tem o Barnabé que é
diferente dos outros?, Lisboa, Oficina do Livro, 2004, correspondendo, como se refere nos agradecimentos («a primeira pessoa a imaginar este livro e pegar num telefone para convencer os barnabés a deitarem mãos à obra»), a um
projecto editorial de Bárbara Bulhosa, que mais tarde será fundadora e
proprietária da editora Tinta da China. A capa ostenta os seguintes dizeres: «O
blogue que a direita detesta» e «O mais lido. 1 milhão de visitas na Net». O
livro é bem elucidativo do estilo combativo que, à esquerda e à direita, marca
a blogosfera de intervenção política e nele é bastante visível a marca das
fracturas abertas pela intervenção militar norte-americana no Iraque e no
Afeganistão. A esmagadora maioria dos textos (praticamente, a totalidade) tem
por alvo personalidades, e as afirmações que proferiram, só implicitamente se
questionando ideias ou projectos políticos em abstracto. Resta saber em que
medida esta «personalização da crítica», ademais selectiva e puramente
«destrutiva», não conduz, de forma paradoxal, a um esvaziamento – a um
esvaziamento ideológico, note-se – do
debate público, na linha de uma tendência nacional para a «fulanização da
política» que já Unamuno detectou entre nós. É sintomático que, a dada altura,
os textos do Barnabé façam uma defesa da blogosfera contra os seus detractores
(v.g., Pacheco Pereira) (op. cit., pp. 260ss). Como é sintomático
que, num desses textos, se afirme que «com a morte da Coluna [Infame] e o
nascimento de vários blogues de esquerda, o domínio da direita na blogosfera
acabou» (p. 261), o que atesta bem a importância que, naquela altura, a Coluna
Infame deteve enquanto lugar de afirmação e expressão da direita cultural de matriz
liberal. Por outro lado, não pode deixar de suscitar reflexão o facto de
autores que buscam alternativas ao «sistema» (entendido este como a democracia liberal
e a economia de mercado) recorrerem aos veículos de comunicação e difusão do
pensamento que esse «sistema» cria e promove, como a blogosfera, as redes
sociais na Internet, a imprensa e a televisão ou mesmo as universidades,
públicas e privadas, dos Estados Unidos ou da Europa ocidental, ou centros como
o Instituto Universitário de Florença, ligado à União Europeia. «O que torna o
capitalismo extraordinariamente resistente é a sua capacidade de tudo
integrar», escreveu Daniel Oliveira no Expresso
(de 2-III-2013), afirmação que, sendo proferida nas páginas de um semanário
fundado por Francisco Pinto Balsemão e propriedade de um grande grupo de
comunicação social (Impresa), pode ser interpretada como interessante confissão
de derrota de um projecto «alternativo» ao sistema liberal. Não se esqueça,
ademais, que Daniel Oliveira é um dos mais destacados intervenientes no programa
«O Eixo do Mal», transmitido pela SIC-Notícias, igualmente propriedade do grupo
Impresa.
(67) Existe, a este propósito, uma interessantíssima «desconstrução»
humorística, feita por Pedro Monteiro e Rodrigo Monteiro, com ilustrações de
Tiago Albuquerque, Novíssimo Livro de
Leitura. 1ª à 4ª Classes e Classe Operária, s.l., Lápis de Memórias, 2011.
(68) Cf. Joaquim Vieira, Mocidade
Portuguesa. Homens para um Estado Novo, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2008;
Irene Flunser Pimentel, Mocidade
Portuguesa Feminina, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2007.
