terça-feira, 30 de junho de 2020

Máscara de lazer.






Há a primeira onda, a segunda onda e a boa – ou má – onda. Ao contrário das anteriores máscaras desta rubrica, belíssimas mas com o seu quê de trágico, a de hoje é imbatível no modelo boa-onda, ligeiríssima e alegre sem deixar de ser segura.

Em suma, ideal para desconfinamento de lazer na companhia de amigos, crianças, namorados ou até de si próprio, se não for de maus fígados. Se for pessoa de má onda, quem sabe a alivia?

Masques et Bergamasques, suite, Op.112 - 1. Abertura, de Gabriel Fauré, pela· Academy of St. Martin in the Fields, dirigida por Neville Marriner.




Manuela Ivone Cunha






segunda-feira, 29 de junho de 2020

São Cristóvão pela América (23).





No Morgan Library and Museum em Nova York um desenho atribuído a Giulio Campi (1507-1573) representando a Virgem e o Menino entronizados ladeados por São Cristóvão e Santa Inês:



Do mesmo museu e biblioteca, um fólio do livro de Horas de Henrique VIII, da autoria de Jean Poyer, representando o momento da conversão do Santo e depois a travessia do rio:



Ainda da Morgan Library um desenho de um altar representando a Crucificação, a Virgem eo Menino e São Cristóvão, Santo Antão, São João Baptista e um Mártir. Escola italiana, Século XVI:



Na Iowa University um fresco de Jean Charlot (1898-1979), artista francês naturalizado americano, datado de 1939 que estava numa sala de aula mas foi entretanto destruído:




Finalmente no Metropolitan Museum of Art de Nova York existe um pingente em cobre dourado do final do Século XV com a imagem de São Cristóvão. Estes objectos eram usados por peregrinos e viajantes como protecção para os riscos das viagens:


José Liberato





domingo, 28 de junho de 2020

Mais máscaras, mais um baile.





Outro modelo de máscara de baile. Tal como o primeiro, de fabrico russo; igual mescla de paixões e ameaça no salão logo de início; mesma “drive” a rodos -- a ponto de alguém dizer que se ensandece com ela. Ensandece bem, quis esse alguém dizer, mas não custa nada imaginá-la, por outro lado, a dar corda aos sapatos vermelhos que compelem a bailarina do conto de Andersen e, depois, do filme de Powell& Pressburger, à dança sem fim, ou sem outro fim que não o da própria bailarina.

A máscara do dia é a da suite orquestral Mascarada, de Aram Khachaturian, composta na década 1940 para a peça de teatro de mesmo nome, de Mikhail Lermontov -- por acaso uma espécie de versão russa de Otelo, a peça de Shakespeare. Mais exatamente, os 4 minutos do primeiro andamento da suite, a Valsa, que soa como soa desta vez não por acaso. Foi preciso pôr o som certo nas palavras da heroína da peça, que declara ser “tão bonita, esta nova valsa… qualquer coisa entre a tristeza e a alegria agarrou-me o coração”.

Aqui pela London Symphony Orchestra, dirigida por Stanley Black.




Manuela Ivone Cunha





sábado, 27 de junho de 2020

São Cristóvão pela América (22).





Continuando no Art Institute of Chicago uma gravura alemã  do Século XV de Israhel Van Meckenem representando São Cristóvão no momento em que chega à margem:




No Metropolitan Museum of Art, uma folha de um manuscrito, provavelmente a capa de um livro de salmos. Do início do Século XIV:



No Worcester Art Museum no Estado de Massachusetts este painel de quatro tábuas separadas da autoria de Paolo Veneziano, activo em meados do Século XIV:


No Metropolitan Museum of Art em Nova York encontrei ainda esta gravura de Wolf Huber (1490-1533):



Ainda no Met  o peitoral de uma armadura do primeiro quartel do Século XVI. Originário de Milão. No centro Cristo como Salvador Mundi, à esquerda São Cristóvão, à direita São Sebastião:



Finalmente, ainda no Met, uma couraça com escarcelas, também do primeiro quartel do Século XVI. Na parte da frente a Virgem ladeada por São Jorge e São Cristóvão. É da autoria de Kolman Helmschmied (1471-1532), um dos grandes fabricantes de armaduras da época. Exerceu a sua actividade em Augsburgo.




José Liberato













São Cristóvão pela América (21).





Prosseguindo nas iluminuras do J. Paul Getty Museum que continua encerrado por razões sanitárias.

Uma iluminura da primeira metade do Século XV de um anónimo a quem se dá o nome de o Mestre de Sir John Fastolf



De um autor anónimo francês conhecido como o Mestre de Bedford da primeira metade do Século XV:





De um autor anónimo flamengo conhecido como o Mestre do primeiro livro de orações de Maximiliano. Do primeiro quartel do Século XVI:



O Norton Simon Museum em Pasadena, Califórnia, dispõe deste quadro do final do Século XIV, representando São Cristóvão, Santo Antão, Santa Catarina e Santa Lúcia, da autoria do pintor italiano Luca Spinello Aretino:



Finalmente do Bates College Museum of Art , em Lewiston, Maine, um novo desenho-poema de Francesca Alexander, intitulado “São Cristóvão e o rei”




José Liberato









quinta-feira, 25 de junho de 2020

Máscaras de vários feitios. Modelos certificados.






