Em Dezembro de 1987, três
estudantes de Direito entrevistaram António José Saraiva. A entrevista, que
saiu parcialmente no jornal Público
em 2 de Abril de 1993, é agora publicada na íntegra.
P. – Em 1947, publicou A Escola, problema central da Nação. A
escola continua a ser o nosso problema central?
R. – Bem, este livro foi escrito, ou
antes, foi proferido como oração de sapiência, aquelas orações de sapiência que
havia nesse tempo para inaugurar as aulas. E foi escrito um bocado como
desafio, porque estava em contradição com a orientação da altura no ensino. De
facto, eu ponho aqui uma espécie de projecto. A ideia central desse escrito
ainda hoje a tenho, mas é uma ideia muito esquecida: a escola, a escola não, a
infância, a idade escolar é uma vida e não é uma preparação para a vida. Ora,
como sabem, a ideia de que a escola é uma preparação para a vida é
completamente dominante, não só nesses tempos mas também hoje em dia. Aí houve
muito pouca mudança em relação à escola entre a situação anterior e a situação
posterior ao 25 de Abril. Sabem que
depois do 25 de Abril não sei qual o Ministro da Educação fez um ensino «à
distância» por meio da televisão – e que ainda hoje existe, aliás –, ensino que
eu acho que é o menos indicado, porque para mim o ensino é um diálogo com o
estudante.
P. – E era precisamente uma pergunta
que nós queríamos colocar-lhe. Da sua experiência pessoal como professor como
vê a Universidade enquanto ponto de encontro ou local desse diálogo
professor-estudante? Nós sentimos a ausência completa, para já pela forma como
as Universidades estão concebidas, as bibliotecas onde não há um contacto
directo com os livros e, por outro lado, com a ausência do professor na escola.
R. – A minha opinião é que na escola, na escola universitária, se
ensinam duas coisas diferentes: um ensino científico propriamente dito (por
exemplo, suponhamos Física, Matemática, que tem uma parte adquirida com
respostas precisas e essa tem a sua maneira de se dar); e há outra parte do
ensino que são as Ciências Humanas e essas são todas tão fluidas, tão incertas,
não é? Não é possível de maneira nenhuma dá-las como ciências positivas. As
Ciências Humanas não são positivas, não cabem nos termos do positivismo. Eu
estou a dizer isto mas sei bem que na América, por exemplo, também as Ciências
Humanas são submetidas àquele tipo de exame que é dar a resposta certa à
pergunta; por exemplo, «quem perdeu a batalha de Waterloo?» e pôr lá depois a
palavra «Napoleão». Isso não tem importância nenhuma, quer dizer, se for
Napoleão ou outro qualquer isso é uma coisa completamente indiferente, embora
seja preciso um mínimo de conhecimento dos factos. A principal coisa do ensino
que se chama de Letras, o ensino de Ciências Humanas, não é a resposta certa a
uma pergunta exacta. Não há perguntas exactas nem respostas certas. A única
coisa fundamental no ensino das chamadas Letras é a faculdade de pensar, a
faculdade de pôr questões, a faculdade de interrogar, de levantar problemas.
Isso é o que interessa.
P. – Hoje em dia, no fundo, os homens
de cultura de um determinado país estão como que escondidos atrás dos meios de
comunicação. Não será a Universidade uma forma de os devolver ao contacto directo
com as pessoas interessadas na cultura?
R. – Exactamente, essa é a função. Há
uma função que a escola exerce e que os meios de comunicação nunca podem
oferecer que é o diálogo, o diálogo socrático. Esta minha ideia quando eu falo
de diálogo, falo sempre do diálogo socrático, e uma das coisas mais importantes
que qualquer pessoa pode ler são, como sabem, os diálogos de Platão, diálogos
em que Sócrates aparece com os seus discípulos e em que a verdade se vai
descobrindo pouco a pouco por eliminação de hipóteses; é isso que se chama
«diálogo socrático» e é isso também que eu entendo que se deve aplicar nos
liceus e nas universidades. Aliás, eu aplicava isso quando era professor de
liceu. Aplicava precisamente este sistema, até em temas considerados mais ou
menos dogmáticos como a Gramática, por exemplo. Existem maneiras de ensinar a
Gramática sem ser por meio de definições; ensinar a Gramática pela análise do
texto e chamar a atenção dos alunos para aquilo que é constante, para certas
invariáveis na definição e função gramaticais dentro do texto e era
interessante aprender na análise dum texto a distinguir aquilo que é estrutural
daquilo que é formal, daquilo que é semântico. O semântico é o tema, é o que a
gente está a falar, é aquilo de que estamos a falar. Formal é, digamos, aquilo
que não é semântico, aquilo que não significa coisas, mas apenas uma forma de
dizer as coisas, forma que se aplica a muitos temas diferentes. Bem, desviei-me
um pouco para lhes dizer que mesmo nos meus tempos de liceu eu segui este
sistema, esta forma de diálogo socrático.
P. – No diálogo socrático
procurava-se o saber pelo saber. Hoje em dia, com o desenvolvimento da
tecnologia, o saber serve para outros fins?
R. – Ouça, aqui há uma grande
confusão que é preciso desfazer e contra a qual eu chamo a atenção, mas não
tenho chamado com bastante insistência. É que a tecnologia não é ciência. A
tecnologia não é ciência. A tecnologia é uma consequência da ciência, é uma
derivação da ciência, é uma derivação de certa maneira automática. A ciência é
outra coisa. A ciência tem mais que
ver – isto agora é uma coisa que pode parecer exagerada mas tem o seu fundo de
verdade – com a poesia do que com a tecnologia. Se lerem por exemplo um escrito
do Einstein a gente vê que aquele homem tinha uma capacidade poética de ver as
coisas que os tecnólogos não têm, porque os tecnólogos são homens extremamente limitados.
P. – Mas a tecnologia não está de
certa maneira a substituir a ciência?
R. – Não, mas não pode! Não pode! Só
se os homens deixassem de pensar. A tecnologia está a substituir a ciência na
opinião das maiorias mas não são as opiniões das maiorias que decidem as
coisas. Isso é outra coisa, é um problema muito grave, que é o das relações
entre democracia e ciência. De facto, a ciência não é uma coisa democrática, é
uma coisa de homens especialmente dotados e que se tem como revelada. A
democracia não é a coisa do Einstein, não é a do Newton, assim como não é a do
Fernando Pessoa, dos grandes poetas, do Camões, etc. Todos esses homens são homens
que se destacam do número, que não têm nada a ver com o número.
P. – Essa é outra contraposição: a
tecnologia que avança consoante o mercado lhe pede e a ciência que é produto
dos grandes homens que aparecem.
R. – Pois claro. Ora vejam: como é que apareceu o Newton? O Newton não tem muito
que ver com mercado. Mesmo aquele homem que fez a experiência na torre de Pisa,
o Galileu. Já uma vez vi escrito não sei onde como a grande descoberta do
Galileu o ter contribuído para a produção do telescópio. Ora, o telescópio
permite aos navios avançar mais em determinadas
condições. Quer dizer, permitia a comunicação mais fácil
entre os continentes. Ora, o telescópio já existia antes do Galileu, é uma
invenção dos pilotos e comandantes dos barcos e apenas alguém encomendou ao
Galileu, visto que ele tinha os seus estudos encaminhados nesse sentido, um
aperfeiçoamento dum óculo de ver ao longe. Mas isso não é o que o Galileu fez.
