quarta-feira, 30 de setembro de 2015
walk on the wrong side
Já
escrevi, aqui e noutros lugares, sobre Petit, o grande. Agora, temos o filme de
Zemeckis, The Walk, sobre o qual pode
ler uma crítica entusiástica do New York Times.
Mas,
lá diz o ditado, no melhor pano cai a nódoa. A propósito do cartaz da película,
já alguém notou que as Twin Towers estão colocadas no lugar errado (aqui). No filme, está tudo certíssimo; no cartaz, um desnorte completo. Puseram as Torres
no centro de Nova Iorque, quando deveriam estar no sítio que era o delas, antes
de desabarem. Foi lá, na baixa de Manhattan, que Petit fez a sua travessia épica, um dos gestos artísticos
mais deslumbrantes do século XX.
Turismo da desolação.
Ambroise Tézenas
Auschwitz I
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Há
uns tempos, almoçando com o amigo Ricardo Álvaro, falámos do turismo negro, a tradução possível para dark tourism, uma realidade que já
mereceu a atenção da academia – e, claro, da indústria turismo, a maior do
mundo. Que o ócio seja o maior negócio do mundo é coisa que causa espécie. A
todos nós, turistas da vida efémera. Mas que o dark tourism vive e floresce, disso ninguém duvide. Sobre Auschwitz
e o Holocausto, já escrevi um pouco, a propósito de uma exposição que vi em
Cracóvia, no Museu de Arte Contemporânea. Em breve, espera-se, iremos ter um
repositório do que se vai estudando em matéria de turismo negro (http://dark-tourism.org.uk/).
Mas, enquanto isso não chega, há um guia online
sobre os destinos tenebrosos mais em voga no mundo. De Portugal há pouca coisa:
falam da Capela dos Ossos mas desviam logo para o Tarrafal, Cabo Verde.
Vem tudo isto a propósito do trabalho de
um fotógrafo suíço, Ambroise Tézenas, que publicou há pouco Tourisme de la désolation, sob a
chancela das Actes Sud. Encontrei a referência num artigo da revista do El País e à distância de um clique o
livro está no meio de nós. Como fotógrafo, Tézenas é uma desgraça. Vide o que
vai regularmente divulgando no Instagram. Em contrapartida, o livro, apesar do
seu claro «oportunismo» (tema da moda, piscadela ao noir), é um levantamento exaustivo. Lugares que desconhecia, como
Ouradur-sur-Glane, aldeia-mártir da 2ª Guerra, que se conserva na plenitude da desolação.
Pelo meio, casais e pais de família fazem fotografias de férias, com os filhos
em primeiro plano. Tézenas foi também a locais ultra-conhecidos, dissecados à
saciedade, como o cenário de Dallas em que teve lugar o assassinato de Kennedy.
Longe dali, o Museu do Genocídio, no Cambodja, ou, noutro continente, os
memoriais do Ruanda, com os crânios alinhados à maneira da nossa Capela dos
Ossos. É impressionante ver grupos excursionistas entre os escombros dos
edifícios vitimados pelo terramoto de Sichuan, na China, mas há (maus) gostos para
tudo. Até para passar a noite, imagine-se, encarcerado numa prisão de alta
segurança na Letónia. É verdade: os letões conservaram a Prisão de Karosta, que
esteve em muito vigor de 1900 a 1997. Prisão militar, a única prisão militar da
Europa aberta aos turistas, tem a triste fama de ser mais segura do que Alcatraz.
Dali ninguém saiu vivo. Pois é possível pernoitar lá, enjaulado. E até entrar num
jogo de simulação meio apalermado, em que os participantes fazem de
espiões prisioneiros nas garras do comunismo.