(69) Destaca-se, a este propósito, o trabalho de Luciana de
Castro Soutelo, A memória do 25 de Abril
nos anos do cavaquismo: o desenvolvimento do revisionismo histórico através da
imprensa (1985-1995), dissertação de mestrado em História Contemporânea,
Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2012, policop. [disponível online e consultada em 12-II-2013]. Esta
autora considera, inclusivamente, que intervenções do Presidente Mário Soares
em sessões comemorativas do 25 de Abril acusavam a marca do revisionismo
histórico: cf. Luciana Soutelo, «Visões da Revolução dos Cravos: combates pela
memória através da imprensa (1985-1995)», in Raquel Varela (coord.), Revolução ou Transição? História e memória
da Revolução dos Cravos, Lisboa, 2012, p. 241. No Verão de 2012, um
historiador da Universidade do Porto, Manuel Loff, nas páginas do jornal Público, atacou a obra História de Portugal, da autoria de Rui
Ramos, Bernardo Vasconcelos e Sousa e Nuno Monteiro, acusando-a de negar o
carácter ditatorial do Estado Novo, facto que gerou acesa controvérsia, com uma
mobilização mais intensa, articulada e sistemática dos meios intelectuais
conotados com a esquerda, que até então não tinham questionado a obra
coordenada por Rui Ramos e publicada anos antes, mas de imediato alinharam,
aprofundando-a, com a pretensa crítica de Manuel Loff, sem avaliarem em que
medida tal crítica possuía correspondência com a verdade do texto questionado:
cf. a síntese de Filipe Ribeiro de Meneses, «Slander, Ideological Differences,
or Academic Debate? The “Verão Quente” of 2012 and the State of Portuguese
Historiography», e-Journal of Portuguese
History, vol. 10, nº 1, Verão de 2012 [disponível online e consultada em 12-II-2013]. A crítica à obra dirigida por
Rui Ramos, bem como outras que anteriormente visaram a biografia de Salazar da
autoria de Ribeiro de Menezes, não impediram – pelo contrário – que ambos os
livros tivessem um assinalável êxito, com vendas na ordem das dezenas de
milhares de exemplares, sucesso que não ocorre, em contrapartida, com os textos
da generalidade dos seus críticos. Nesse sentido, ou se considera que o público
leitor não tem capacidade para discernir a qualidade das obras em causa e nelas
detectar sinais de «revisionismo» ou se conclui que os argumentos esgrimidos
contra os livros de Ribeiro de Menezes e de Rui Ramos não foram suficientes
para abalar o interesse que os mesmos despertaram junto da sociedade
portuguesa. Nas livrarias, a História de
Portugal coordenada por Rui Ramos vendeu cerca de 25.000 exemplares e,
juntamente com o Expresso, foram
distribuídos entre 100.000 a 120.000 exemplares.
(70) Cf.
http://www.postaisultramar.com.pt/
(71) Cf. Silvino Silvério Marques, Luís Aguiar e Gilberto Santos
e Castro, Os descolonizadores e o crime
de traição à pátria, Lisboa, Editora Ulisseia, 1983. Cf. ainda Luís Aguiar, Livro
Negro da Descolonização, Lisboa, Intervenção, 1977; Id., A chamada «descolonização». Julgamento dos
Responsáveis, Lisboa, Intervenção, 1978.
(72) Cf. Joana Stichini Vilela e Nick Mrozowski, Lx 60, Lisboa, Publicações Dom Quixote,
2012.
(73) Cf. Avante!, de
20-XII-2012 e de 31-III-2012.
(74) Cf. http://atlantico.blogs.sapo.pt/
Caríssimo António Araújo, excelente, belíssimo trabalho!! Uma ou outra discordância fenomenológica não desmerecem em nada a sua análise e o ponto fenomenal de onde parte!! Um bem haja para si
ResponderEliminarIdem, parabéns.
Eliminar"Quem tem Kapa, sempre eskapa" Adorei o artigo. Muito bom! Parabéns.
ResponderEliminarObrigado por partilhar o "A cultura de direita em Portugal".
ResponderEliminarNascido em ’79 no estrangeiro, só cá cheguei em ’88, pelo que este texto é uma verdadeira aula de história contemporânea de Portugal, que me permite entender a passagem da sociedade do antes e durante 25 Abril e 25 Novembro (que nada me dizem estas datas), para a sociedade da CEE, SONAE e SIC (a que eu conheço).
A origem dos politicos e personalidades destacadas portuguesas actuais é interessante, e ver a sua posição nos principais acontecimentos da historia contemporânea permite entender a evolução que vamos ter: ainda muita gente vive no 25 Abril (ou até ainda nem lá chegou), mas a tendência é esquecer e seguir em frente! Só assim Portugal irá evoluir e melhorar!