A coisa mais importante do Galileu é, como sabem, a descoberta da inércia. O
princípio da inércia, a inércia, é que é a grande descoberta do Galileu, porque
é a que permite, à Física especialmente, avançar no caminho de certos
princípios fundamentais. O problema é que o Aristóteles, como sabemos, não era
capaz de explicar o movimento que, aliás, continua a não ser explicado de
momento, pelo menos teoricamente. Mas, enfim, pelo menos o Galileu explicou
como é que as coisas continuam a mover-se sem ninguém as puxar. Bem, daí veio o
princípio da inércia. Como sabem, as coisas estão em movimento ou em repouso, mas em qualquer dos casos surge o problema da
inércia porque o repouso prolonga-se indefinidamente,
se estiver em repouso, e o movimento prolonga-se
indefinidamente, se estiver em movimento. Quer
dizer, o Galileu descobriu este grande princípio que não tinha nada de prático,
porque para as ciências práticas não era inevitável a inércia.
P. – Como vê então o papel da Universidade
numa sociedade de massas? Terá por função a desmassificação?
R. – Em primeiro lugar, olhe, a
palavra «sociedade de massas» é uma palavra, digamos, que não me é muito
simpática. Eu não sei bem o que é uma sociedade de massas. E talvez as
sociedades de massas sejam o grande mal do nosso tempo. Antigamente, a
sociedade era constituída por organizações como por exemplo os diversos
ofícios, as diversas corporações, a família (a família era uma organização muito sólida, muito
poderosa) e portanto não havia propriamente massas, cada pessoa vivia no seu
universo, no seu pequeno universo fechado.
E, depois, essas organizações como, por exemplo, a família – o caso da família
é patente – foram-se pulverizando, atomizando e daí resultou a sociedade de
massas. Por exemplo, a juventude, já em tempos fiz esta observação, a palavra
«juventude» quando eu era moço significava um período da vida, quer dizer, a juventude era o período da vida
durante o qual a pessoa era jovem; portanto, significava uma fase da vida como,
por exemplo, a velhice. Hoje já não significa isso: significa a quantidade de
jovens, que tem uma certa função social, certo peso social, por serem muitos –
são jovens independentemente dos sítios de onde vêem e da família a que
pertencem. Quer dizer, hoje a juventude é uma noção de massa e daí a sua
importância, até do ponto de vista eleitoral e político.
P. – Voltando a esse ponto de vista
das relações entre a política e o saber, faz uma contraposição entre a
democratização do ensino e a democratização do saber. Acha que a democratização
do ensino é perigosa para a democratização do saber?
R. – Não, a democratização do ensino
é uma necessidade social visto que há, como sabem, certas funções sociais que
só se podem realizar se um grande número de pessoas possuir um mínimo de saber.
Eu vou dar um exemplo com a alfabetização. A alfabetização é indispensável ao
desenvolvimento duma sociedade e, actualmente, até à existência duma sociedade. Agora isso é um bocado
diferente da chamada democratização do saber, da democratização de saberes. É
necessário que muitas pessoas saibam ler, saibam escrever, fazer contas (embora
cada vez menos porque agora há o computador). Isso,
são coisas quase práticas: é necessário que muitas pessoas saibam mexer nos botões da televisão. Sabem, eu às vezes sinto-me
atrapalhado quando me encontro perante uma televisão desconhecida, não sei qual
o botão para silenciar, para pôr mais alto… Mas isso são saberes de
manipulação, não propriamente de visão do mundo. Agora, eu coloco outro
problema, um problema que eu pus num
livro chamado Dicionário Crítico, que
tratava também deste assunto. Na altura em que escrevi o Dicionário Crítico dizia o seguinte: o saber, a ciência, o espírito
científico são indispensáveis para que uma sociedade funcione. E funcione
democraticamente. Porque, dizia eu, só um homem que esteja na posse das leis
fundamentais do Universo é que pode controlar a sociedade. Ora, como sabem,
isto não é confirmado pela prática. Na realidade, sabemos cada vez menos as
leis do Universo, sabemos cada vez mais manipular instrumentos e, portanto,
temos cada vez menores possibilidades de controlar a sociedade
democraticamente. Não sei se me faço entender...
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P. – Parece que esses pequenos
saberes afogam o saber propriamente dito...
R. – Quer dizer, eles não afogam…. As
pessoas... aí é que está… há um terrível problema, que é o problema da
desigualdade dos homens. Os senhores já repararam que se virem uma árvore
coberta de folhas descobrirão que nenhuma folha é igual à outra, assim como
nenhuma impressão digital é igual à outra. O que é espantoso é que haja tantas
impressões digitais diferentes. A imaginação que foi capaz de fazer com que
duas impressões digitais fossem diferentes apesar de serem igualmente digitais
e humanas. Nos homens acontece a mesma coisa – os homens são todos diferentes.
Entrámos neste caminho, este caminho é um bocadinho perigoso, como sabem.
P. – Uma outra pergunta sobre a
Universidade: no fundo, vivemos numa época de capitalismo tecnológico em que há
uma ligação universidade-empresa. Contudo, as universidades ditas «técnicas» é
que têm vindo a revelar maior florescimento. Que papel têm aí as Ciências
Humanas? Funcionam como uma «ética da técnica»? Como uma «reserva moral»?
R. – As Universidades de Ciências
Humanas não poderão ser Faculdades de Ciências Humanas. São Faculdades de
condicionamento das pessoas. São universidades que vão estudar as pessoas quer
como indivíduos quer como grupos para as condicionar, fazê-las trabalhar num
determinado sentido, que não noutro. As Ciências Humanas não são Ciências
Humanas, são Ciências Sociais, porque estudam o Homem do ponto de vista social,
mas estudam-no para o condicionar em vista dessa mesma tecnologia. Quer dizer,
na perspectiva da sociedade tecnológica e mercantil.
P. – Então, vê-se que hoje em dia há
uma mercantilização do saber...
R. – Sem dúvida.
P. – E essa mercantilização faz com que cada
vez mais os capitalistas deixem de dominar para passarem a ser os técnicos. E
actualmente não se verifica, até no caso português, os políticos passarem a ser
tecnocratas?
R. – O que acontece é que o
capitalismo está a sofrer uma mutação muito importante que é a do poder deixar
de pertencer aos donos do capital para passar a pertencer aos administradores
do capital, que são muitas vezes eles próprios assalariados. Esses
administradores são, por sua vez, técnicos. São homens que sabem fazer contas,
sabem calcular percentagens e não sei que mais. E são esses administradores que
acabam por colocar os donos do capital na dependência deles, deles
administradores. Porque são eles que têm de saber qual a percentagem do capital
que pode ser destinada aos donos. No fundo, é o interesse do capital, o capital
que é uma coisa inumana, é uma coisa que não existe, é uma abstracção... no
entanto, é esse mesmo capital que vai determinar aquilo que os donos do capital
devem ter.
P. – Isso nas decisões económicas.
Mas nas decisões políticas não se está a passar o mesmo? Não são os tecnocratas
que cada vez mais comandam a política?