Sichuan (China)
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Prisão de Karosta (Letónia)
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Prisão de Karosta (Letónia)
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Prisão de Karosta (Letónia)
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Museu do Genocídio de Tuol Seng (Cambodja)
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Sichuan (China)
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Sichuan (China)
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Chernobyl (Ucrânia)
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Chernobyl (Ucrânia)
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Ouradour-sur-Glane
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Memorial do genocídio de Murambi (Ruanda)
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Ruanda
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Museu da Resistência, Mleeta (Líbano)
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Chernobyl (Ucrânia)
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Num roteiro destes, não poderia faltar
Chernobyl, claro está. Mas, menos previsível, o Museu da Resistência em Mleeta,
no Líbano, que recolhe os despojos dos combates dos islâmicos contra os seus
inimigos. Doentio, nauseabundo, o certo é que o turismo da desolação existe, e
tem farta clientela. O mundo é um lugar estranho.
António Araújo
terça-feira, 29 de setembro de 2015
Uma Viagem à Rússia, de António Quadros.
«Os
inegáveis progressos sociais, a ascensão das camadas proletárias e camponesas a
um estatuto de maior dignidade, sobretudo o acesso de milhões de russos ao
ensino secundário ou superior, embora tecnicizado e dirigido para um humanismo
limitado, tolhido e de via estreita, são elementos que jogarão, mais cedo ou
mais tarde, contra o actual statu quo
de uma vida sujeita a conceitos e directrizes dogmáticos, totalitários e
contrários ao desenvolvimento livre da pessoa humana.»
(António
Quadros, Uma Viagem à Rússia. Impressões e
reflexões, Lisboa, Sociedade de Expansão Cultural, 1969, pp. 112-113).
Manuais escolares, perplexidades ingénuas de um pai.
Manuais escolares elaborados por autores conceituados,
pagos pelo Estado, que durem para vários anos, produzidos e distribuídos pela
Imprensa Nacional/Casa da Moeda. Custarão menos de metade. E, já agora, que se
possam reutilizar de ano para ano.
Chega a esta altura do ano e repete-se a cena. As aulas começam e os alunos
trazem as inevitáveis listinhas dos manuais, cadernos de exercícios e livros de
leitura recomendados, para lá da panóplia de materiais escolares.
Por outro lado, há
ainda alguns professores exigentes, que marcam faltas de material se, na
segunda semana de aulas, os alunos não trouxerem tudo o que lhes foi
recomendado, ou rejeitando o livro do ano anterior porque a página 20 passou a
ser a 24.
Pondo de parte o transferidor e a régua, gostava de vos transmitir algumas
das minhas “ansiedades” quanto aos manuais escolares. Tenho três filhos no 3º
ciclo e, nesta época do ano fiquei mais uma vez perplexo e, devo dizer,
irritado e sentindo-me, passe a expressão coloquial, “embarretado”.
Ao encomendar os livros, deparei-me com várias questões, que passo a expor,
quanto mais não seja para partilhar as minhas “angústias”.
Para dar um exemplo: fazendo as contas, os manuais e respectivos apêndices,
para o 7º ano, incluindo uma língua estrangeira para lá do inglês, ficam (com
desconto de utilizador frequente) pela módica quantia de 396€. Trezentos e
noventa e seis euros. Se considerarmos que frequentam o 7º ano cerca de 123.000
alunos, temos um total de 48 milhões de euros. Só para o 7º ano! E há doze anos
de escolaridade obrigatória! Os leitores façam as contas e vejam o resultado.
Se decidirem editar um livro a cores, em formato A4, e com o mesmo número
de páginas, com capa plastificada, brilhante a cores, terão de desembolsar
apenas metade já incluindo o IVA. Todavia, se a Imprensa Nacional/Casa da
Moeda, que é a “tipografia” oficial do Estado português, fizer essa edição,
como o faz para o Boletim de Saúde Infantil e Juvenil, o Diário da República,
os Livros de Reclamações que existem em todos os estabelecimentos ou até o
Livro de Registos de Lições de Teoria de Condução, o custo será muitíssimo
menor e sem IVA, estando a priori
assegurada a sua distribuição através do Ministério da Educação.
Posto isto, assalta-me a questão: uma medida tão simples será absurda?