Daniel
Para além de ser o melhor post (ensaio) de sempre da internet da lusitânia, é ao mesmo tempo uma granda merda, em derivado ao facto de o professor antónio araújo não se ter dado ao trabalho de arranjar um lugarinho, mesmo que modesto, para as palavras "herman" e "josé". Obrigado.
ResponderEliminarUm pouco mais de humildade Sr. José. Se não lhe ligam muito pode fazer como o Fernando Tordo. Tenha paciência.
EliminarMuito interessante! Agora, este percurso não é exclusivamente português, pois não? (ex: lojas retro como a Vida Portuguesa existem de Paris a Berlim - que são as que conheço). Não quer prolongar num outro artigo, alargando ao contexto europeu? :)
ResponderEliminarUm colosso de trabalho! Verdadeiramente impressionante, mesmo comparativamente ao melhor que encontro no meu "info-mining" na blogosfera.
ResponderEliminarObrigado por me ter ajudado a enquadrar o meu próprio trajecto como leitor do Independente, admirador dos Heróis do Mar e leitor assiduo da Atlântico.
Obrigado, muito obrigado!
ResponderEliminarRenato
obrigado pelo quê....bolas isto é uma sopa de ideais pá
Eliminarou é de i-dei-as ideais?
além disso duvido que alguém tenha lido isto
o formato torna a leitura parcial e difícil de obter uma imagem de con junto
bolas pá deves ser filho único sem netos que te aturem né
ResponderEliminarponto que se pretende sublinhar no texto é referido, nos seguintes termos: «O triunfo de uma tecnocracia urbana pós-industrial, em grande parte formada por mulheres? este GAJO SNIFA O QUÊ GRANDE PARTE DEVE SER PARA ELE MAIS QUE MEIA DÚZIA AI O CRATO PRECISA DE DAR ESTATÍSTICA PARA ADULTOS ADÚLTEROS fornece o caldo cultura ideal para o retorno ao aprumo de gravata e fato e para a prática de uma requintada elegância feminina,
«o Indy era sentimentalão, divertido, alcoólico, noctívago, fumador, apaixonado, certeiro, implacável, injusto. Às vezes monárquico, às vezes esquerdista, conservador no estatuto editorial, muitas vezes livre, anárquico e descontrolado. Para o bem e para o mal. Era a vida em excesso, nas fraquezas e nas forças, nas intrigas e nas causas, nos combates e nas paixões» («O Independente», Visão, de 31-VIII-2006).
«O blogue que a direita detesta» e «O mais lido. 1 milhão de visitas na Net». O livro é bem elucidativo do estilo combativo que, à esquerda e à direita, marca a blogosfera de intervenção política e nele é bastante visível a marca das fracturas abertas pela intervenção militar norte-americana no Iraque e no Afeganistão.
A esmagadora maioria dos textos (praticamente, a totalidade) tem por alvo ? quem é masoquista?
«O que torna o capitalismo extraordinariamente resistente é a falta de armamento pesado à venda nas drogarias
Posted by São velhões?
Labels: A INTERNET É MESMO UMA ESFERA DE VAZIO QUE NOS ESPERA...
Um trabalho ciclópico. Li-o de fio a pavio. Obrigado, muito obrigado por me ter feito recordar de tanta, tanta coisa de que há muito não me vinha à memória. Belíssimo trabalho!
ResponderEliminarParabéns por este trabalho - que no entanto contém, a espaços, algumas imprecisões. Por exemplo, além de co-autor de um filme centrado na história dos Heróis do Mar, também fui um dos 13 jornalistas fundadores do «O Independente», e um dos primeiros a abandonar o projecto. Creio que alguns aspectos beneficiariam com a leitura do livro do falecido Gilles Châtelet, que traduzi em 2000 e foi publicado em 2003 pela Temas e Debates com o título «Pensarmos e Vivermos como Porcos - Sobre o Incitamento à Inveja e ao Tédio nas Democracias-Mercado», onde a confluência entre a cultura e a direita financeira nos anos 1980 é analisado do ponto de vista de um parisiense: Lisboa tinha o seu Frágil, Paris tinha o seu Palace. Também ocorreu noutros locais, durante o período Reagan/Thatcher. Além disso (e ao correr da pena), recordo que a sexualidade dos anos 1980 assinala uma forte regressão em relação à sexualidade dos anos 1970 - especialmente devido à eclosão da SIDA. Cumps. JPP
ResponderEliminarÓptimo trabalho. Dos melhores posts que leio na esfera bloguista. Assisti a muitos destes testemunhos que aqui descreve. Parabéns.
