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Pequim, 5 de Junho de 1989
Fotografia de Stuart Franklin
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Henri Cartier-Bresson esteve na
China, numa viagem arriscada, onde assistiu aos dias finais do Kuomintang e à
vitória das tropas de Mao. Anos depois, em 1954, publicaria um livro sobre o
seu périplo pelas terras da Grande Muralha, D’une
Chine à l’autre, com prefácio de Sartre.
Apoiante desde a primeira hora da causa
tibetana, assistirá horrorizado aos acontecimentos de Tiananmen, sobre os quais
disse:
«Estava em Nanquim em 1949, quando as
tropas do exército de libertação aí entraram, envoltas numa aura que nos fazia
pensar nos primeiros cristãos. Chegaram aureoladas pelo prestígio da grande epopeia
da Longa Marcha. Agora, assistimos à ignomínia do exército chinês actual, que
procura salvar a esclerose do regime com o sangue dos estudantes. Em minha
opinião, a primeira coisa que cada um de nós deverá fazer é exigir às nossas autoridades
que cessem todas as relações comerciais com aquele governo. Tudo o resto serão
palavras vãs; vamos ver se o nosso dinheiro vale mais do que o sangue daqueles
que foram esmagados na ânsia de serem livres.»
Viu-se…
O
que também se viu, em filme e fotografia, foram as imagens inesquecíveis de um
homem que, com dois sacos de plástico nas mãos e de camisa branca, enfrentou sozinho
uma coluna de tanques. Depois desta cena de extraordinária coragem, muitos
tentaram saber quem ele era. Ninguém foi capaz de descobrir a sua verdadeira
identidade, dizendo uns que tinha sido morto logo a seguir ao minuto heróico,
outros que havia sido detido, outros ainda que se escapara, vivendo incógnito
numa qualquer aldeia da imensa China. Talvez hoje seja um próspero de negócios.
Talvez viva perto de si, graças a um visa
gold.
No Malomil fala-se, vezes sem conta, de
manipulações fotográficas. Por puro deleite, sem dúvida, mas também porque às
vezes a questão é mais séria do que parece. Sobretudo quando mete política ao
barulho, como foi o caso da célebre imagem do «Homem do Tanque» em Pequim. Em
2007, uma equipa de psicólogos italianos liderada por Dario Sacchi levou a cabo
uma curiosa experiência com estudantes. Estamos a falar, insiste-se, numa das
mais célebres imagens do século XX, indelevelmente inscrita na memória
colectiva de todo o mundo. Dividiram-se os estudantes em dois grupos, e a cada
um dos grupos foi mostrada a fotografia de Pequim. Num caso, a imagem real, que
mostrava o homem isolado, numa avenida onde não se via vivalma. Noutra,
manipulada, a avenida surge pejada de manifestantes. Já agora, também mostraram
uma fotografia de 2003, de uma manifestação pacífica em Roma contra a guerra do
Iraque (na imagem manipulada aditaram figuras de pessoas violentas e agressivas
– no final do estudo, os inquiridos mostraram-se menos dispostos a participar
em marchas pacíficas e em manifestações do que antes de verem a imagem
manipulada). Quanto à fotografia de Pequim, o mais espantoso é que os dois
grupos garantiram a veracidade da imagem. Quer da autêntica, quer da
manipulada. Mais ainda, os inquiridos, ao terem sido alertados para que uma das
imagens era falsa, disseram que havia ainda
mais gente ao lado do «Homem do Tanque». Ao que parece, o estudo confirma –
ou, como agora se diz, «está em linha» – investigações anteriores, que
concluíram que as pessoas frequentemente acreditam na veracidade dos primeiros
relatos que recebem sobre um dado acontecimento, e mantém essa convicção mesmo
quando confrontadas com a sua inverossimilhança. Estou a simplificar muito, mas
quem quiser pode ver um resumo aqui
e o respectivo abstract aqui.
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A experiência de Dario Sacchi et all.
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O que muitas pessoas não sabem, mas até
é dito aqui na Wikipedia (foi lá que o soube, aliás), é que existem não uma, não
duas mas cinco fotografias distintas
do «Homem do Tanque». Da autoria de Jeff Widener, para a Associated Press, de Charlie Cole, para a Newsweek, de Stuart Franklin, para a Magnum, de Arthur Tsang, para a Reuters.
Até hoje, ninguém apresentou motivos convincentes para o facto de a imagem de
Jeff Widener ter sido aquela que mais se celebrizou. No entanto, seria a de
fotografia de Stuart Franklin a conquistar o Prémio da World Press Photo em
1989. Merecidamente. A imagem de Franklin, com o rebelde em posição frontal, de
coluna direita e cabeça levantada, solitariamente imóvel frente a um tanque
capaz de o esmagar num segundo, é a mais poderosa de todas.
