sábado, 31 de março de 2018
sexta-feira, 30 de março de 2018
Notas sobre A Grande Onda - 38
38.
Em
1953, o Gabinete do Turismo do Japão (em inglês, Japan Travel Bureau) publicou o
livro Japanese Wood-Block Prints, da
autoria de Shizuya Fujikake, sendo esta a terceira edição da obra, após ter
sido publicada em 1938 e em 1949.
O
livro é o décimo volume da Tourist Library Series, iniciada pelo Conselho da
Indústria do Turismo em 1934 e transferida em 1943 para o Gabinete do Turismo
do Japão (para uma descrição dos primeiros 40 volumes desta colecção, ver aqui;
muitos dos volumes encontram-se disponíveis online, aqui).
Shijuya Fujikake, Japanese Wood-Block Prints,
Edição de 1953
Colecção particular de António Araújo
|
Trata-se,
como é fácil perceber, de uma colecção de monografias sobre diversos aspectos
da realidade japonesa – a arte floral, o culto do chá, o quimono, o teatro
kabuki, o bonsai, os netsuke – que procuram prestar ao leitor uma informação
sumária do Japão, mas ainda assim com algum desenvolvimento (cada livro tem
aproximadamente 200 páginas), sendo as obras profusamente ilustradas a preto e
branco e a cores, contendo um índice remissivo e um índice onomástico. Sendo patente
o propósito de divulgação em larga escala, não pode, todavia, considerar-se as
obras desta série – e o livro de Shizuya Fujikake em particular – um mero
panfleto turístico.
Em
suma, os livros desta colecção − desta colecção «oficial» − representavam, por assim
dizer, o «retrato» que, pela pena de especialistas das mais diversas áreas, o
Japão e o seu governo pretendiam projectar para o exterior, tendo, pois, um
valor muito interessante para a percepção das estratégias e dos discursos que o
país construía em seu redor e da sua auto-imagem.
O
livro de Fujikake foi objecto de, pelo menos, 53 edições, de 1938 a 2016, o que
atesta a perenidade do interesse por esta obra e o volume de leitores que
alcançou, ao longo de várias décadas, em todo o mundo, verificando-se, por
outro lado, que a obra continua a ter utilidade enquanto fonte de informação
sobre as xilogravuras japonesas (um outro livro de Fujikake, An Introduction to Japanese Art, teve
apenas seis edições e, 1936 e 1937; o autor tem alguns livros sobre o universo
do ukiyo-e que tiveram mais edições, mas todas em japonês e quase todas
anteriores à década de 1950; ver aqui).
Trata-se,
pois, de um livro que teve – e, de certo modo, ainda tem – uma importância
apreciável para a divulgação da arte das xilogravuras japonesas no exterior do
país e, como se viu, como indício revelador do modo como os japoneses
percepcionavam essa arte até muito recentemente.
O seu autor, Shizuya Fujikake (1881-1958),
tinha sido professor da Universidade de Tóquio e, na altura em que escreveu
este livro, integrava a comissão constituída para designar os tesouros
nacionais do Japão. Na nota introdutória, Fujikake afirma que o livro foi
escrito devido a uma exortação de William Hartnett. No influente The Floating World, James A. Michener
apelida-o «the beloved dean of ukiyo-e», o que, tendo em conta a importância do
contributo de Michener para a difusão mundial das xilogravuras japonesas (cf.
Notas sobre A Grande Onda – 35) torna este livro de Fujikake especialmente
importante para a compreensão do contexto cultural em que, no Japão e no resto
do mundo, a obra de Hokusai adquiriu em meados do século XX.
No Museu Britânico, existe uma
xilogravura de Shizuya Fujikake vestido de quimono, da autoria de Kitaoka Fumio
e datada de 1951 (descrita aqui).
Por sua vez, o livro da sua autoria tem também uma gravura
sua, datada de 1949 e feita por Kōshirō Onchi, e de que existe um exemplar no
Museum of Fine Arts de Boston (descrição aqui).