Modelo de baile. Adequado, na altura, à #situação de então e, agora, à #atual situação (já que se deixou de dizer “pandemia”).

A #situação de então é a história de Romeu e Julieta, mais exatamente no início, no baile dos Capuletos, onde Romeu entra de máscara, em penetra: adolescente vivaço, a desafiar o perigo na sua vontade quase afrontosa de viver, mas não tão tolo a ponto de provocar de cara exposta rivais figadais em casa própria. É lá que avista Julieta – e é o coup de foudre.

“Máscaras”, a suite desta cena no Romeu e Julieta de S. Prokofiev, é isso tudo em música, concentrado em menos de dois minutos: ouvido com o volume razoavelmente alto, como num baile, é impossível ficar quieto, resistir à pulsação daquele balanço, àquele apelo vital à dança. Mas sente-se lá atrás, ao mesmo tempo, a pitada de ameaça, a eventual catástrofe. Como quando o tempo calha uma delícia cálida, mas o fundo do ar está fresco -- para roubar à queima-roupa e ao pé da letra o melhor que a língua francesa inventou: a expressão le fond de l’air est frais.

Na #atual situação, vamos nas primeiras etapas de um desconfinamento faseado. Prokofiev queria à viva força um “happy ending” para o seu Romeu e Julieta, e insistiu na ideia até ao limite. Argumentava ele que os vivos podem dançar. Os mortos, inertes, deitados por terra, não.

Máscaras – Suite No. 1 - Op.64a:5 do ballet Romeu e Julieta, pela Royal Concertgebouw Orchestra dirigida por Myung Whun Chung.




Manuela Ivone Cunha
















a gaia ciência


Xenon Collaboration Dark Matter Detector





Há coisas inexplicáveis, muito que ignoramos. Li não sei onde que os cientistas ainda nem sabem bem porque é que o céu é azul.  E continuamos sem perceber como é possível a Casa Aleixo, sempre cheia, estar insolvente. Que mais nos irá acontecer?



quarta-feira, 24 de junho de 2020

O fim de uma polémica?






Uma revelação importante: 60 anos depois, o fim de uma polémica, ou o que parece sê-lo. Begoña Urroz, a menina na imagem, não foi morta pela ETA, mas pelo DRIL, um grupo luso-espanhol, celebrizado pelo desvio e sequestro do paquete Santa Maria. A acompanhar, aqui.








São Cristóvão pela América (20).



Voltando às iluminuras do J. Paul-Getty Museum em Los Angeles.

Do flamengo Lieven van Lathem  que viveu no Século XV, uma representação do Santo com cenas de caça:


De um anónimo, conhecido como o Mestre do livro de orações de Dresden, dos finais do Século XV, um São Cristóvão a cavalo ilustrando a letra O:


De um francês anónimo conhecido como o mestre de Guillaume Lambert datada de 1478 e proveniente de Lyon:



Uma iluminura napolitana de um anónimo do terceiro quartel do Século XV:


E de um anónimo conhecido como o Mestre de Jacques do Luxemburgo, também do terceiro quartel do Século XVI:



José Liberato






terça-feira, 23 de junho de 2020

Negativo Assassinado.






A Menina Rita, que sabe muito e viu muitas destas coisas, falou-me de uma exposição onde esteve, toda finaça, na Whitechapel Gallery. Sobre negativos assassinados, cortados, retalhados – e mais tarde recuperados, na medida do possível. Coisas espantosas, fotografia FSA, o Sul profundo da América ardente, Walker Evans, Dorothea Lange, a Grande Depressão, fotos de assombro. Uma vez escrevi um pouco sobre tudo isso, Algodão Amargo, mas agora o bom mesmo é ver Killed Negatives:Unseen Imagens of 1930s America.






                          

segunda-feira, 22 de junho de 2020

Este mundo da (des)informação e dos falsos combates! História e Memória.







Em 1989 escrevi um livro intitulado História e Ideologia, com base em textos que havia publicado ao longo de vários anos. Tentei mostrar que uma coisa é a História como ciência, que procura objectivamente interpretar de todos os ângulos e com todas as fontes possíveis o que se passou e vai passando, e outra a Memória que vai surgindo, mais ou menos espontaneamente ou em função de ideologias organizadas, e cuja “legitimidade histórica” (para empregar uma expressão de Marc Ferro) vai variando à medida que se altera a visão do mundo. Daí mudarem as interpretações dos factos ou os nomes das ruas, de praças, pontes ou instituições, surgirem e derrubarem-se estátuas… 

O que hoje é digno de glorificação, amanhã não será. O que hoje é esquecido, amanhã pode ser louvado. Neste mundo de (des)informação — devido por vezes ao excesso de informação superficial — basta dizer para crer. Assim, surgem nos periódicos e nas redes sociais — a par de textos de jornalistas, de historiadores e de outra gente da escrita, feitos com muita serenidade — artigos e opiniões que enchem de crenças ou de dúvidas quem os lê, sem se procurar saber até onde chegou o conhecimento histórico da realidade.