E agora umas perguntinhas: qual a razão por que o Ministério, que (creio…)
é o responsável pelas linhas gerais da política educativa, não cria um grupo de
trabalho para cada disciplina (e que os profissionais que o integrem sejam bem
pagos) e esses peritos são encarregues de elaborar manuais para os estudantes de
todo o país? O ensino será assim tão diferente para um aluno de Braga
relativamente a um de Faro, Famalicão ou Leiria? A matemática muda de norte
para sul? Ou a história de Portugal?
Por outro lado, ao querer aproveitar os livros do meu filho que está no 8º
ano para um dos que está no 7º, deparei-me com o facto de ser muito difícil
apagar o que ficou do ano passado, mesmo escrito a lápis. Ah! E ao pretender
comprar apenas o caderno de actividades (que é o que está inutilizado),
constatei que a editora só vende em bloco as duas coisas: manual e caderno.
Depois, pequenas mudanças de paginação inutilizam, pelo menos para alguns
“s’tores”, o uso do manual do ano anterior. Mais: os manuais mudam conforme o
vento e este ano até pode ser outro.
Resumindo, leitores. Porque não manuais de um grupo conceituado de autores,
pagos pelo Estado, que durem para vários anos (D. Afonso Henriques deixa de ser
o primeiro rei de Portugal ou a capital de França vai ser Nice, para o ano que
vem? Arquimedes já não dirá “Eureka” quando olhar para o sabonete da banheira?)
e produzidos e distribuídos pela Imprensa Nacional/Casa da Moeda.
Aqui estão algumas das minhas perplexidades. Este ano foram cerca de 1.200€
só em manuais… eu posso, mas há muitos que não podem. E mesmo podendo irrita-me
ser explorado, encostado à parede e esmifrado por pessoas gananciosas, com o
apadrinhamento do governo do meu país, dentro do quadro de uma escolaridade que
é obrigatória e um dos maiores investimentos que se pode fazer para avanços
civilizacionais.
Mário Cordeiro
Pediatra
(publicado no jornal «i», reproduzido no Malomil com autorização:
obrigado,
Mário!)
Ainda a questão dos manuais escolares.
Famílias
mais pobres obrigadas a pagar livros escolares
Por Joana
Capucho
Há muitas
famílias carenciadas que beneficiam da Ação Social Escolar obrigadas a adiantar
o dinheiro para a compra dos manuais escolares. No 7.º ano, por exemplo, a
despesa ultrapassa os 300 euros.
Há muitas famílias carenciadas que beneficiam dos
Serviços de Ação Social Escolar obrigadas a adiantar o dinheiro para a compra
dos manuais. No 7.º ano, por exemplo, a verba ultrapassa os 300 euros, uma
despesa difícil de suportar para muitos agregados familiares, que ficam semanas
à espera do reembolso. Neste ano de escolaridade, um aluno do escalão A recebe
uma comparticipação de 176 euros, que desce para os 88 nas famílias inseridas
no escalão B.
Muitos encarregados de educação pedem ajuda à Cáritas.
"Adiantamos o dinheiro e muitas vezes sem exigir retorno, porque quando
recebem das escolas precisam de satisfazer outras necessidades", conta
Eugénio Fonseca. Segundo o presidente da Cáritas, "há inclusive quem ainda
não tenha recebido o apoio correspondente à comparticipação dos livros do ano
passado." São casos residuais, ressalva, mas preocupantes. "E como é
que as famílias podem adiantar o pagamento se muitas vezes não têm dinheiro?
Recorrem à solidariedade de familiares ou de instituições." E há casos em
que o ano letivo começa sem que os alunos tenham os livros todos. "Isso
gera uma diferenciação social que marca muito."
Diário de Notícias, aqui
Memórias de João Afonso.