R. – Sim. A política é o ponto de
cruzamento de muitas coisas, sabe? É muito difícil para mim dizer o que é a
política. A política não se confunde com
administração, a política não se confunde com o progresso tecnológico, a
política não se confunde com diplomacia. O bom político é aquele que sabe de
onde vem o vento, que sabe vários
pontos de vista, o que as pessoas querem, o que as pessoas desejam, as
aspirações tantas vezes secretas das pessoas. É isso. Mas o político não é, não
pode ser, apenas um tecnocrata, porque tem de atender a vários factores.
P. – Outra pergunta: estava a referir
há pouco que antigamente as pessoas viviam em vários organismos, compartimentos
– a família, por exemplo – e parece que todos esses organismos se pulverizaram
numa sociedade mais vasta. Não será que o único organismo que resiste a isso é a nação?
R. – Não, a nação está a desaparecer,
basta pensar na ida para a CEE.
P. – Mas o nacionalismo, pelos
vistos, é um sentimento que persiste...
R. – Não, quer dizer o patriotismo, o patriotismo é uma coisa muito
complicada que eu nunca percebi e ainda não percebo. Há uma coisa chamada
patriotismo ligada, digamos, a um pólo. O patriotismo tem duas origens:
primeiro existem as sociedades tribais, as sociedades ligadas por parentesco,
as sociedades consanguíneas; e depois há as sociedades territoriais, aquelas
que não estão ligadas por relações de parentesco, mas sim por relações de
vizinhança, de sítio onde as pessoas habitam, etc. Como sabe, um português pode
ser filho de um escandinavo e tem todo o direito de ser português desde que
tenha nascido em Portugal.
Bem, isto era só para lhes dizer que este problema de nacionalidade
é um bocado difícil, embora seja um facto que a nacionalidade existe sempre e
continua a ser uma força. Mas uma força que está em declínio bastante rápido
devido a esta história do jogo económico, tecnocrático, etc.
.
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P. – E a nação não é ainda uma certa
forma de situar uma cultura? Quando se fala em cultura tende-se a ligar sempre
a um determinado país. Quando se fala em cultura portuguesa sabe-se que ela tem
uma especificidade própria em relação à cultura espanhola por assim dizer...
R. – A cultura portuguesa é espanhola.
Pelo menos, hispânica. E a gente sente isso. A gente vai aqui ao lado a Espanha
e sente logo que há uma coisa comum, uma cultura, que já não existe por exemplo
se formos à Alemanha ou à Inglaterra. Esses laços são culturais. Agora em que
medida é que isso resiste, esse é que é o grande
problema do futuro. Bem, eu pessoalmente não acredito na Europa única, não
acredito, claro que cada um pode acreditar naquilo que quiser.
P. – Não acredita por princípio ou pela
realidade das coisas?
R. – Não, não. Eu não acredito porque
em primeiro lugar fui educado noutro sistema, em segundo porque a Europa é
feita de nacionalidades. A questão é esta: a Europa é um continente em que
determinadas nacionalidades se forjaram ao longo dos séculos, desde o Império
Romano. A América não. Como sabe, a América
é um país de emigrantes, emigrantes que vieram de todo o lado do mundo e
que se aguentaram, resolveram os seus problemas de alimentação, sobrevivência,
etc., etc. Mas nunca houve propriamente uma Nação americana. A América não tem
tradições, e é por isso que é um país de certa maneira democrático. É o único
país onde não havia uma aristocracia forjada pelo tempo, mas apenas uma série
de pessoas. Olhe, um livro muito interessante que refiro sempre que se fala na
América é um livro chamado Chesapeake.
A gente percebe ali como é que se forjou a América. Por isso a América pode ser
um grande país sem ter várias nacionalidades. Houve determinada época em que
esteve quase a formar-se na América uma nacionalidade diferente. Na época da
Secessão, se os sulistas não tivessem perdido a guerra, naturalmente haveria
hoje duas nações diferentes porque o sul da América do Norte tinha una grande
quantidade de negros, tinha por outro lado uma aristocracia – e isso é o
princípio da formação, enfim, da organização nacional – e o norte da América do
Norte nunca teve uma aristocracia, tinha apenas emigrantes que iam para lá
ganhar a sua vida, tentar salvar-se de uma situação de miséria e de fome e
chegavam à América e encontravam sempre terra, que era a coisa principal, e
emprego. Não foi o que aconteceu no sul, no sul existiam famílias agrárias que
eram proprietárias de escravos, que eram o princípio duma nobreza.
P. – Coloca a nobreza como uma das
origens da nacionalidade. Em Portugal podemos datar essas origens? No fundo, se
lermos os episódios da estória jogralesca de Afonso Henriques verificamos que
já existia um sentimento de nacionalidade talvez mais forte até que em
Aljubarrota, onde havia portugueses de ambos os lados. Podemos situar o
aparecimento da nacionalidade antes de 1383?
R. – Eu acho que sim. Mas acho que o D.
Afonso Henriques da estória jogralesca é um D. Afonso Henriques leonês, quer
dizer, a gente percebe ali que ele é um homem, um senhor da terra de Leão, do
Estado de Leão, que era o que então existia (Castela ainda não existia) e,
portanto, não sei bem em que medida…. O que aí existe é um sentimento de
diversidade. Em 1383-85 as crónicas de Fernão Lopes atestam o sentimento
anti-castelhano, que é um sentimento contra o vizinho. O problema com a
Espanha, com aquilo que nós chamamos «Espanha», é na realidade um problema de
vizinhança. É que não há ninguém que um homem deteste tanto como seu vizinho e
realmente foi isso que aconteceu em relação a Castela.
Aconteceu que mais tarde nós fomos englobados num todo cujo
centro de convergência era Castela, portanto um todo que era a Espanha, a
Espanha de que Portugal fazia parte mesmo sem ter consciência disso e a partir
desse momento toda esta região passou a chamar-se Espanha. A Espanha passou a
ser um nome. E Espanha é inicialmente o nome de uma região geo-cultural. Nessa
altura toda a gente dizia «a Espanha», até os portugueses do século XV diziam
«ai, os nossos outeiros, os nossos vales da Espanha», quando estavam em
Marrocos. Eles pensavam na sua querida Espanha, a sua Espanha era Portugal. Lembrem-se daquele rimance
«olha, se vires terras de Espanha, areias de Portugal». Mas, mais tarde, quando
se formou um Estado único em toda a Península, Portugal, como tinha certas
características diferenciais, conseguiu separar-se de Castela e formar um
Estado à parte e só a partir de então é que houve o Estado espanhol. A Espanha
propriamente dita data de 1640. Antes de 1640 não havia a Espanha como Estado
diferenciado, separado, havia a Espanha como todo geo-cultural.
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P. – Então e é essa unificação política,
esse surgimento de um Estado em termos políticos, que no fundo consolida essa
ideia de Nação ou a pode defender de ameaças? Por exemplo, Portugal sofreu a
invasão espanhola em 1580. Se Portugal tivesse um Estado politicamente mais
sedimentado poderia defender a sua nacionalidade? O que no fundo se verifica é que
a nacionalidade é uma ideia que contra as forças políticas ou bélicas nada
pode.
R. – Não, ainda hoje há o País Basco,
ainda hoje se manifesta.