ResponderEliminarMuito bom. Isto desenvolvido, merecia um livro. Deixo aqui uma apreciação pessoal, num aspecto que não foi tocado pelo António Araújo. O que é que ficou daquilo tudo, como se lê e vê agora aquilo tudo. Para mim, envelheceu muito mal tudo aquilo, ler agora o Indy e a Kapa tornou-se insuportável. Eu, como muitos da minha geração, fui consumidor ávido. Os maneirismos, a moda dos celtas, o quinto império, etc. Voltei a ler mais tarde e... ri-me. Lembro-me em particular de um texto na Kapa sobre o imperador do Japão, julgo que do João Miguel Fernandes Jorge, que me faz agora rir às gargalhadas. E expressões como "gente de bem", usadas a torto e a direito. Mas continua por ai.
ResponderEliminarO MEC foi um assombro quando surgiu. As suas crónicas musicais de Manchester, a descoberta da factory, aquela forma de escrever, tudo o que veio depois a sr compilado no "Bolas para o Pinhal", nada se fez de igual depois disso. Depois veio o Indy e o MEC das coisitas, das saudadezitas das coisitas do passado, do melhor pastel de nata e do senhor nãoseiquantos que lhe vende couves maravilhosas, do ai o meu amorzinho, até agora.
A última parte da sua cronica faz-me lembrar uma história de vez em quando contada pelo VPV. Estava ele em Oxford e diz-lhe um professor que não vale a pena perder tempo a escrever história de um país tão insignificante como Portugal. Ficou-lhe sempre essa mágoa de ter nascido nesta piolheira. I rest my case.
Pedro
Um excelente e vertiginoso encadeado de ideias, imagens e opiniões.
ResponderEliminarUma tarefa ciclópica em que falta enquadrar o malomil...
Excelente ensaio, mas um que me parece, de certa forma, criar uma narrativa a partir do fim, ou seja procura-se na história recente a direita cosmopolita que mais se possa assemelhar à direita bloguista de hoje, logo ficou muito por explicar, nomeadamente as novas representações culturais das direitas regionalistas de pendor rural, das direitas religiosas, das direitas nostálgico-militares ou ainda das direitas que eu chamaria de suburbanas, patriótico-futebolisticas e de revolta contra a crescente miscigenação das grandes malhas urbanas, todas elas dotadas de cultura, de um conjunto de valores e de referências (por mais discutíveis que o sejam, como o são).
ResponderEliminarPor outro lado, uma nota para dizer que não podemos esquecer que o interesse pela memória está também relacionado com o ritmo da transformação social em Portugal em que muita gente procura no passado algum conforto para estes tempos de difícil definição e orientação. E ironicamente a mesma tendência é visível em comunistas e em conservadores, como se dissesem uns para os outros: quantas saudades tenho de odiar o teu Salazar/Cunhal. Esses sim eram tempos!
Excelente. Noto, no entanto, um tom demasiado académico (na moda portuguesa dos últimos anos) e um execesso de citações irrelevantes para provar o lastro cultural do autor, talvez a velha insegurança do não reconhecimento massificado. Ainda assim excelente.
ResponderEliminarUm excelente trabalho, um magnífico texto e um manancial para reflexão, dado que conferiu " ordem" a algumas "impressões" que todos vamos cultivando. Gostava de ver a direita reagir a isto.
ResponderEliminarMagnífico ensaio, uma bela forma de passar uma madrugada, deixe-me que lhe diga. Como antigo jornalista/repórter do "Semanário" (na sua fase final, de Dezembro de 2008 a Janeiro de 2010), felicito-o pelo destaque lhe deu, ainda que, devo dizer, as coisas estavam já muito diferentes quando lá cheguei - para mais que dificilmente escreveria para tal jornal na década de oitenta, dadas as divergências políticas entre mim e alguns dos fundadores e colaboradores daquele jornal, não obstante ter sido aluno de alguns deles. Que muito me ensinaram, diga-se.