Entre a meia-dúzia de génios que
Portugal produziu no século XX, Zeca Afonso foi um deles. Podem questionar,
impugnar, discordar, o que quiserem. É a minha opinião, subjectiva. Para
opiniões objectivas existem outros lugares na Rede, de acesso livre e até mesmo
sem publicidade. É também sem intuitos publicitários que se louva O Último dos Colonos. Entre um e outro mar,
que acaba de desaguar pela mão de João Afonso dos Santos. São as memórias de
João, não de José. Mas a presença de Zeca está lá, em cada página. Não deve ser
fácil ter um irmão genial. João Afonso dos Santos convive muito bem com isso –
e até já dedicou um livro ao irmão mais novo, com um terno subtítulo: Zeca Afonso. Um olhar fraterno. Agora,
neste primeiro volume das suas memórias, que começam pelo nascimento em
Portugal, atravessam África colonial e terminam em Timor sob invasão nipónica, João Afonso dos Santos traz-nos uma narrativa
exemplar: nostálgica ma non troppo,
com pinceladas bem-humoradas, uma ou outra alusão reveladora da sua cultura sólida,
própria de uma época (os filmes de Tati, os romances de Bernanos ou Hemingway...).
O livro acaba algo abruptamente, terminando com dois extensos documentos
escritos pelo pai de João e José. Aguarda-se o segundo volume,
que finda em 1975. Porque não um terceiro volume?
Sobre Zeca Afonso muita coisa já está
escrita e dita. Inclusivamente, já existem biografias, algumas de qualidade. Mas, para a feitura de
uma obra mais encorpada, como o seu génio tanto merece, este livro de João será, doravante,
referência fundamental. Atenção, porém: O Último
dos Colonos é uma obra de memória que vale por si – e vale muito a pena ser lida.
segunda-feira, 28 de setembro de 2015
domingo, 27 de setembro de 2015
Presos políticos em Angola.
“Os defensores dos
direitos do homem, que também fazem um excelente trabalho de sensibilização na
sociedade civil, devem esforçar-se para se distinguirem dos activistas
políticos, disse o representante permanente (de Angola) junto dos escritórios
da ONU em Genebra. Os activistas políticos, disse o diplomata, têm
objectivos claramente definidos, criando por vezes desordem que provoca
instabilidade e colocam em causa as instituições democráticas em fase de
consolidação” (Jornal de Angola – 16/09/2015).
Esta distinção entre
defensores dos direitos humanos – úteis para a sensibilização – e activistas
políticos – causadores da instabilidade – é bem esclarecedora da forma como é
entendida a vida em democracia pelas autoridades angolanas.
Na verdade, os
defensores dos direitos humanos em Angola quando estiverem só a
sensibilizar – eventualmente através de experiência
telepáticas – são bem aceites mas se começarem actuar, isto é, se entrarem em
actividade passam a activistas políticos e quanto a esses, não pode haver
contemplações.
José Marcos Mavungo é
um “activista” dos direitos humanos angolano e, por isso mesmo não é bem aceite
pelas autoridades. O seu problema parece ser não se ter esforçado s
suficientemente por se distinguir dos activistas políticos, como preconizava sensatamente o citado
diplomata angolano.
“Preso desde 14 de Março de 2015,
por tentar organizar um protesto contra a má governação e as violações de
direitos humanos na província de Cabinda”, como refere a eurodeputada Ana Gomes no relatório da sua
visita a Luanda, entre 26 de Julho e 2 de Agosto do corrente ano, Marcos Mavungo foi condenado, na passada segunda-feira,
a seis anos de prisão pelo crime de rebelião
previsto na lei angolana nos seguintes
termos: “Quem, por meio ilícito,
executar qualquer acto tendente a, directa ou indirectamente, alterar, no todo
ou em parte, a Constituição da República de Angola e subverter as
instituições do Estado por ela estabelecidas, é punido com pena de prisão
de 3 a 12 anos”. Como é evidente as expressões “qualquer acto”, “tendente”,
“directamente ou indirectamente”, “alterar”, “no todo ou em parte” ou
“subverter” permitem – com a necessária boa vontade ... – enquadrar neste crime, desde a
mera expressão de uma opinião discordante até ao bombardeamento aéreo de uma
qualquer cidade.