O homicídio do afro-americano George Floyd pela polícia de Mineápolis desencadeou uma onda de legítimo anti-racismo que devia ser controlado pela posição correcta e objectiva dos poderes políticos, da ciência e da civilidade, e não aproveitado abusivamente por ideologias. E o certo é que esse anti-racismo militante, por vezes tão primário como o próprio racismo, extravasa o universo em que se formou, atingindo vários países, inclusivamente Portugal, onde cada um se esforça por dizer o que pensa e o que sente, sem analisar calma e profundamente os factos. Assim, chegou-se a atentar contra a estátua (com certeza de uma estética mais que discutível) de um dos nossos maiores escritores e oradores e homem de rara coragem cívica, o Padre António Vieira, sem que alguma vez se tentasse perguntar a alguém que estude cientificamente história da cultura e história política o que se pode concluir do pensamento e da prática deste jesuíta do século XVII.
O que parece a alguns ser prioritário é vandalizar, como se estivéssemos no tempo dos iconoclastas que, de resto, aparecem em todas as épocas e com todas as ideologias, motivados não por ideias bem assentes mas por paixões incontroláveis. Qualquer estudioso de Vieira saberia dizer que este lutou pelos índios, pelos cristãos-novos e pelos judeus, mas não se encontrava ainda na época própria para defender com o mesmo denodo os negros escravos do Brasil, embora em seus sermões, nas igrejas do Rosário dos Pretos, aludisse à forma desumana com que eram tratados pelos colonos, com quem teve pugnas constantes, tentando mostrar a esses infelizes que ao menos eram senhores da sua alma que — como era próprio da crença católica do tempo — seria salva pela sua fé. Só por isso se deve vandalizar as estátuas de Vieira? E como é que isso contribui para a luta contra o racismo, que deve ser uma ideia e uma prática firmes, assumidas diariamente, assim como a luta pelo humanismo, em geral esquecida neste mundo de concorrência e de consumismo? Se tal sucedesse, há muito teríamos mais negros, ciganos e gente de todas as etnias nas escolas, como alunos e professores, nas profissões mais bem pagas, nos parlamentos ou nos governos, e menos a viver nos novos “bairros da lata”, onde se desenvolvem situações de violência, que a polícia deveria, em regra, saber controlar (o que por vezes consegue), se tivesse meios e preparação para o fazer.

A nossa forma de alterar o cenário político e social — em Portugal e em outros países — foi, em certos casos, meramente formal e em resultado das paixões do momento. Assim, por exemplo, criaram-se, mudaram-se ou apagaram-se nomes, construíram-se e derrubaram-se estátuas e outros símbolos de memória, sem muitas vezes saber porquê, em lugar de se assumir a História e tentar por meios estruturais alterar a ordem das coisas. Seria este — a meu ver — o modo mais certo de não apagar a História (ou a Memória, como por vezes se diz) e de tentar mudá-la para melhor, em benefício de todos os homens.

Não volto a discutir assuntos que já estão gastos sem verdadeiramente se terem debatido. Mas recordo ainda uma experiência pessoal e deixo uma breve consideração de ordem científica e cultural.

Há algum tempo perguntaram-me se a minha Universidade deveria retirar o título de doutor honoris causa a Francisco Franco, que lhe foi concedido em 1949, tal como fez a Universidade Santiago de Compostela. A minha resposta imediata foi “não”, pois a História não se apaga, mas explica-se e compreende-se criticamente. O mesmo terá considerado a Universidade de Oxford, que em 1941 concedeu o título a Salazar. E, quanto à questão fundamental do racismo, julgo que Portugal, como país que teve um “Império Colonial” até 1974 (com uma falsa tentativa desesperada para alterar legalmente o seu estatuto, sobretudo a partir dos anos 50 e 60, sem com isso deixar de sentir uma guerra que se prolongou por mais de uma década), deveria contribuir — dando colaboração aos investigadores autóctones — com os seus historiadores, os seus antropólogos, os seus sociólogos… para melhor conhecer a realidade dos países de língua oficial portuguesa, quer na sua perpectiva colonial, quer na perspectiva anticolonialista. É que sem isso não será possível conhecer a sua história de hoje, cheia de contradições e dificuldades. E essa realidade não se conhece apenas nas bibliotecas e arquivos, mas nos próprios espaços, no íntimo da complexidade das suas geografias, das suas sociedades e das suas culturas. Também assim se conheceriam melhor os seus exilados ou aqueles que, vindos de África, como de outros continentes, escolheram Portugal para viver.

Não sei se por cá há mais ou menos racismo do que noutros países — houve seguramente (a meu ver) menos anti-semitismo, depois de derrubado o monstro da Inquisição —, mas o que importa é contribuir de forma autêntica, e não através de falsos combates, para que ele desapareça, em todas as formas que subsiste. E são muitas, com certeza.


Luís Reis Torgal




(saído no jornal Público, pulbicado no Malomil por cortesia do autor, 
a quem se agradece)










Somente um tigre.






O estilo de Miles, em Péssima Companhia. No Diário de Notícias, aqui