Museum of Fine Arts of Boston, 57.586
|
No que se refere à Grande Onda de Katushika Hokusai, é habitual afirmar-se, e com
razão, que a valorização de que foi alvo no Ocidente não tem paralelo no seu
país de origem. Só por volta de 2005, ano da grande exposição sobre a obra de Hokusai
no Museu Nacional de Tóquio, é que os japoneses começaram a referir-se
afectuosamente a ela como «Grande Onda» (gureito
weibu). No Japão, a obra mais popular de Hokusai era Vento do Sul, Céu Limpo (Geifū
kaisei), vulgarmente chamado «Fuji Vermelho» (Aka Fuji), não A Grande Onda (cf.,
exemplo, Timothy Clark, Hokusai’s Great
Wave, Londres, The British Museum Press, 2011, p. 23; é sintomático que
seja essa obra que surge na edição de 1938 de Japanese Wood-Block Prints).
O livro de Shizuya Fujikake confirma
esta percepção. Desde logo, há uma preocupação evidente em infirmar a ideia
corrente segundo a qual a xilogravura japonesa se cinge aos «mundos
flutuantes», razão pela qual o autor começa por narrar a história daquela arte
nipónica desde o século XI ao século XVI, procurando evidenciar, do mesmo
passo, a sua ancestralidade. Por outro lado, é conferido grande destaque ao
período contemporâneo: mais de metade do livro trata das xilogravuras do século
XX e, muito em particular, das xilogravuras que foram produzidas no Japão à data em que a obra estava a ser escrita,
para o que não deve ser alheia a intenção propagandística ou promocional da
obra; por outras palavras, do ponto de vista da projecção externa do Japão, o
fulcro da Tourist Library Series, interessava acima de tido valorizar o país na
actualidade, mais do que produzir obras de natureza histórica que lidassem com realidades
pretéritas ou definitivamente situadas no passado. Havendo, pois, que
demonstrar a vitalidade da arte das xilogravuras, que a mesma continuava a ser
praticada por artistas contemporâneos de qualidade e talento, importava não
fornecer uma perspectiva excessivamente historicizada e, menos ainda,
exclusivamente ligada à estética e à doutrina dos «mundos flutuantes». Não
admira, pois, que, logo nas primeiras linhas da introdução, Fujikake afirme:
«As is well-known, ukiyoe [sic] prints have long enjoyed a
worl-wide fame. But Japanese wood-block prints are not represented solely by ukiyoe, there being also modern prints,
produced by a new technique and showing a modern sense of beauty». Em larga
medida, na verdade, o interesse do livro reside mais na digressão que faz pela
obras de artistas do século XX do que pelos capítulos dedicados a mestres como
Hokusai ou Hiroshige. É também sintomático que a Tourist Library Series, que
publicou dezenas volumes, tenha dedicado uma monografia a Hiroshige (logo no nº
2 ou nº 5 da colecção, da autoria de Yone Noguchi), mas nenhuma a Hokusai, o
que comprova que no Japão e no estrangeiro, durante muito tempo e junto de
diversos coleccionadores (Frank Lloyd Wrigth ou James A. Michener, por
exemplo), Hiroshige gozou de maior apreço do que o autor de A Grande Onda.
Neste livro de Fujikake, em que se
acumulam louvores à arte das xilogravuras (um dos capítulos intitula-se, não
por acaso, «Why Japanese Prints are Unique»), no final há uma breve nota
biográfica de Hokusai, a par da de muitos outros artistas, dizendo-se que a sua
obra mais representativa é Trinta e Seis
Vistas do Monte Fuji e afirmando-se, de igual modo, que o seu autor foi «o
máximo expoente dos artistas ukiyoe
até ao fim do período Edo». A «idade de ouro» (sic) das gravuras japonesas é, no
entanto, situada numa fase anterior à da produção de Katsushika Hokusai, que,
em conjunto com Hiroshige Utagawa, é enaltecido na monografia de Fujikake como
os dois nomes que, no seu tempo, mais se destacaram. Afirma-se, todavia, que a
escassez de grandes mestres, em confronto com épocas passadas, demonstrava que
o apuro da técnica não tinha sido acompanhado de um aumento de inventividade,
escrevendo-se mesmo, em tom crítico, que «se o artista ou o editor tivessem orientado
melhor os artesãos, ter-se-iam produzido obras de ainda maior qualidade». E, diz
Fujikake, que nesse tempo os editores começaram a pensar mais no lucro do que
na qualidade artística, preferindo «fazer produções em larga escala do que
criar coisas belas». «Isso, naturalmente, levou à deterioração das gravuras
policromáticas como obras de arte», é o juízo crítico de Japanese Wood-Block Prints, obra que sustenta ainda que se Hokusai
e Hiroshige tinham preocupações
estéticas mais apuradas do que os seus editores, a vontade deste acabou sempre
por prevalecer. Daí a apreciação algo negativa que, mesmo que de uma forma não
totalmente explícita, Shizuya Fujikake acaba por fazer das xilogravuras do
período Edo e, em particular, das obras da autoria de Hiroshige e de Hokusai.