No caso de Marcos Mavungo, nas palavras do seu advogado
Francisco Luemba, um dos principais factos que caracterizariam essa actuação
criminosa do seu constituinte, segundo a acusação, eram “determinados panfletos que
foram –
segundo se diz – encontrados na via pública, e cuja autoria e
até distribuição é imputada ao arguido, quando não há qualquer, digamos assim,
nexo material que permita imputar a autoria e a distribuição desses panfletos
ao arguido Marcos Mavungo”. Teria também
sido encontrado material explosivo que, segundo as autoridades angolanas,
pertenceria a Marcos Mavungo e se destinava a fins subversivos. Segundo o
advogado, nenhumas provas foram apresentadas em julgamento quanto a esta
acusação. Mas, como referira o mesmo advogado, ainda antes do julgamento: "todos estes
processos fundamentam-se em ordens superiores, iniciam-se em obediência a
ordens superiores, desenvolvem-se à sombra de ordens superiores e o seu
desfecho, também depende em grande parte do sentido e da insistência ou não
nessas ordens superiores".
Uma expressiva caracterização da
independência do poder judicial angolano quando estão em causa activistas
políticos. Sendo certo que não são precisas ordens superiores para serem
proferidas sentenças humana e juridicamente aberrantes. Os juízes dos nossos
tribunais plenários do tempo da ditadura compraziam-se na condenação dos nossos
activistas políticos sem necessidade de especiais ordens superiores.
Para diversas organizações
internacionais de defesa dos direitos humanos, como a Amnistia Internacional e
a Comissão Internacional de Juristas, esta condenação e a pena de seis anos de
prisão imposta a José Marcos Mavungo
constituem “um travesti de justiça e uma flagrante violação da liberdade
de expressão”. Para o Parlamento Europeu, que no passado dia 10 aprovara uma
resolução em que manifestava a sua preocupação com o "rápido agravamento" da situação dos
direitos humanos, liberdades fundamentais e espaço democrático em Angola, com
os "graves abusos por parte das forças de segurança e a falta de
independência do sistema judicial", esta sentença mais não é do que a
confirmação da ausência de liberdade de
expressão em Angola e da falta de democraticidade do regime político angolano.
Para nós portugueses, que assistimos durante tantos anos – em ditadura – condenações de defensores dos
direitos humanos/activistas políticos por subversão e distribuição de panfletos, o que se vive em
Angola neste domínio é profundamente revoltante.
Francisco Teixeira da Mota
(originalmente saído no Público, de 18/9/2015)
sábado, 26 de setembro de 2015
The life and times of Pedro Vieira.
Há gente que tenta, mas não consegue. Bruno Nogueira ou João Quadros, por exemplo. Aspiram a humoristas mas só conseguem ser cómicos. Não têm graça, coitados. Com Pedro Vieira é o inverso. Tem graça, pilhas dela, mas de um modo inteiramente involuntário. Pedro Vieira
nasceu no Porto em 1975, e até aos 26 anos «acreditou firmemente que era introvertido». Aos 27 anos extroverteu-se, com resultados ainda na fase de inquérito.
Licenciado em Economia, trabalhava numa «empresa multinacional» (leia-se o CV: ex-director regional do HolmesPlace) quando, em dia
não especificado nos autos, começou a «procurar ferramentas poderosas». Após esta
fase Black&Decker do seu percurso de vida, mergulhou de cabeça «no fascinante mundo do Coaching, da Programação Neuro Linguística e outras áreas do desenvolvimento pessoal.»
Em 2008, fundou a empresa Life Training. Desde então, já falou – diz ele –
para 120 organizações empresariais em Portugal e no estrangeiro, além de ter
marcado presença em centenas de eventos abertos ao público e concedido entrevistas a 25 órgãos da mídia. O mais espantoso: tudo isto é verdade (sim, há empresas e pessoas que pagam para ouvir Pedro
Vieira). Pelo caminho, teve três filhos em co-autoria e publicou dois livros a solo: o aracnídeo SPIDER – Como definir Objectivos Irresistíveis e o apatetado O Mágico que não acreditava em magia. Concentremo-nos em SPIDER, uma lição de vida em 10 simples passos. O objectivo da obra
é «definir objectivos de uma forma irresistível». Para alcançá-lo, utilizam-se
«de forma prática conhecimentos de Neuroestratégia». No final, a recompensa.