P. – A Catalunha …
R. – A Catalunha é outro caso, mas a
Catalunha é mais diferente de Castela do que
Portugal. Quer dizer, há um conjunto
a que nós chamamos a Espanha que é constituído por Castela, León, Galiza, Andaluzia
(que também é Castela) e... Portugal. Esses países têm muitas semelhanças
linguísticas, no vocabulário e na gramática. Quer dizer, se formos a um
dicionário e procurarmos por exemplo as palavras «razão», «relação»,
«revolução», encontramos «razón», «relación», «revolución», encontramos as
mesmas palavras ditas de outra maneira. Mas se formos ao catalão já não é
assim. Aí as palavras são diferentes; por exemplo, «com» em catalão («com uma
espada», por exemplo), a proposição não é “con” nem deriva do latim “cum”
percebem? Há uma penetração do latim que foi até ao Ebro e uma outra que foi do
Ebro ao Atlântico. É a essa que pertence a Espanha. A Espanha propriamente
dita, o que nós chamamos «a Espanha», é a Espanha do Ebro para cá e com a qual
sentimos afinidades. Vamos até Madrid e sentimos uma afinidade com os
madrilenos.
P. – Mas então esse desentendimento
cultural que existe na Península, entre Portugal e aquilo que hoje é a Espanha,
é devido a questões políticas?
R. – Não, o desentendimento... é que
Portugal... basta pensarmos na língua, a língua galega, é portuguesa e galega,
é diferente da castelhana, tem uma pronúncia diferente, tem uma tonalidade, uma
articulação diferente. E basta isso para se perceber que há aqui uma
sensibilidade diferente da castelhana. E reparem que o galego ainda hoje
existe, apesar dos castelhanos terem feito todos os esforços para castelhanizar
a língua. Até hoje não conseguiram, embora parece que estão quase em vias de o
conseguir. Em Portugal é onde o galego pôde sobreviver, defendido
do castelhano pela fronteira política. Em Portugal havia uma fronteira política
e, portanto, não conseguiram castelhanizar o português, como estão em vias de
castelhanizar o galego porque o galego não tinha essa defesa política.
P. – Acredita então que haja alguma
forma de superar aquilo a que chama o divórcio cultural entre Portugal e
Castela por outra forma que não seja uma solução política?
R. – Repare: eu vejo que uma das
formas seria uma forma cultural. Já reparou que não existe a volta à Espanha de
bicicleta? E era uma coisa que parece evidente à primeira vista. E não existe
porque os portugueses não querem nada com os vizinhos imediatos. Quer dizer,
Portugal só conhece um país estranho, que é Castela, a Espanha, e portanto o
único objecto em que o seu ódio se concentra são os castelhanos. Por isso não
se fala duma volta à Espanha de bicicleta que parece uma coisa, enfim, natural.
P. – Mas esse ódio não parece ser
também a única hipótese que os portugueses vêem para a sua sobrevivência como
país?
R. – Sim, mas, olhe, eu penso que o
problema deveria ser encarado doutra maneira. Como sabe, até ao século XVI
houve sempre uma tentativa de unificação, o que não se sabia era qual seria o
rei do todo, quer dizer, ou um rei português ou um rei castelhano. Como sabe,
em 1383 o rei castelhano queria ocupar o trono português e, na geração
seguinte, no tempo de D. Afonso V, D. Afonso V queria ocupar o trono castelhano
e foi derrotado na batalha de Toro. Depois, o filho de D. Afonso V, que era D.
João II, quis ocupar o trono de Castela através do filho, que casou com uma
infanta castelhana e esteve perto de vir a ser a ser rei de toda a Espanha. Mas
morreu estupidamente num desastre de cavalo e não foi. Depois, o sucessor de D.
João II casou com quatro infantas castelhanas para ver se conseguiria herdar o trono de Castela e então teve uma data de
sucessores castelhanos e portugueses, dos quais o que vingou foi Filipe II.
Quer dizer, Filipe II era neto de D. Manuel. É claro, era neto de D. Manuel em
virtude desta política de casamentos e que veio, num jogo de bola... Os
senhores reparem num jogo de bola - a bola foi parar ao Filipe II mas
todos estavam a atirar para um
qualquer. Aliás, o Filipe II era filho de portuguesa, porque a mãe dele era filha
de D. Manuel, e falava o português e aqui volto à língua; uma das condições que
foram impostas quando ele tomou posse do cargo do rei de Portugal foi que, em Portugal, a língua oficial
seria sempre o português e nunca o castelhano e Felipe II tanto mais facilmente
aceitava isso quanto, de facto, ele conhecia perfeitamente o português, o
português era a língua materna que tinha, como aliás outros reis galegos,
leoneses, etc. Afonso X, por exemplo, escreveu as suas composições poéticas em
galego, galaico-português como nós dizemos, a fase arcaica do galego. Esta
questão tornou-se muito complicada em virtude dos tais sentimentos, dos tais
rancores contra o vizinho... No fundo é uma questão de vizinhança, é uma
questão como a que há, por exemplo, entre aldeias.
P. – São rancores de parte a parte...
R. – Sim, mas são sobretudo rancores
da nossa parte porque nós é que nos sentimos mais fracos, embora a nossa
cultura seja de facto brilhante. O Oliveira Martins, que tinha muito esta ideia
de Hispânia, considerava como o maior, o melhor representante de Espanha,
digamos a melhor expressão de Espanha, sabem
quem? O Camões. Considerava que Os
Lusíadas eram a grande expressão literária de Espanha neste sentido.
P. – Ele próprio esteve em Espanha e
escreveu a sua História da Civilização
Ibérica...
R. – Pois, pois. Que é uma obra
notável, não é? É uma obra notável.
P. – Mas a nossa intelectualidade
tende a diminuir o valor de autores como Oliveira Martins, Teófilo Braga e até
talvez mesmo Antonio Sérgio. No fundo, e sobretudo no caso da filosofia
portuguesa, não tem havido uma marginalização dessas grandes figuras? E da
cultura face à Universidade?
R. – Essas coisas são muito
complicadas. Repare: se houvesse uma relativa aproximação intelectual certas coisas deixavam de existir, barreiras… e as barreiras
são sempre uma razão de privilégio para professores, para políticos, etc. etc. Mas eu penso que a verdadeira solução
seria aquela que existe nos países escandinavos. Os países escandinavos
constituíram uma espécie de federação sem nome, «sans la lettre», uma federação
em que para passar dum país para o outro não preciso de passaporte. A gente
está na Dinamarca, passa para a Suécia e passa para a Noruega e tudo isto é
um conjunto em que politicamente são Estados separados, mas a gente tem a
sensação de estarmos numa região cultural. Era uma coisa assim que nós devíamos
pensar mas o problema é que depois essas coisas são especuladas, são
exploradas...
P. – Mas essa federação de tipo
escandinavo também poderia tornar Portugal numa Galiza, ou não?
R. – Não, a Suécia e a Noruega são
países completamente independentes.
P. – Sim, mas entre eles não há aquele
desequilibro ou aquela tendência hegemónica e, ao mesmo tempo, de
superioridade...
R. – Há, pelo menos no caso dos
suecos.