Note-se, para mais, que tal apreciação constava de um livro produzido em larga
escala, e traduzido em inglês, que se destinava a apresentar, em termos
turísticos e promocionais, aquilo que de melhor ou de mais singular o Japão
oferecia ao mundo.
Quanto à Grande Onda, é bastante eloquente o facto de não ser ela, mas outra
obra de Hokusai, que surge reproduzida a cores, a toda a largura da página,
sendo a opus magnum do pintor e
ilustrador colocada sem relevo algum, a par do já citado «Fuji Vermelho» e de
dois trabalhos de Hiroshige.
No destino posterior de A Grande Vaga, o Ocidente teve um papel
determinante, iniciando ou aprofundando um processo que culminou na abertura em
Tóquio do Sumida Hokusai Museu, inaugurado apenas em Novembro de 2016. Trata-se
de um movimento cultural tão curioso como complexo: incorporando elementos de
raiz europeia (a perspectiva, o azul-da-Prússia), A Grande Onda começou por alcançar maior projecção no Ocidente do
que no seu país de origem, mas, paradoxalmente, é vista pelos ocidentais como a
quintessência de uma imaginária ou imaginada «identidade nipónica». Por outro
lado, e mais decisivamente, a gravura de Hokusai começou a ser assimilada pelos
japoneses como traço ou emblema da sua identidade – pelo menos, da identidade
que se pretende projectar no exterior. A onda recebeu elementos do Oeste, levados pelos holandeses; depois regressou ao Ocidente pela mão de japonistas de diversas épocas e vários lugares; há pouco, foi devolvida ao Japão, que até há pouco não a tinha como sua nem sequer a valorizava especialmente, como o demonstra o livro de Shizuya Fujikake, porventura das obras mais marcantes na divulgação da cultura japonesa de meados do século XX.
quinta-feira, 29 de março de 2018
Notas sobre A Grande Onda - 37
37.
Não se sabe ao certo que carga
transportam os barcos de A Grande Onda
– se é que transportam alguma carga.
Alguns afirmam que os barcos levam o produto
de uma pescaria de bonitos, rumo ao mercado de peixe de Edo (Tóquio), onde aquela
espécie atingia preços astronómicos (cf. Timothy Clark, Hokusai’s Great Wave, Londres, The British Museum Press, 2011, p.
17, para quem os barcos estariam provavelmente a encaminhar-se ao navio-mãe para
transferir a carga que depois seria transportada rapidamente para Edo).
Por sua vez, Julyan H.E. Cartwright e
Hisami Nakamura, num estudo aprofundado de A
Grande Onda, não excluem tratar-se de um transporte de bonitos (para a
confecção de sashimi) e de atuns (para a feitura de sushi), que eram pescados
na Baía de Sagami durante as suas migrações de Primavera e de Outono e levados
nos barcos oshiokuri até Tóquio
(sobre os oshiokuri, cf. Notas sobre A Grande Onda – 31).
A questão é relevante seja para datar a
altura do ano em que teve lugar a dramática cena retratada por Hokusai (muito
provavelmente, as primeiras horas de uma manhã de Primavera), seja para
determinar a sua localização geográfica.