Graças a SPIDER, por 13,5€, o leitor
irá «criar poderosas metas em todas as áreas da sua vida» e, de caminho, «expandir os seus resultados físicos, emocionais ou financeiros». Também se garante
«aprender a manter o foco naquilo que é mais importante». Na vida, manter o foco é muito importante.
Desengane-se quem julgue estarmos
perante uma vulgar aldrabão. Pedro Vieira pode ser tudo, mas não é vulgar. Usa três métodos diferentes (o Método Life, o Método Laser e o Método Spider), palestra conferências, ministra
cursos, tais como «Inspiração para uma Vida Mágica 2.0». Ou seja, estamos perante
um académico. E, de facto, Pedro Vieira, além de se proclamar Master
Neuroestratega e Master Practicioner em Hipnoterapia, diz ser professor na Escola de Gestão do Porto – UPBS, na Universidade Católica – Católica Business
School (aqui !) e nos mestrados de Gestão Comercial da Faculdade de Economia da Universidade do Porto. Trabalhou, assegura, com as maiores empresas. Já formou
mais de 60 mil pessoas, o que significa que existem, em Portugal e no
estrangeiro, 60 mil alminhas inspiradas para uma Vida Mágica 2.0. «Obrigada pelas ferramentas que tens partilhado», agradece Natacha Soares, uma das
alunas. Outra discente da escola de Pedro Vieira, a conceituada Dharma5 Academy, é ainda mais enfática:
O Pedro «adora exercício físico». Neste
domínio, as suas paixões são o crossfit e o ultra trail running, que é outro
modo de dizer ginástica de argolas e atletismo ao ar livre. As poderosas ferramentas do
Pedro foram usadas em empresas como, e cita-se: Santander, Galp, CGD, IKEA, Redbull, SONAE, Millenium, Hilti, Remax, Combined, ERA, Lactogal, Banco Atlântico e «muitas outras». Depois veio a troika pôr na ordem na casa.
Apesar de único, Pedro Vieira não está
só. Na Life Training, empresa que tem por lema «Inspirando Decisões Apaixonadas»,
trabalham outros patuscos como a Mikaela Övén, «de origem sueca», cuja área de
especialização é muito vasta, indo da parentalidade ao Mindfulness, com
apeadeiro em «Neurolinguística certificada pela International Trainers Academy». No sector masculino, material nacional, avança à linha João Ricardo
Pombeiro, que é «apaixonado pelas pessoas». Especializou-se em Treino de
Liderança e Desenvolvimento de Equipas pelo Instituto Superior de Psicologia
Aplicada (ISPA), o que nos dá bem uma noção do estado a que chegou o ensino
superior em Portugal. Até desaguar neste sector agro-motivacional, outro
colaborador da Life Training, Sérgio Rito, passou por «7 tipos de indústrias», mas do que ele
gosta mesmo é «de encontrar “aquele” brilho especial nos olhos das pessoas». Com
um brilhozinho nos olhos, uma irmandade de sérgios; Rito & Godinho, o mesmo
combate. O Sérgio Rito tem certificações internacionais em Practicioner, mas
encontra-se devidamente medicado. Além da Hipnose Terapêutica, pratica storytelling e «criação de metáforas».
Já o Pedro Martins é formador desde 1997, pelo que ao longo destes anos todos
«contactou com muitas centenas de personalidades distintas e interessantes».
Quando não está a contactar personalidades distintas e interessantes, o sr. Martins revela-se
um «apaixonado pelos mistérios da mente humana». Por fim, a equipa da Life
Training conta com a colaboração de Lígia Dias, cujas sessões «são desenhadas para o indivíduo e pelo indivíduo». Está certíssimo: tudo para o indivíduo, sempre pelo indivíduo. Coaching, a mais velha profissão do mundo.
António Araújo