P. – Nós, por exemplo, da parte dos
intelectuais espanhóis vemos a posição dum Miguel de Unamuno que conhecia
bastante a cultura portuguesa e tinha um interesse nisso e, ele próprio era
basco e tinha essa dimensão da Espanha, mas já vemos por exemplo um Salvador de
Madariaga que se refere várias vezes a Portugal como alguma coisa que, digamos,
não está no seu lugar, que deveria estar politicamente unida a Espanha, dentro
de Espanha, absorvida por Espanha e, portanto, essa atitude cultural dos
espanhóis face a Portugal acaba por ser também hegemónica...
R. – Bem, ainda por cima os castelhanos
são pouco… compreensivos. Um castelhano só fala castelhano. Em qualquer parte
do mundo em que esteja.
A gente ouve, mesmo em Paris, um castelhano fala um francês de maneira que a gente percebe
imediatamente que ele é castelhano. Não sabe falar francês direito. O
português, esse, coitadinho, adapta-se, esse fala português mas pretendendo
falar francês e vem cheio de «pierre»,
«a gauche», etc. etc.
P. – Mas até que ponto os obstáculos à
superação desse divórcio cultural não serão mais a intolerância dos castelhanos
do que propriamente o ressentimento dos portugueses? Até que ponto a
intolerância não joga mais no sentido desse divórcio?
R. – É possível que sim, é possível que
sim. Quer dizer: nesse aspecto, só nesse aspecto (no resto não), mas nesse
aspecto linguístico os castelhanos fazem-me lembrar os ingleses. Os ingleses só
são capazes de falar inglês em qualquer parte que estejam.
P. – Mas, em compensação, essa adaptabilidade
dos portugueses é talvez uma sua virtude? O espírito provençal, de que já
falava o Keiserling...
R. – Olhe, eu não sei, não digo que
não nem digo que sim. Eu acho que os portugueses são muito acomodatícios.
Perdem facilmente o sentimento... por exemplo, os filhos dos portugueses em
Paris quase todos decidem ser franceses. É uma coisa que a mim me entristece,
não é? Um português acha sempre que o estrangeiro é melhor. Tem certas razões
para achar, quando se trata de um país mais desenvolvido, mas quando a gente vê
um país, como o País Basco, lutar pela sua personalidade, então percebe o que é
o nacionalismo, o que é o patriotismo.
P. – Mas esse sentimento de
inferioridade parece não ter existido sempre. Por exemplo o Lope de Vega
troçava do sentimento de superioridade de alguns portugueses («soy portugués,
soy el mejor»). Não haveria, após a fase áurea dos Descobrimentos, um complexo
de superioridade?
R. – Sim, é claro, de repente o
português descobriu... isto, aliás, é uma coisa um bocado difícil de explicar,
como é que o português fez os Descobrimentos e depois não fez mais nada, nem
tecnicamente, nem cientificamente, nem nada. Só literariamente. O português
teve no século XlX uma literatura bastante boa, com aquele grupo a que se chama
«geração de 70» e depois com o Fernando Pessoa, que é uma das grandes poetas do
mundo. Os castelhanos não têm nada comparável. Têm o Góngora, mas o Góngora é
um discípulo de Camões. Aliás, o Góngora é um dos indivíduos que homenageiam o
Camões.
P. – E Cervantes?
R. – Não me estou a lembrar de nada em relação ao Cervantes;
de que é que se está a lembrar?
P. – Mesmo há pouco, quando estava a
falar daquela obra do Oliveira Martins em que ele exalta Camões como uma das
grandes expressões culturais da Península, a Espanha terá o seu reverso não
propriamente em Góngora mas talvez em Cervantes ...
R. – Sim, sim. Bem, o Cervantes é
sobretudo um ponto de vista sobre a vida, não é? Sobre a vida em geral,
sobre a maneira de ser hispânica. O melhor exemplo de quixotismo que eu conheço
é o D. Sebastião. É um caso único. E talvez ele se inspirasse no D.
Sebastião...
P. – Então, vê-se, no fundo, como as
duas expressões máximas da literatura peninsular têm muito em comum...
R. – Sim, sim. O Camões adere
completamente à ideologia expansionista, que nós hoje chamamos imperialista,
etc. etc., ao passo que o Cervantes é um crítico, de certa maneira é um crítico, apresenta
as duas faces da coisa e ri-se um bocado com as desventuras do Quixote, como
sabe. Ao passo que o Camões... Camões é um dos homens que aconselharam ao D.
Sebastião a ida a Alcácer-Quibir. Isso não se pode pôr em dúvida, embora tenha
havido tentativas para, enfim,
interpretar o texto, etc., etc, mas isso está lá n’Os Lusíadas, nos últimos versos, não é? De facto, a conquista de
Marrocos era o grande projecto, sobretudo da nobreza, porque não foram os
jesuítas quem levou o D. Sebastião a Alcácer-Quibir.
P. – Há a ideia de que foi a formação do
D. Sebastião que o levou...
R. – Não, isso foi uma ideia feita
para desacreditar os jesuítas. Como sabem, o marquês de Pombal tinha um
verdadeiro Ministério da Propaganda contra os jesuítas e os jesuítas têm muito
que se lhes diga, não é? Mas nesse particular eles não queriam, estavam suficientemente informados para saberem que
não se conquistava assim Marrocos de qualquer maneira. Quem impeliu o D.
Sebastião para a África foi sobretudo a nobreza.
P. – Quando fala em D. Sebastião tem um
texto em que diz ser necessário fazer uma história política, sobre a
importância da loucura política. Isso liga-se um bocado também com a «Nova
História» do Marc Bloch e do Lucien Febvre. No fundo, esta «Nova História» não
tem vindo a ser uma História fragmentada, uma História lúdica: História da família,
História demográfica...? No fundo, até talvez uma negação da História; há
autores que dizem que a pulverização da História, a falta de um critério
unitário, acaba por levar à negação da própria História, ao fim da História. Em
França houve uma sondagem em que os estudantes liceais não sabiam quando tinha
sido a Revolução Francesa... A pergunta que nós lhe pomos é: até que ponto a
História, até como dizia o próprio Oliveira Martins, não deve ser mais um
programa de educação do que um programa de investigação para certos
investigadores e para certos historiadores, que talvez descuram um bocado o
papel formativo da História?
R. – Olhe, eu, sobre o papel formativo
da História, tenho muitos embargos a pôr, porque a História tem a função
principal de reforçar a nacionalidade. A História de França, por exemplo. Se
ler o Michelet, ele conta a História de França desde o tempo dos gauleses e
começa por fazer um elogio dos celtas à custa dos iberos, precisamente para
estabelecer as fronteiras onde começa a França. Portanto, a História é no fundo
uma mitologia com que se pretende reforçar a educação patriótica das pessoas.
Isto é o que eu acho e, nesse aspecto, é extremamente negativo: já repararam
que nós sabemos os vários períodos da História de Portugal mas sobre o período
filipino há um «black-out»? Não sabemos nada. Ninguém estudou o período
filipino.