A este propósito, Cartwright e Nakamura
escrevem:
«In Hokusai's day, oshiokuri were licensed craft permitting them to pass a
checkpoint at Uraga, at the tip of Miura Peninsula between Sagami Bay and Tokyo
Bay, without control, so that their cargo should arrive at market as quickly as
possible. Once they left their home port, oshiokuri might not return for as
long as 10 days but would travel to and fro between a rendezvous point at sea
where they would meet the fishing boats and the fish market, for which purposes
the crew would carry a rice cooker and mushiro or rush
mats to eat and sleep in the oshiokuri. Owing to the perishable nature of the
cargo, speed was essential — the trip would take five hours with a tail wind
carrying 50 tuna, about three tons, from Misaki in Miura, 50 km south of Tokyo,
for example—for this reason, as we can observe, in these oshiokuri there are
eight scullers and two relief crew members per boat. The boats are seen heading
away from Tokyo. Have they been surprised by the waves on their way back from
Tokyo—they generally carried rice and miscellaneous goods on the return journey
— or have they been forced to come about to head into the waves while on their
way there? We can glimpse what might be some bagged cargo in the hold of one
boat; rice would of course have been bagged, but dried fish also might have
been placed inside a bag. Some oshiokuri even transported species such as squid
and mackerel live to the fish market, using a fish tank installed in the hold
that communicated with the sea; we cannot see any signs of such a tank in these
boats, though, and tuna and bonito are probably too large to have been carried
in this way. It is possible that what we view is not the cargo itself but mats
on which to place it, or even the bed mats or indeed the sails that oshiokuri
carried. If what we see is just empty bags or mats in the hold, the oshiokuri
may be heading to meet the fishing boats at a purchase point somewhere offshore
to collect their catch.»
Na verdade, alguns elementos parecem
contrariar a ideia de que os navios transportariam peixe. Ao observarmos o seu
interior, na nesga que Hokusai deixa entrever, nada há de muito concludente.
Deve,
todavia, ter-se presente um ponto a que Cartwright e Nakamura não dão o
merecido realce: a imagem de A Grande
Onda é extremamente estilizada e depurada nos seus elementos acessórios ou
adjacentes (o Fuji, os rostos dos marinheiros, o desenho das embarcações) por
forma a valorizar o essencial, a onda, a grande vaga.
Daí
que não tenha havido especial atenção aos pormenores no desenho do interior dos
oshiokuri, ainda que, como notam
Cartwright e Nakamura, seja seguro que, ao contrário do que por vezes se
praticava nas artes da pesca na região de Edo, os barcos não levavam tanques de
água salgada com animais vivos, geralmente chocos e cavalas.
Quanto
ao mais, tanto pode tratar-se de uma carga de bonitos e de atuns, prestes a ser
levada para junto da frota pesqueira, como podem ser sacos com arroz ou com
peixe seco, sendo até possível que não estejamos a ver carga alguma mas tão-só
os recipientes onde a mesma deveria ser colocada. O que observamos na imagem podem
ser, inclusivamente, as velas, sabendo-se que os oshiokuri tinham um mastro central, amovível, para navegar ao vento
quando este o permitisse.
Na gastronomia japonesa, o bonito ou katsuo (鰹) é
uma espécie particularmente apreciada, sendo pescada nos portos de Numazu,
Shimizu, Yaizu e Omaezaki, na Prefeitura de Shizuoka. É também apelidado katsu (na região de Tohoku), Honkatsuo (na Ilha Kyushu), Magatsuo (nas
ilhas Shikoku e Kyushu) e Suji (na Prefeitura de Yamaguchi).
No
Japão, é uma espécie pescada no início da Primavera (sendo então chamado sho gatsuo, «o primeiro bonito da
Primavera») ou no final do Outono (modori
gatsuo, «bonito de regresso no fim de Outono»).
Na
culinária, é servido cru, como sashimi, com ou sem pele, acompanhado
preferencialmente de molho de soja (shōyu)
misturado com raspas de alho, ou com wasabi
e um toque de limão e soja. Entre outras formas, é também servido ligeiramente
grelhado como sushi (para uma descrição mais pormenorizada, ver aqui,
por exemplo, ou aqui)
Numa
descrição simples, extraída de uma obra de divulgação, diz-se: «confundido por
vezes com o atum-serra, o bonito é parecido com o atum, mas pertence, na
verdade, à família da cavala. Tradicionalmente é pescado à cana, e não à rede,
o que poderia danificar a sua carne, e é um dos mais velozes nadadores do mar.
