Em resposta a um texto da minha autoria, intitulado “Clara Pinto Correia: adeus, princesa” (Diário de Notícias, de
25/2/2024), Clara Pinto Correia (CPC) publicou, no Página
Um,
um artigo em que põe em causa a minha honorabilidade profissional, questionando
a qualidade e o rigor do trabalho que desenvolvi.
Não vou tecer quaisquer comentários sobre a apreciação
que faz do meu texto, nem sobre os epítetos que me dirige (“homúnculo”,
“nulidade”, “a criatura”, “aprendiz de feiticeiro”, “o despistado”, “jornalista
limitado”, “apressado cronista de costumes”, “uma personalidade de todo em todo
alérgica a dar um passo dentro de uma biblioteca”).
Cingir-me-ei, tão-só, aos erros e supostas falsidades
que me imputa:
1 – Acusa-me Clara Pinto Correia de ter deturpado
uma frase da sua autoria (“este aprendiz de feiticeiro manipulou e não foi
pouco”). Segundo ela, a frase que escreveu foi “Numa lindas manhãs de sol, só
nós dois, a passarada, e o anel de benzeno.” E a que eu escrevi foi: “Só nós os dois
e a passarada, em manhãs muito lindas, cintilantes de sol de Inverno.”
Sucede, porém, que, neste texto da
sua autoria, que citei, constante da Newsletter da Faculdade de Medicina, nº 82,
de Outubro de 2018, o que está escrito é, ipisis verbis, “Só
nós os dois e a passarada, em manhãs muito lindas, cintilantes de sol de
Inverno.”
Portanto:
a) – a frase que Clara Pinto Correia
diz que escreveu não consta do texto assinado e publicado por ela na Newsletter
da Faculdade de Medicina;
b) – a frase que eu citei é a que
consta, sem tirar nem pôr, do texto que ela escreveu e deu à estampa.
Que Clara Pinto Correia não se
recorde de tudo o que escreveu, não é grave.
Grave é nem ter tido o cuidado de
verificar a sua prosa, antes de acusar levianamente os outros de a terem
deturpado.
2 – Acusa-me
Clara Pinto Correia de ser “um jornalista que pelos vistos tem preguiça de
investigar” e que o meu texto parece “escrito à pressa por um estagiário”, uma
vez que cometi um lapso ao dizer que ela é a mais velha de quatro irmãs.
Simplesmente, não foi um estagiário
que fez tal afirmação – pelos vistos, errada –, mas o decano dos jornalistas
portugueses, Adelino Gomes, num artigo saído no Público, em
26/12/2000, onde se refere textualmente “a professora
universitária e escritora Clara Pinto Correia, a mais velha de quatro irmãs”.
Pergunto-lhe apenas se considera
Adelino Gomes “um jornalista que pelos vistos tem preguiça de
investigar.” E agora?
3 – Clara
Pinto Correia desmente ter escrito livros de ficção científica.
Acontece que essa afirmação não é
minha, mas da Infopédia, a qual afirma que ela tem “a tendência para mesclar géneros romanescos (o policial,
a ficção científica)”. Aliás, a mesma Infopédia informa que o livro que
escreveu em parceria Mário de Carvalho tem “um pendor mais próximo da ficção científica”. De resto, e
para fim de conversa, Clara Pinto Correia participou no livro Ficções Científicas e Fantásticas, um género
que, diz agora, “eu francamente detesto.”
Que ela não se lembre do muito que
escreveu, não é grave.
Que não tenha procurado
informar-se, é lamentável.
4 – Clara
Pinto Correia refere que eu digo que ela casou em Las Vegas com Pedro Palma.
Não sou eu que o digo, é isso que se infere desta reportagem Correio da
Manhã, Vidas, de 16/1/2010, disponível aqui, para a qual, aliás, ela
contribuiu com declarações.
***
No texto que escrevi sobre Clara
Pinto Correia, omiti deliberadamente, como é óbvio, aspectos pessoais e íntimos
(v.g., os anteriores casamentos, os filhos adoptivos), só falando
daquilo que é do conhecimento público (v.g., os plágios, as fotografias
dos orgasmos), matérias sobre as quais, aliás, a própria se pronunciou
abundantemente em centenas de entrevistas e declarações à imprensa, que li na
íntegra, de fio a pavio, como, já agora, visionei dezenas de horas dos vários
programas em que participou.
Procurei, como sempre faço na série
“Prova de Vida”, escrever um texto equilibrado e justo para o visado, no qual,
note-se, classifico o seu livro Adeus, Princesa como “uma
obra-prima”, digo que o seu pai era “uma das maiores sumidades mundiais no ramo
da gastroenterologia”, afirmo que é “comovente” o relato que Clara faz dos
passeios com o seu pai, refiro que ela foi “a primeira jornalista portuguesa” a
escrever sobre o lince da Malcata, e que nas suas três carreiras – cientista,
jornalista, escritora – se destacou “quer pela exuberância do brilho, quer
pelo impressionante ritmo da sua produção.”
Mais ainda: refiro que, “como
cientista, publicou nas mais prestigiadas revistas do mundo” e, como escritora,
“publicou cinco dezenas de livros, ou mais, cobrindo todos os géneros.” Refiro
também que se doutorou “com louvor unânime” e que nos EUA teve o “período mais
fecundo da sua carreira.” Depois, saliento que fez, “e bem” (sic),
o que lhe deu na real gana, mas que acabou sendo “uma vítima não-inocente” do
paroquialismo do meio cultural português, que procedeu à sua “defenestração
implacável”, em parte por “inveja”, em parte por “atávica misoginia.”
Num balanço final, acrescento que
nunca se procedeu a uma avaliação isenta da sua obra, que permitisse “distinguir
aquilo que tem efectivo valor e interesse (quase todos os seus trabalhos de
divulgação de ciência, muitos dos quais pioneiros) daquilo que se
mostra mais duvidoso (praticamente toda a obra literária).”
Clara Pinto Correia por certo
estava à espera de um ditirambo acrítico – e acéfalo –, mas, temos pena, um
perfil biográfico não pode ser um derramar de elogios atrás de elogios sobre o
biografado. De resto, foi o facto de ter sido alvo, em muito nova, de um
processo de “genialização instantânea” que, como digo no meu texto, acabou por
marcar o seu destino e criar o ego desmesurado que, pelos vistos, ainda mantém.
O texto que escrevi, garanto-lhe,
não contém plágios, mas terá lapsos e erros. Em todo o caso, nenhum dos que
Clara Pinto Correia me aponta, sendo citadas todas as fontes de informação,
como convém, e que ela bem poderia ter consultado antes de ter posto em causa o
meu brio profissional e o rigor do meu trabalho, coisa que não fiz em relação
ao trabalho dela, bem pelo contrário. Julguei ter escrito um texto suave e
ponderado, compassivo e terno, mas Clara assim não o percebeu, o que é um
problema dela – ou, melhor, o que é o problema dela.
António
Araújo