P. – Essa «História oficial» tende, por
exemplo, a esmagar o papel das minorias. Tem falado muito no papel do conde
Sesnando, dos moçárabes. A cultura moçárabe tem vindo a ser obscurecida por uma
«História oficial». Por exemplo, o Gilberto Freyre falava muito do papel árabe na cultura portuguesa que é
obscurecido pela «História oficial»…
R. – Pois. Quer dizer, a «História
oficial» é feita de acordo com a ideia de Reconquista, a Reconquista que era
feita pelos portugueses, castelhanos e navarros e, por consequência, é feita de
cima para baixo, da montanha para a planície. E isso corresponde a uma ideia
que até está bastante divulgada; é uma guerra feita por bárbaros contra o mundo
civilizado. É que o mundo árabe era o mundo civilizado, urbano; e os homens das
montanhas, lá de cima, da Galiza, da Serra da Estrela, etc., eram desgraçados
que andavam à procura de pão, deslumbravam-se com essas cidades que iam
encontrar. Aqui há talvez uma deformação mas era preciso um bom estudo a esse
respeito.
.
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P. – Vimos então que essa
fragmentação da História, a falta dum critério unitário … mas actualmente está
a proceder-se em França à elaboração de uma «Grande História» por autores
vindos da «Nova História» - Georges Duby, Le Roy Ladurie, etc.
e, no fundo, o critério que eles vão buscar é o critério político, estão a
fazer uma História Política de França, acaba por se voltar aos tempos
anteriores à «Nova História»...
R. – Mas, olhem, a razão é esta – e já há pouco lhes falei – é que a política
é a convergência de múltiplos factores, na política convém encontrar-se a
psicologia, a psicologia das massas, dos estadistas, etc., os conflitos
económicos, o ideal... Oliveira Martins dizia por exemplo que a Espanha, a
Espanha neste sentido alargado, tinha um ideal, que era o heroísmo, e que a
grande expressão do heroísmo eram Os
Lusíadas. É isso que encontram na política, através do heroísmo encontram o
Salazar, por exemplo, quando ele fala do “orgulhosamente sós”, era ainda esta
ideia, a ideia heróica que permanecia. Assim como o Franco, quando fez a Guerra
Civil, armou-se em reconquistador, era um reconquistador que veio de baixo,
veio pela Andaluzia e saiu de Marrocos mas, enfim, às pessoas não importa nada
o disparate. A grande ideia da História de Espanha é a Reconquista, a luta
contra o Mouro e, portanto, se essa é a grande ideia, é a ideia que de certa
maneira forjou as nacionalidades hispânicas.
E, evidentemente, a História assim já está deformada.
P. – Portanto, a política é o critério unificador?
R. – É o critério unificador, não
tenha dúvidas que é.
P. – Isso na História Geral, mas na
História da Cultura qual será o critério? Será a nacionalidade? Por exemplo,
diz que a evolução da cultura se secciona em partes independentes, mas que é necessário encontrar um fio condutor.
E, no fundo, esse fio condutor é a
nacionalidade? É a Nação?
R. – Bem, literariamente é pelo menos a língua.
P. – A respeito da língua, afirma que
Portugal começou inicialmente por ser um espaço linguístico. E actualmente,
feita a descolonização, o que resta dum espaço linguístico pluricontinental? O
que poderemos fazer para o manter?
R. – Olhe, a primeira coisa é falar bem português e o português está
a ser estragado. Realmente, a melhor
defesa da nacionalidade é a própria
língua.
P. – «A minha pátria é a Língua
Portuguesa»...
R. – O Fernando Pessoa dizia isso, é uma frase célebre e é verdadeira. Agora, a importância, o culto, digamos, do rigor da língua, a conservação do
espírito da língua… Por isso é que dou muita importância ao ensino da língua, contra o qual havia muitos graffiti nas paredes: «Abaixo o
Português». Enfim, toda uma campanha contra o ensino do português. Eu acho isso
lamentável, tanto mais que há imensa gente que não sabe escrever português, inúmeros indivíduos com cursos superiores, sobretudo
engenheiros, etc. não sabem, não sabem... Um homem do povo, que não tem preocupações
de ser intelectual, fala muito mais naturalmente a língua, e muito melhor… com
muito mais saber ... saber dizer as coisas, sem ser com palavras complicadas.
P. – Mas, por exemplo, actualmente
existem propostas para iniciar uma via profissionalizante cada vez mais cedo. Aos treze anos começa-se uma via profissionalizante e mantêm-se duas disciplinas apenas...
R. – Olhe, eu não conheço o
Ministro da Educação, nem sei quais são os seus projectos porque
realmente não sou muito dado à leitura de jornais, nem à rádio e,
portanto, não sei quais são os projectos dele. No entanto, ele disse algumas
coisas interessantes no discurso que fez no Parlamento, uma delas, por exemplo,
que a infância é a vida. É um homem inteligente.
P. – Mas começar uma via
profissionalizante só com duas cadeiras – Português e Matemática – não faz com
que a infância deixe cada vez mais de ser uma vida?
R. – Sim, isso é verdade. Olhe, eu tinha imaginado no Dicionário Crítico – que é a
coisa mais completa que tenho sobre educação – escolas, que seriam quintas, uma
coisa parecida com os kibutzim,
escolas em que a criança aprenderia as coisas pelo exercício: aprenderia a
democracia, por exemplo, pelo respeito das regras dos outros, pelo respeito
pela personalidade dos outros, aprenderia a língua pela necessidade de falar,
mesmo publicamente, aprenderia a escrever pela própria necessidade de escrever.
Tinha de haver um certo dogmatismo no ensino das línguas, do escrever e pouco mais. E aprenderia as ciências da
Natureza pelo cultivo da terra. Eu imaginava assim uma utopia destas e ainda
não desisti completamente dela.
Simplesmente, agora Portugal está metido numa alhada terrível por causa
da CEE, porque Portugal quer integrar-se numa civilização à qual sempre foi
alheio. A Península Ibérica não é Europa,
a Península Ibérica é o istmo entre
a Europa e a África. Só a Catalunha, a região da Espanha até ao Ebro, é que, de certa maneira, um país europeu,
mas do Ebro para cá isto não é nada europeu.
P. – E nessa escola ideal como veria a
relação entre o professor e o aluno? O sistema de tutor tipo anglo-saxónico?
Não tem nenhuma ideia sobre una utopia universitária?
R. – Não, eu só fiz utopia para o
ensino primário e secundário. Para o superior é mais fácil encontrar modelos
nos países chamados adiantados como a Inglaterra, América, etc.
P. – Com esse sistema do tutor? Nas
nossas universidades estamos a ver os professores delegarem nos assistentes as
suas funções, o professor acaba por ser o titular dum cargo que muitas vezes
não exerce, são os assistentes, muitas vezes sem preparação, que dão as aulas.
Não há relação do aluno com o professor…
R. – E nem sequer há relação do professor com
o assistente, começa por aí. Agora o assistente é assistente da comissão
científica, não é do professor. De maneira que assim torna-se muito difícil
criar uma «escola». Estou pensando por exemplo na linguística. Como sabe, há
diversas orientações na linguística – há uma orientação mais do tipo
matemático, de ciências exactas e há uma orientação mais do tipo
particularista, que é aquilo que se chama Filologia. Mas realmente, cada uma
dessas orientações exige um acompanhamento e uma descendência do Mestre, a qual
se pode achar actualmente no assistente. Hoje o assistente não sabe de quem é
que é assistente; é assistente dum professor qualquer. Reparem: numa comissão
científica podem existir orientações muito diversas e, portanto, o assistente
pode ser submetido a métodos completamente diferentes, incompatíveis entre si.