É consumido no sushi, e marinado ou levemente grelhado no sashimi. Seco e em
aparas, é usado na confecção do dashi, o caldo japonês básico. Regra geral, o
bonito é servido com gengibre ralado, que complementa o seu característico
sabor cheio e rico». Cada lombo de bonito, de carne rosada, dá origem a duas
grandes postas que são posteriormente cortadas em pequenos pedaços; para o
sushi e para o sashimi, a pele do katsuo
não é retirada, sendo os filetes levemente grelhados e depois submersos em água
fria: cf. Kimiko Barber e Hiroki Takemura, com fotografias de Ian O’Leary, Sushi, trad. portuguesa, Dorling
Kindersley-Civilização Editora, 2003, pp. 58-59, obra que informa ainda, sem
preocupações de rigor taxonómico, ser o bonito um «peixe migratório de tamanho
médio, muito comum nas águas quentes do Pacífico. Migra em Fevereiro para o
Norte, ao longo da costa japonesa, e surge na ementa dos bares de sushi de
Tóquio no início de Maio, assinalando o princípio do Verão.»
Num
guia mais completo sobre os peixes utilizados na confecção do sushi, o katsuo surge integrado nos «peixes de
Primavera» com a seguinte descrição: «During April and May, schools of bonito
(katsuo) migrating north from the southern reaches of the Japanese archipelago
acquire a thin layer of subcutaneous fat. These fish are known as hatsugatsuo (first bonito) and have
vivid red flesh, a mildly fatty quality, a subtle tartness, and even a whiff of
blood. Of all fish, good taste is hardest to pick in bonito: among the
specimens at market there will always be many that are plump and fresh, but totally
devoid of fat or flavor, astringent even. The very finest bonito tastes
wonderful seared and made into nigiri, the addition of yellow new ginger and
vivid green chives as condiments making it a visual treat to»: cf. Kazuo
Nagayma (texto) e Hiroshi Yoda (fotografias) Sushi | 鮨, Bilingual Edition, Tóquio, PIE International,
2011, p. 45.
Por sua vez, um artigo extenso artigo saído no The Japan Times da autoria de Makiko Itoh, intitulado «Katsuo, Japan’s ubiquitous tuna», e que aqui se seguirá de perto, explica que se, nos nossos dias, o peixe mais disputado é o maguro (atum, especialmente o bluefin, atum azul ou atum de aleta azul, Thunnus maccoyii, descrito aqui na Tábua das Espécies da FishBase), que atinge preços elevadíssimos Mercado de Peixe de Tsukiji, em Tóquio, a ponto de a espécie se encontrar ameaçada de extinção devido à pesca excessiva, a popularidade do atum azul ou maguro surgiu apenas no século XX; até então, a espécie mais apreciada e valorizada era o bonito ou katsuo.
Seco ou fermentado, o katsuo era transformado em katsuobushi, um dos ingredientes do daishi, o caldo básico da alimentação japonesa
(ver aqui). Era
também conservado num molho agridoce e comido como tsukudani, curado em sal, como shiokara;
envolto em farinha e frito e, mais frequentemente, comido cru ou quase cru. A
forma mais popular de ser cozinhado era como tataki, ligeiramente grelhado no exterior e com o interior cru,
sendo fatiado e comido como sashimi.
Há registos de que o katsuo já era servido na corte imperial
Yamato, no século III, e a sua valorização pelos japoneses ficou patente no
facto de o katsuo seco ou fermentado
ser uma das oferendas levadas aos santuários xintoístas. Não era, todavia, um
peixe reservado às elites, como o comprova o facto de, no Período Kamakura
(1192-1333), o monge Yoshida Kenkō
(1284-1350) ter dito em Tsurezuregusa,
uma colecção de ensaios redigidos entre 1330 e 1332, que até os pobres deitavam
fora as cabeças de bonito.
No
entanto, no Período Edo (1603-1867), a época de A Grande Onda de Katsushika
Hokusai, o bonito ou katsuo passou a
ser especialmente valorizado, em particular aquele que era apanhado no final da
Primavera ou no início do Verão (mais do que o do Outono), existindo até um
dito popular que afirmava: «Sou capaz de empenhar a minha mulher por uma posta hatsuo-gatsuo» («hatsuo-gatsuo», de
acordo com as regras haiku, era a
palavra que indica o início do Verão).
Descrito por Lineu em 1758, o Katsuwonus pelamis (código FAO: SKJ) é uma
espécie da classe dos actinoperígeos (actinopterygii),
da ordem dos perciformes (Percomorphi),
da família Scombridae, da subfamília Scombrinae, do género Katsuwonus. O seu
nome deriva do japonês katuwo ou katsuo (鰹) e tem
como designações comuns bonito, bonito-listrado, gaiado, atum-bonito ou atum-gaiado. Para uma informação
taxonómica mais completa, deve consultar-se o Integrated Taxonomic Information
System, onde o Katsuwonus pelamis figura
com o número de série 172401 (aqui).