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As quatro imagens conhecidas até 2009
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Pequim, 5 de Junho de 1989
Fotografia de Jeff Widener
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Jeff Widener
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Foram
várias as peripécias que levaram à captação das imagens e à sua transmissão
para o Ocidente. As autoridades chinesas da época, do mesmo passo que tentavam
dizer que a fotografia era um feliz exemplo da «humanidade» dos seus militares,
ameaçaram os jornalistas com a aplicação da lei marcial e de longas penas de
prisão se acaso não devolvessem os rolos que traziam. Os quatro fotógrafos
falaram daquele instante decisivo em várias ocasiões (por exemplo, aqui)
Aliás, a história destas fotografias – e
do herói que retratam – foi objecto de várias reportagens e filmes. De um extraordinário documentário da PBS, que pode ser visto na
íntegra aqui ou nesta versão resumida:
Em
2009, vinte anos depois do massacre de Tiananmen, Terril Jones, da Associated Press, publicou uma nova
imagem, de um ângulo completamente diferente de todas as outras. A fotografia
não tem o poder evocativo das dos seus colegas, mas o ponto de vista, próximo
do chão, torna-a singularíssima. Mal se dá pelo rebelde, uma minúscula figura no
lado esquerdo da imagem, aguardando como um forcado lusitano, a investida dos
carros de combate. O que pensaria ele, naquele preciso instante? Não era certo que
os tanques iriam estugar o passo. Pura e simplesmente, poderia ter-lhe passado
por cima, esmagando-o como a um insecto insolente. É também espantosa a
história de Terril Jones. Mostrara a imagem a alguns amigos e, um dia, ao ver
os depoimentos dos fotógrafos de Tiananmen no blogue de fotografia de New York Times, lembrou-se de enviar
para lá um e-mail com a sua imagem (aqui e aqui).
Assim,
sem mais. Foi uma bomba na redacção. Uma bomba ao retardador: durante vinte anos,
permaneceu incógnita… Por isso, se porventura tiver em casa alguma fotografia
que tenha tirado em Pequim, em 5 de Junho de 1989, não deixe de contactar o
Malomil. Antecipadamente gratos.
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Fotografia de Terril Jones
(o «Homem do Tanque», minúsculo, no lado esquerdo da imagem)
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O homem que enfrentou os tanques na
Avenida Chang’na, naquele 5 de Junho de 1989 ganhou vários nomes «Homem do
Tanque» ou «Rebelde Desconhecido». A Time
escolhê-lo-ia como uma das personalidades mais marcantes do século XX. A sua
identidade será sempre um mistério, o que torna a sua coragem ainda mais
admirável. Se acaso tivesse sobrevivido e conseguido fugir para o Ocidente,
hoje seria mundialmente famoso, teria a vida feita a apresentar palestras e a
dar autógrafos. Repórteres presentes no local tanto dizem que foi imediatamente
detido pelas autoridades como asseguram que foi dali retirado por outros
companheiros de protesto, Confrontado em 1990 sobre este assunto, o
secretário-geral do Partido, Jiang Zemin, disse à jornalista Barbara Walters,
através de um intérprete, não ter elementos que lhe permitissem confirmar, ou
desmentir, se fora detido. Depois, num aparte em inglês, tartamudeou: «I think…
never killed».
À
semelhança do que ocorreu com os estudantes-cobaias da experiência de
psicologia que atrás citámos, os jovens chineses dos nossos dias não se
recordam da imagem do rebelde com causa. Nem sequer a conhecem. A China não
autoriza a sua divulgação. Alunos da Universidade de Pequim, confrontados com a
imagem, disseram tratar-se de uma «mistificação». Mas, pior do que eles, são os
que conhecem as fotografias do Homem do
Tanque, que assistiram à tragédia de Tiananmen, e continuam a agir como se nada
tivesse acontecido. Fazem negócios com a China, fecham os olhos ao dumping social e ambiental que destrói
quaisquer hipóteses de sociedades decentes e civilizadas, com direitos sociais e
democracia, competirem com os chineses. Pior ainda, ignoram a censura e pactuam
com ela, como aconteceu com a Google. Aqueles que, outrora, embargavam o
comércio com regimes ditatoriais, são agora dos primeiros a celebrar contratos
de milhões com um país que não respeita sequer os seus cidadãos (haverá de respeitar
os cidadãos doutros países?). Tudo em nome do ganho fácil, imediato, sem pensar nas consequências a médio prazo.
Um estudante da Universidade de Pequim,
ao ver as imagens, disse que não eram reais, eram «artísticas». São obras de
arte, sem dúvida. Mas autênticas. A partir delas, muitos artistas fizeram
recriações e pastiches, alguns dos
quais, entre milhares, mostramos ali em baixo.
Agora, é tempo de ir embora.
Antes
disso, um abraço a uma pessoa de fibra e coragem, que já escreveu sobre a China e
Tiananmen.
Para
a Raquel Vaz-Pinto, com a amizade do
António
Araújo
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Bansky
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Vik Muniz
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(cortesia de Eduardo Cintra Torres)
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