ResponderEliminarPara além da minha humilde opinião sobre o seu ensaio e desta pequena nota biográfica, tenho a comentar o seguinte excerto:
"[...] A emissão da série documental «A Guerra» (2007-2012), de Joaquim Furtado, também graças ao seu rigor, não suscitou especial controvérsia. [...]"
Devo discordar. Desde acusações de antigos combatentes (casos do meu pai e tios, todos de esquerda, diga-se) em relação ao modo como certos episódios foram montados até a uma polémica sobre as declarações do general Almeida Bruno num dos episódios, controvérsia foi algo a que a dita série não foi alheia.
Não se ter insistido - ou não se ter incluído - em obter declarações de intervenientes de relevo na guerra do Ultramar, como o general Bettencourt Rodrigues, foi um erro clamoroso que manchou aquele trabalho. Tirou-lhe rigor, isenção e objectividade.
Ainda sobre as declarações de Almeida Bruno, a dita polémica consubstanciou-se, entre outros, neste blogue, passe-se a publicidade: http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/; é procurar nas "tags" o nome daquele militar. Lá porque a polémica não chegou aos grandes meios de comunicação social não quer dizer que não tenha existido.
Por fim e ao contrário do que alguns comentaram, acho lindamente que o texto tenha referências académicas; são um precioso auxiliar para enquadrar certas questões, denotam que o autor sabe do que fala (que não é mais um demagogo da Internet) e que procura uma simbiose muitas vezes inatingível: rigor académico e linguagem acessível a quem seja minimamente alfabetizado ou que esteja habituado a ler, pelo menos.
Para mais que as notas de rodapé são um fantástico novelo para desenrolar em visitas a bibliotecas, livrarias, alfarrabistas, com amigos e por aí fora.
Os meus parabéns, que este é um texto para ler, guardar, reler quando for apropriado, para recomendar e para utilizar como bússola nestas questões da direita Portuguesa e seu "habitat" político, económico e cultural.
O post é avassalador em informação e nostalgia, apreciei ambas.
EliminarUm verdadeiro serviço público.
Vivi em Moçambique, pertenci à Companhia de Transmissões e tinha acesso ao SITREP e PERINTREP da RMM.
Posto isto basta dizer que Joaquim Furtado é um jornalista de "esquerda" e a referida série cheia de meias verdades e baseada em depoimentos que roçam o absurdo (i.e. Guilherme José de Melo) cumpriu plenamente o fim para que foi feita.
Muito obrigado por sendo uma voz importante dizer aquilo que ainda hoje não pode (deve) ser dito.
http://www.oficinadesociologia.blogspot.com/2014/01/a-cultura-de-direita-em-portugal.html
ResponderEliminarPubliquei:
ResponderEliminarhttp://historiamaximus.blogspot.pt/2014/01/a-cultura-de-direita-em-portugal.html
Cumpts,
João José Horta Nobre
Contacto: historiamaximus@hotmail.com
Agradeço todos os comentários, críticas e sugestões.
ResponderEliminarMuito obrigado.
António Araújo
Excelente... ;)
ResponderEliminarObrigado a si, António! :)
Só faltou a palavra que resume o texto... ( Propaganda )... Estou certo que lá chegaremos... ;)
Ganhou um leitôr assíduo pode crêr! ;)
Sobre A Cultura de Direita em Portugal de António Araújo tenho apenas duas coisas a apontar: primeira, desconhecia que O Independente fosse um semanário de inspiração nacionalista e patriótica; segunda, lamento a ausência da revista Magazine Grande Informação na sua análise, esperemos que por lapso.
ResponderEliminarEste comentário foi removido por um gestor do blogue.
ResponderEliminarEste comentário foi removido por um gestor do blogue.
ResponderEliminarExcelente artigo!
ResponderEliminarMeu Caro António Araújo:
ResponderEliminarUm Amigo providencial fez chegar ao meu conhecimento o texto admirável da conferência que o António Araújo fez no ICS, a iluminada escola dessa ciência tão reveladora que é a sociologia. Escola que, desaparecida a memória do seu fundador e o rasto de meia dúzia dos seus colaboradores de há trinta anos, está a realizar o trabalho extraordinário e sem preço que se conhece.