Tem como sinónimos Euthynnus pelamis (Lineu,
1758), Katsuwonus vagans (Lesson,
1829), Scomber pelamys (Lineu, 1758), Scomber
pelamis (Lineu, 1758), Thynnus vagans (Lesson, 1829).
Em
diversas línguas, o Katsuwonus
pelamis tem os seguintes nomes: Skipjack tuna (inglês), Echter
bonito (alemão), Listado, bonito de
altura (castelhano), Bonite à ventre rayé (francês), Tonnetto striato (italiano), Tonijn, skipjack (neerlandês), Atum-bonito, gaiado (português), Bugstribet bonit (dinamarquês), Palamída, Iakérda (grego), Randatúnfiskur (islandês), segundo
informa Antal Vida no livro 365 Fish
(com ilustrações de Tamás Kótai, trad. castelhana, Barcelona, Tandem Verlag
GmbH-Vince Books, 2006, s/p.), acrescentando que o bonito se encontra nos mares
mais cálidos do mundo (sobretudo com temperaturas superiores a 20º C) e tem
especial predilecção por explorar as águas à superfície. Diz-se ainda que o bonito
é, provavelmente, a espécie de atum que se encontra com mais frequência, tendo
cada fêmea centenas de milhares de crias. O ritmo de crescimento é rápido e a
maturidade sexual é alcançada por volta dos três anos de idade, quando mede
cerca de 30 a 40 cm. O comprimento máximo é de 60 a 80 cm. Conclui-se dizendo
que são «uns belos peixes de cor azul-marinho, que têm merecidamente o nome de bonitos, como lhes chamam os pescadores
de várias partes do mundo».
Não
é certo, no entanto, que o nome bonito derive do português ou do castelhano,
línguas em que essa palavra significa «belo» ou «formoso», podendo ter a sua
origem na palavra árabe bainīth. Ewm castelhano, a palavra «bonito»,
usada para designar uma espécie de peixe, data de 1505, pelo menos. Já Antonio Pigafetta se
referia ao bonito, no relato que em 1525 publicou da sua viagem ao redor do
mundo (ver aqui);
e, na literatura portuguesa, nas páginas de Os Pescadores, de 1923, Raul
Brandão escreve: «Saltam do fundo da rede as pescadas de lombo preto, os bonitos, as raias, os capatões, e uma
toninha reluzente».
Além das
que atrás se referiram, o bonito tem muitas outras designações. Em castelhano, atún, atún de altura, barrilete,
barrilete listado, bonita, bonito, bonito de altura, bonito del Sur, bonito de
veintre rayado, bonitol, bonito listado, bonito oceánico, cachorreta,
cachureta, cachurreta, descargamento, lampo, listado, llampua, merma, palomida,
picosa, rayada. Em francês, bonite, bonite à ventre rayé, bonite folle, bonite ventre rayé,
bonitou, bounicou, listao, thonine à ventre rayé, ton rayé. Em inglês, skipjack tuna, oceanic bonito, oceanic
skipjack, skipjack, skipjack tuna, stripy.
É
encontrado à superfície e até 260 metros de profundidade e tem um tamanho médio
de 80 cm e um peso entre 8 a 10 quilogramas (o máximo encontrado foi um
exemplar com 110 cm; foram reportados um peso máximo de 34,5 quilogramas e uma
idade máxima de 12 anos, de acordo com a Fishbase,
informando a Wikipedia que o comprimento máximo registado foi 108 cm).
O
Katsuwonus pelamis caracteriza-se por
ter um corpo fusiforme, sem bexiga natatória, de secção arredondada e alongada,
sem escamas excepto ao longo da linha lateral. Tem uma coloração escura na zona
dorsal e prateada nos flancos inferiores e na barriga, apresentando quatro a
seis bandas longitudinais negras ou cinzento-escuras ao longo de cada flanco. As
barbatanas são possantes e longas, de coloração escura, com a primeira
barbatana dorsal nitidamente mais alta do que a segunda e as barbatanas
peitorais mais pequenas.
Representando
cerca de 40% das capturas mundiais de atum e tendo um valor comercial, o maior
mercado do bonito é o asiático e, em especial, o do Japão.