Por exemplo a linguística que eu chamaria lógico-matemática é uma coisa
completamente diferente, tem um espírito completamente diferente, da
linguística filológica, da linguística textual, que antigamente se chamava
Filologia. Todavia, o assistente pode ser ora assistente de um, ora assistente
de outro, não chega a formar-se completamente.
P. – E como é que vê a Universidade
como o termo do ensino liceal, ou seja, após o ensino liceal como é que surge a
Universidade? Surge como algo de natural, de continuidade, ou como uma forma de
estudar completamente diferente?
R. – Ora bem, no fundo, a
Universidade é uma escola de especialização. Evidentemente, uma especialização
que pode abranger uma matéria muito vasta e, especialmente, uma especialização
que tem um certo nível filosófico. A disciplina fundamental nas Universidades
é, parece-me a mim, a Filosofia. E assim como há uma especialização de tipo
humanístico, pode haver uma especialização de tipo tecnológico. Mas, para isso,
é preciso que os liceus dêem uma formação relativamente completa, que
abrangesse também estudos humanísticos.
P. – Vê então esse humanismo como uma
consciência crítica do progresso tecnológico?
R. – Sim, tem que ser uma consciência
crítica, evidentemente.
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.
P. – No livro A Cultura em Portugal revela alguma admiração pela obra de
Keiserling, Annalyse Spectrale de l’Europe. Keiserling acaba por fazer
ressaltar o espírito provençal, uma certa luminosidade, uma abertura dos
portugueses, que não vê nos castelhanos, mas, no fundo, a opinião dele é um
pouco negativa sobre os portugueses, é um pouco a opinião de António Vieira...
R. – Quer dizer, os portugueses devem
assumir a sua existência como defesa contra os castelhanos. No fundo, é isso
que ele defende, que ele diz. Sentem-se obrigados a reagir...
P. – Há bocadinho falámos na obra de Oliveira
Martins. Na realidade, lembro-me, pelo menos quando andava no liceu, que os
professores de História e Português menosprezavam um bocado Oliveira Martins,
porque não era propriamente um literato nem era um historiador, era assim uma
coisa... Mas, ao mesmo tempo, eu comecei a interessar-me e comecei a lê-lo e
pareceu-me que havia ali uma espécie de pensamento... Qual é no fundo o valor
actual que vê nessa obra tão vasta e que é tão mal conhecida?
R. – É de facto um homem muito
discutível mas, por isso mesmo, é que é muito interessante. Se não fosse
discutível, por exemplo… agora ia falar duma pessoa, mas não vale a pena... não
digo quem é, mas não é nada discutível aquilo que lá está: são números, são
estatísticas, são coisas assim, não
se discute. Bem, o Oliveira Martins, esse fala da psicologia das pessoas, da maneira
de ser, fala, por exemplo... é o homem
que chamou a atenção para o sebastianismo, é ele que apresenta o sebastianismo como um fenómeno
colectivo português.
P. – Não será antes, como apresentam
versões mais modernas, um messianismo? Uma tendência messiânica desligada um
pouco do sebastianismo. No fundo, o sebastianismo é um fenómeno mais datado;
agora, retirar daí um messianismo, esse sim é que parece ser uma vertente
cultural ou constante da mentalidade portuguesa...
R. – Pois claro.
P. – Mas voltemos aos números e à
História. A «Nova História» limitou-se a substituir os nomes dos reis pelas
flutuações de preços de cereais...
R. – Mas não dizem nada! Eu conheço
uma história, que não se passou comigo mas passou-se com uma pessoa que me está
muito próxima, que tinha que fazer um estudo não sei sobre que cidade
brasileira, uma coisa assim, e fez números, números, números… - era uma
cidade em relação à qual existem muitos números, e depois fez muitos números,
era sobre o açúcar, creio eu - e a pessoa que estava a ouvir
perguntou-lhe: «então, e qual é a conclusão?» e eles ficaram muito atrapalhados
e disseram «pois é, isso é que nós queríamos saber... Não somos capazes de
tirar nenhuma conclusão daqui». Realmente, há muitos casos em que não é preciso
tirar conclusões ou, então, tiram-se falsas conclusões.
P. – Isso não terá sido uma
influência do marxismo sobre as ciências sociais?
R. – Eu creio que do marxismo e do
positivismo ao mesmo tempo, porque o nosso marxismo – é uma coisa curiosa – o
nosso marxismo, é engraçado, é profundamente positivista, porque o positivismo
foi a filosofia que se implantou mais em Portugal e no Brasil (por via de
Portugal).
P. – E no Brasil foi
levado até um extremo ainda maior. Haviam lojas positivistas…
R. – E havia o culto
positivista. Mas sobre essa formação positivista é que se implantou o marxismo,
digamos, quase que já nada hegeliano, por isso é que um marxismo que se costuma
dizer, automatista ou qualquer coisa assim... Mas, como dizia – isto é do
Unamuno – o Unamuno dizia assim «os portugueses têm menos espírito filosófico
que os castelhanos que os espanhóis – ele dizia espanhóis – se bem que os espanhóis já tenham muito pouco». Quer
dizer, os portugueses ainda conseguem ter menos. É isto, não é? Uma coisa que
falta em Portugal é o espírito filosófico. Temos um António Sérgio, enfim, que
pelo menos chamou a atenção para certas coisas, mas mesmo em relação a Espanha
não temos um homem da categoria de um Ortega y Gasset.
P. – E qual o juízo que
faz do chamado movimento da filosofia portuguesa: Álvaro Ribeiro, José Marinho,
etc.?
R. – Eu já falei nisso.
Não percebo, não consigo descobrir onde é que está a filosofia portuguesa.
Houve um tempo em que se dizia que o Montaigne pertencia à filosofia portuguesa
visto que tinha nascido de um casamento com uma portuguesa. Se a filosofia
portuguesa é isto, não sei...Bem, mas eu estou certamente e fazer uma crítica
maldosa...
P. – É o mesmo juízo que se faz em relação a Espinosa...
R. – Ah, pois é! Pois é! Espinosa o
que é, é um judeu, nascido na sinagoga, que emigrou, pronto, como tantos. Os judeus
tinham geralmente um nível intelectual elevado porque não havia judeus analfabetos e bastava isso para os elevar e
promover numa sociedade que era em grande parte constituída por analfabetos.
P. – Outra coisa: hoje em dia as pessoas falam muito da obra de Luís de
Camões, mas, no fundo, como se fosse uma obra morta. Será que as obras culturais morrem também? E,
concretamente, qual o seu valor hoje em dia, como é que devemos ler Camões?