Se ainda não lhe foi atribuído um doutoramento, estou certo que encontrará no ICS, por todas as razões, uma das instuições que, com toda a justiça, lho concederá.
Apenas uma observação, irrelevante, que faço apenas para provar que li com todo o interesse e atenção o seu texto:
Reparei, por estar mais ligado a esse tema, num erro de pormenor, que em nada abala, claro, a admirável arquitectura de guião tão laboriosa e engenhosamente construído, nem perturbará, a tão sólida e, claro, universal, ciência sociológica que o determinou.
De facto - mas não há factos! - a divulgação dos dados que permitiram , a elaboração de rankings (já agora: dos resultados, nunca houve divulgação de rankings pelo ME, outro pormenor sem importância, claro) não se deve, como o António referiu, a David Justino, mas sim a Júlio Pedrosa.
Júlio Pedrosa... que suponho ser de Coimbra. Mas que teve, curiosamente, lembro-me agora, uma namorada no liceu que, essa sim, era de Cascais, e - espantoso! - sobrinha do proprietário da tipografia onde era impressa a Kapa, cujas instalações, disso estou certo porque o sujeito em causa era irmão do dono do stand de automóveis onde comprei o meu porsch, eram propriedade do Senhor Manuel Alves, um imigrante galego que, esse, estranhamente, não tinha nada a ver com a genealogia que tão cientificamente o António Araújo descobriu e revela. Ou tinha?...
(continua)
ResponderEliminarQuanto a mim, imagine o que eu pensava saber antes de ter acesso à sua conferência:
Nasci e cresci em Leiria, na esquerda, filho de pais da oposição democrática, exilados, presos e torturados pela ditadura salazarista. Nesse tempo, como muitos jovens da minha geração, seguramente os melhor informados, estava também ao lado dos meus amigos comunistas. Nunca fui militante do PC, aparentemente por ter medo de poder não corresponder à resistência que deveria ter se fosse preso, atitude que, então, justificadamente, se exigia, mas, seguramente, também pela minha natureza inquieta, pelo gosto que eu e os meus Amigos tínhamos em ler tudo, discutir autores e ler poetas cuja leitura os meus amigos do PC não aprovavam. Mas sobretudo também pelo exemplo do meu Pai, verdadeiro democrata, espírito liberal, (liberal...), quase seguramente maçónico, cujas histórias os amigos dele, como Vasco da Gama Fernandes, me contavam, elogiando-lhe o espírito de liberdade, a tolerância, a generosidade e a coragem. O que eu era (ou pensava ser, claro, antes do meu Amigo, suponho, também a mim revelar quem sou) nesse tempo era antinazi e antifascista. Depois cresci, vim para Lisboa, continuei a ler muito e, tal como aconteceu a muitos outros jovens da minha geração, percebemos a natureza das ideias e a realidade da prática do que antes nos tinha empolgado, aprendemos que o totalitarismo não se esgotava nesses horrores. Hoje continuo a ser assim. Em termos de rótulo, na verdade, não sei se há algum que me assente bem. Estou, como sempre estive ou quis estar, com a liberdade e a solidariedade e a equidade. Estou, portanto, às vezes num lugar, outras noutro.
Estou, com certeza, do lado da minha consciência que nunca quis que me enganasse a mim próprio. Onde, afinal, por uma razão ou por outra, fui capaz de estar sempre. Tendo, naturalmente, o gosto de me ir encontrando nesse lugar com quem vá aparecendo.
E encontrei-me, de facto, com outros Amigos, que concordaram com a minha visão do «eduquês», enquanto restos de correntes do PREC, de origem e ideário bem conhecidos, que puderam acantonar-se no ME, por circunstâncias várias, designadamente a convergência com visões, ou alucinações, pedagógicas messiânicas, cuja filiação na Filosofia e consequências na História são também facilmente identificáveis.
