segunda-feira, 5 de maio de 2014

O mundo é um lugar estranho.




Los Angeles, 11 de Abril de 2014.
Freeway 105 cortada: suicídio iminente

O grupo junta-se para uma selfie galhofeira

O grupo, com o suicida ao fundo, na rede de arame




Por razões que não vêm ao caso, tropecei no outro dia com a expressão «iconomania», cunhada no longínquo ano de 1956 por Günther Anders, como nos diz Hans Belting no grandioso livro A verdadeira imagem.
         Anders escreveu antes desta vaga avassaladora dos tumblr, do Instagram e das selfies. A notícia tem alguns dias, mas mantém actualidade. No passado mês de Abril, um potencial suicida ameaçou lançar-se para a 105 Freeway, em Los Angeles. A estrada foi encerrada durante mais de três horas, enquanto decorriam as negociações dissuasoras. Para matar o tempo, houve quem se lembrasse de tirar uma foto galhofeira, uma selfie canibalesca. Retrato de grupo com suicida ao fundo, poderia ser o título. A iconomania levada ao extremo da desumanidade. O suicida desistiu do seu intento, acabou detido. O grupo ficou com uma recordação da morte iminente. Se o homem se atirasse, ainda teria mais graça e piada! Que giro. Já houve também quem tirasse uma selfie logo após ter tido um desastre de avião. Escrever o quê, mais? O mundo é um lugar estranho.






12 comentários:

  1. Demasiado, às vezes. Assusta-me esta banalização da vida.

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  2. Parque de diversões para anões na China: http://www.slate.com/blogs/behold/2014/05/05/sanne_de_wilde_the_dwarf_empire_documents_a_dwarf_theme_park_in_china_photos.html

    ;)

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  3. Tenho ideia que há umas dezenas de anos houve um fotógrafo que foi galardoado com um prémio por uma fotografia que tirou a um suicida instantes antes deste se ter atirado duma ponte (em Nova Iorque?).
    O fotógrafo foi igualmente processado por não ter tentado dissuadir o suicida, mas safou-se e acabou apenas com o prémio.
    De então para cá o mundo não mudou e a natureza humana também não. A novidade é a banalização da tecnologia que permite evidenciar estes comportamentos.
    JM

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  4. Permite-me discordar.
    As highways de LA são uma ecologia à parte, quase merecedora de um estudo antropológico só para elas, indiosincráticas mesmo dentro da persistente mitologia da "american highway". O cinema já se aproximou delas, desde "Targets" de Bogdanovitch até, pasme-se (mas veja-se com atenção), "Roger Rabbit". Em todos os casos as LA freeways são ícones da absoluta solidão e incomunicabildade, a quintessência do "non-lieux" de Marc Augé. Daí o meu ponto (controverso): é extraordinário que, por qualquer razão, as pessoas tenham saído dos carros e convivido, a ponto de tirar um selfie. Não só isto é uma raridade, como a foto é impressionante: nela parecem estar todos os tipos de pessoas que vivem anonimamente em LA e doutro modo dificilmente se cruzariam numa imagem. Não vendo nenhum suicida ao fundo, a foto parece-me um instante, quase comovente, de relação humana, para o lugar e o tempo em que foi tirada.
    José Navarro de Andrade

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    1. Caro amigo Zé,
      Desculpa, posso concordar com toda a tua análise das highways de LA, mas os condutores sabiam que o trânsito fora interrompido pela ameaça de um suicídio e o potencial suicida aparece claramente visível e enquadrado na «selfie», não achas? O que eu gosto de ter um debate a propósito de uma fotografia!
      Grande abraço, do
      António Araújo

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    2. Excelente apontamento.
      Fez-me recordar os R.E.M. - Everybody Hurts e em cinema o belo "Falling Down".
      Já agora o selfie mais estúpido foi o de uma senhora americana que se fotografou segundos antes de se estampar nas traseiras de um camião morrendo. Foia há mais ou menos duas semanas.

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    3. Não consigo ver que o potencial suicida apareça visível na foto, que por sinal não é um selfie. Nada disto tem importância de facto para análise do assunto. Ou terá?

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    4. Caro João Alves,
      muito obrigado pelo seu comentário. Na segunda imagem, se reparar, existe um homem de camisa branca a tirar um «selfie», como, aliás, surge na notícia do L.A. Times. Esta foto de groupe, tem razão, não é um «selfie», mas ao lado estavam a tirá-los. Quanto ao suicida, quem colocou a imagem no instagram fala, não por acaso, de um «jumper» (http://instagram.com/p/moZ2G7MsQX#) Ele está na imagem, ao longe, sentado na rede ou grade de protecção. Poderíamos, claro, pensar que se trata de uma manipulação fotográfica, mas toda a história (por isso coloquei a primeira imagem, do trânsito cortado) é real. Pelo menos, tem um elevado grau de verosimilhança. Muito obrigado, uma vez mais, pelo seu comentário.
      Cordialmente,
      António Araújo

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  5. Também não deixa de ser estranha a quantidade de gestos que fazem para as câmaras; parece que estão a tentar comunicar com surdos

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  6. A costa leste também teve o seu momento:

    http://nypost.com/2013/12/04/selfie-ish-woman-snaps-cellphone-shot-with-suicidal-man/

    No final da notícia, uma fotogaleria de «selfies que é um hino absoluto à demência como normalidade.

    Carlos

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    1. Muito obrigado, desconhecia em absoluto essa história!
      Cordialmente,
      António Araújo

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  7. História interessante que ainda não conhecia:
    http://www.slate.com/articles/health_and_science/science/2014/05/phineas_gage_neuroscience_case_true_story_of_famous_frontal_lobe_patient.html

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