R. – Eu acho que tenho dado umas
aulas interessantes sobre Os Lusíadas,
têm interessado bastante os alunos. O que é preciso é não as ler
superficialmente, tem que se ler com muita atenção, duma maneira viva,
discutindo, interpretando, etc. Eu creio que é possível... o Pessoa está vivo –
não sei se conhecem, mas está vivo – e quase todas as obras morrem, até porque
a língua envelhece. Mas, por exemplo, um homem como Gil Vicente, eu acho que é
um homem... o maior homem de teatro que nós tivemos. Ainda hoje basta ler um
bocadinho de Gil Vicente para a gente se começar a rir, para a gente visualizar
imediatamente situações. O que se passa é que a gente perde essa preparação
linguística, mas por exemplo se o senhor for educado na aldeia e conhecer um
bocadinho o vocabulário da aldeia basta-lhe isso para entender Gil Vicente. Eu
conheço uma mulherzinha que é minha comadre na aldeia dos meus pais que fala
como Gil Vicente. O Gil Vicente percebe-a com certeza melhor do que eu: o mesmo
vocabulário, as mesmas expressões, as mesmas comparações, esse tipo de coisas.
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.
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P. – Falando dessa função lúdica da
cultura, do rir com Gil Vicente. Naquele confronto que existe sempre entre Eça
de Queiroz e Camilo. Camilo não é também um
exemplo dessa vertente lúdica ou humorística.
....R. – Sim, aliás, o Eça também.
....P. – Mas mais refinado...
R. – Sim, talvez, talvez, mais
afrancesado. Talvez... Camilo... mas olhe, eu deveria abster-me de dizer isto,
mas no fundo eu não aprecio muito o Camilo. Isto é uma questão de gosto. Ele
tem coisas engraçadas, A queda dum Anjo,
por exemplo, é engraçado, mas... não é autor do meu tempo, já há uma certa
distância histórica em relação a ele, ao passo que o Eça, se pudesse estar no
meio de nós, começava a falar e a gente começava todos a rir, a interessar-se,
etc.
P. – Voltando à influência do
positivismo: é claro que houve una influência muito grande do positivismo no
Brasil, mas também houve uma grande reacção. Há aquele episódio de Canudos, do
António Conselheiro...No fundo é o choque duma cultura que vem de fora, essa
é a ideia de António Quadros.
R. – O António Quadros diz muita
coisa…. Não, Canudos... aquilo é um país disperso, em que o nível de cultura
das massas é baixo. Mas isso não tem nada que ver com o positivismo.
P. – Mas o Sampaio Bruno é um exemplo
dessa reacção...
R. – Sim, o Sampaio Bruno é outra
coisa. O Sampaio Bruno é um homem que vale a pena ler, insere-se na polémica
anti-positivista, mas eu creio que Canudos… Quem vê bem aquele episódio de
Canudos é aquele cineasta brasileiro que esteve aqui há anos, o Glauber Rocha.
P. – E na obra de Euclides da Cunha, Os Sertões. Também o Mario Vargas Llosa
escreveu a História da Guerra do Fim do
Mundo sobre o episódio de Canudos...
R. – Bem, no fundo Canudos é um
fenómeno de um país profundamente cristianizado.
P. – E até que ponto é que o
positivismo não deformou o século XIX e ainda hoje se nota bastante? Em Direito
ainda hoje se tenta muito reagir contra esse positivismo. Até que ponto esse
positivismo não será também uma atitude mental mais fácil?
R. – Não sei, é uma atitude dogmática,
é uma atitude pouco especulativa, pouco inquisitiva. Desgraçado país...olhe,
esta coisa é espantosa: quando veio o 25 de Abril houve a ideia da criar
cadeiras de materialismo dialéctico, como se as pessoas não tivessem já
bastante disso, não é? E eu uma vez assisti a uma sessão na Faculdade de
Letras, de comemoração não sei de quê, e disse: «o que é preciso não é criar
cadeiras de materialismo dialéctico, é criar cadeiras de idealismo dialéctico,
isso é que os portugueses não sabem». A falta
de especulação…, mas caímos sempre
na mesma coisa: aqui nós, no extremo da Europa, somos um país entre areias,
pinhais e calhaus... No fundo, isto é o fim, é o fim da Europa, não é?
P. – O exemplo das cadeiras de
materialismo dialéctico... Havia uma certa hegemonia marxista...
R. – Havia.
P. – E, ultrapassada essa hegemonia
marxista, criou-se se uma certa
situação de vazio nas Ciências Sociais …
R. – Pois é, pois é, precisamente
pela nossa incapacidade filosófica.
P. – Mas essa incapacidade filosófica
é um defeito da nossa cultura ou a nossa cultura define-se à margem da
Filosofia?
R. – Não sei, há coisas que nunca se saberão.
P. – Mas, à parte de não existir essa
tendência filosófica, o português deve ser talvez um dos povos que mais gosta
de discorrer sobre si próprio. Há uma tendência de autognose e de autocrítica
constante, no fundo isso talvez seja a substituição da filosofia que não
temos...
R. – Mas isso pode ser um sentimento
de insegurança, em primeiro lugar em relação aos espanhóis. Portugal está sempre
a interrogar-se sobre si próprio porque tem à porta o vizinho espanhol e começa
logo por duvidar de si próprio.
P. – E então essa insegurança não
levou ao estabelecimento duma relação política privilegiada com a Inglaterra e duma relação cultural com a França?
R. – Não, mas isso é completamente
diferente. A Inglaterra é um país
longínquo, é um país que não tem nada de comum connosco, é um país em que nós
só podemos aproveitar a tecnologia ou a economia. A Inglaterra
é um país colonizador, e é por isso que o Oliveira Martins detestou sempre a
Inglaterra, desde os primeiros tempos até à morte, porque ele achava que a
Inglaterra é que tinha dividido a Espanha,
tinha feito aqui uma testa-de-ponte, como em Gibraltar, e, portanto, favoreceu
esse movimento autonomista que existiu. Existiu naturalmente, é preciso dizer
isto; é preciso dizer que este país
tem peculiaridades diferenciais. Mas
em relação a
Inglaterra, o problema é que os ingleses foram sempre os exploradores disto. Quem é que fez o vinho do Porto? Por exemplo, agora até vinho
verde eles fazem …
P. – Então como vê a relação cultural com a Espanha?
R. – Eu vejo como solução uma
aproximação melhor, um melhor conhecimento da cultura portuguesa pelos
espanhóis, porque não têm nenhum.
Mas isto através sobretudo dos poetas. O Fernando Pessoa, por
exemplo, tem tido um grande sucesso em Espanha e aí está como, digamos, o
factor espiritual pode ter inclusivamente consequências materiais; por exemplo,
a quantidade de editores que estão agora a explorar o Pessoa, coitado, que
nunca recebeu um tostão por coisa nenhuma.
P. – Então e, por exemplo, aqueles
encontros de poetas galaico-durienses ou galaico-minhotos?
R. – Pois, isso está bem, nisso
acredito.
P. – Uma forma de relação com a
Espanha...
R. – Não é bem com a Espanha, é com a
Galiza. É que a Galiza não é Espanha. É Espanha politicamente mas eu geralmente
tenho a tendência para não ligar a essas divisões políticas. A Galiza é a Galiza.
Encontra-se, claro está, dentro das fronteiras de Espanha e, portanto, das autoridades
espanholas, da televisão espanhola e, portanto, enfim, do ensino da cultura
espanhola.
P. – Bem, não sei se o maçamos mais… Muito
obrigado.
R. – Não, mas olhe, foi muito bom conversarmos
porque estive imenso a falar de coisas em que habitualmente não penso e que
hoje estive a pensar.
António Araújo, Miguel Nogueira de Brito e Pedro Franco