(E agradeço-lhe muito, nisto sim, ter destacado justamente o papel determinante que tive, que, por não ser eu doutor ou catedrático, não me tem sido reconhecido. Um empenho meu que se situa no prolongamento do meu combate pela cultura científica, esse sim, amplamente elogiado.)
Tudo isto era o que eu pensava de mim, antes, claro, da sua conferência me ter revelado, finalmente, quem na verdade eu sou.
Aliás, ocorre-me agora, tive uma Avó aristocrata. Que, por acaso, foi seduzida e raptada por um mocetão viril, invencível jogador de pau, filho de um carpinteiro muito humilde, com quem veio a casar... mas - fantástico - a minha Mãe sempre me disse que eu saía absolutamente a essa minha querida Avó!
Rendo-me, meu caro António Araújo. Venceu-me. Confesso:
Nasci em Cascais, sou primo de Maria Filomena Mónica, desculpe, primo não, trabalhei com ela no ICS, onde, aliás, o MEC também trabalhou num gabinete ao lado daquele em que eu trabalhava, comprei a Kapa, aprecio, também pelo conteúdo, os textos de Vasco Pulido Valente, até editei, na D. Quixote e na Gradiva, livros dele. Só não gosto nada do Paulo Portas, mas, afinal, não há, infelizmente, tantos irmãos que se zangam? Meu Deus, o que a sua conferência me revelou de mim. E de borla! E como essa revelação me traz, enfim, apaziguamento e serenidade, 70 anos depois. Obrigado meu Amigo!
Com amizade,
Guilherme Valente
Gostei mesmo muito e percebe-se que está um grande trabalho de investigação por detrás do texto. Agora na minha opinião há aqui muitíssima generalização. Muito tomar a parte pelo todo. Ir buscar os exemplos que me ajudam a provar a tese esquecendo outros que não ajudam. Acho que o problema dos rótulos é esse - meter tudo no mesmo saco. A separação das águas entre a direita vs esquerda já foi interessante mas hoje parece-me pouco informativa.
ResponderEliminarUm artigo excelente. Muitos parabéns!
ResponderEliminarfabuloso trabalho rapaz! os maiores parabéns.
ResponderEliminarExcelente trabalho.
ResponderEliminarMuito bem retratado e pensado!
ResponderEliminarFoi um prazer conhecer a sua lucidez.
E para quanto um ensaio sobre a cultura de esquerda em Portugal?
Francisco Ferrolho
Há muito que não lia nada tão esclarecedor sobre o Portugal pós "25 de Abril". Na verdade acho que o seu notável estudo, circunscrito sobretudo às exuberantes manifestações mediáticas da direita portuguesa desde os anos oitenta, envolve, dá resposta e esclarece quase tudo sobre a vida dos portugueses desde essa data. Agradeço muito o seu contributo e começarei a estar atento a tudo o que publica. Parabéns e obrigado.
ResponderEliminarDaniel D. Dias
Isso é porque você é burro e inculto.
EliminarO Miguel Esteves Cardoso sempre teve cara de palhaço.
ResponderEliminarMuito bom, explica-nos e revejo-me: sou ideologicamente de esquerda mas andei (como colaboradora) pelo jornal O Independente nos anos 90. Havia por lá uma bandeira maoísta e uma fusão interessante entre a direita e a esquerda. De uma forma leviana e intuitiva parece-me que o jornal foi pensado pela direita (diretores e jornalistas) e feito ( operários: os designers, fotografos, ilustradores) pela esquerda….
ResponderEliminarObrigada António pela partilha!
e em jeito de parênteses: o diretor de arte de O Independente nos anos 90 era o mesmo que fazia o jornal Combate do PSR….
ResponderEliminar:)
Muito interessante e looongo... mas apesar da extensão, não deixa de parecer redutor na forma como interpreta aquilo que é a direita portuguesa... e da qual não nos parece haver uma clara definição.
ResponderEliminarEste texto parece-me, de longe, uma das mais exactas e - diga-se - deliciosas revisitações do passado recente português, sobretudo da sua cultura de direita, precisamente. Com a devida autorização, gostaria de reproduzi-lo no meu blog, o Instituto Público - institutopublico.wordpress.com
ResponderEliminarFalta a cultura de esquerda!!!
ResponderEliminar