impulso!
100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !
# 99 – RUDRESH
MAHANTHAPPA
Fotografia de Ethan Levitas
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Desde logo o nome interpela a
curiosidade biográfica – como veio ter ao jazz alguém de apelido indiano? Filho
de um catedrático em física quântica, Rudresh Mahanthappa cresceu em Boulder,
nas faldas das Rocky Mountains do Colorado, estampa idílica de cidadezinha
universitária americana, onde a vida não poderia ser mais aprazível e
gentrificada. Não foi todavia em casa que Rudresh se cativou com a música dos
seus ancestrais, mas durante o curso de jazz no selecto Berklee College of
Music. Após um doutoramento em composição na DePaul de Chicago, onde se deixou
permear pela vocação vanguardista local, granjeou uma Bolsa Guggenheim para pesquisar
o sofisticado e antigo sistema musical Karanataka Samgita do sul da Índia, que
em alienígena se denomina de “música carnática”. Um itinerário que, apesar do
aroma de exotismo, é afinal americano de gema: o filho de emigrantes, mesmo que
de alto coturno, que porfia por se inscrever na tradição, espigando uma voz
singular por via da mestiçagem.
Charlie Parker apossou-se do saxofone
alto, muito mais do que fizera Louis Armstrong com o trompete. Neste
instrumento, para além de alcançarem um estilo pessoal, Dizzy Gilespie e Miles
Davis, e depois, menos consensualmente, Wynton Marsalis, vieram reinventá-lo e
redefini-lo. No caso do saxofone alto pareceria proeza impossível recompor as
balizas harmónicas que Bird estremou, como se o tivesse esgotado. Claro que na
posterior crónica do jazz não faltam nomes que lograram uma voz sucessora de
Parker, sem que a rotulassem de epígona: Sonny Stitt, Art Pepper, particamente
coevos dele, “Cannonball” Adderley, de quem se quis fazer seu herdeiro. Mas
desbravadores como Lee Konitz, Ornette Coleman e Eric Dolphy, por exemplo, só
conseguiram desprender-se desta legado remontando até às origens (Johnny Hodges
e Benny Carter, pois claro, os Faróis de Alexandria do saxofone alto na era do
swing), onde pudessem inflectir por diferentes caminhos.
Foi então ao instrumento mais
estigmatizado do jazz que Rudresh Mahanthappa entregou a a sua criatividade. Como
ilustração didáctica, o músico, numa entrevista, fez um ângulo de 90º com a mão
e disse: “Charlie Parker é assim” e depois abriu ligeiramente para 105º: “eu
sou assim”. No seu percurso Rudresh deixa-se, “assim”, transportar pelos
predicados harmónicos da música carnática, orienta-se pela estrela polar das
elaborações melódicas de Ornette Coleman e caminha bem assente no chão desse
género musical que se identifica tradicionalmente como jazz. Desta mistura
explosiva resulta uma alta voltagem sonora que daria para iluminar uma cidade
se a ligassem à corrente.
Apex
2010
Pi
Recordings - 3564
Rudresh
Mahanthappa, Bunky Green (saxophone alto); Jason Moran (piano); François Moutin
(contrabaixo); Jack DeJohnette, Damion Reid (bateria)
A arte da conversação será um dos
fascínios do jazz de sempre, que o sobressai doutros géneros, mais atentos aos
custos do que aos ganhos da reciprocidade, do desafio e da permuta entre
personalidades musicais. O que faz de “Apex” uma obra esplêndida é, portanto, a
labareda que se desprende do encontro entre um jovem impetuoso como Rudresh e a
chama prometaica do veterano Bunky Green, 85 anos que já deram a volta ao mundo
do jazz, desde as essenciais formações de Charles Mingus do início da década de
60, até ao ensino académico, donde tem vindo a exercer um magistério de
influência, tutelando, por exemplo, o frutuoso movimento M-base, promulgado pelos
discípulos Steve Coleman e Greg Osby.
Dois saxofonistas altos, como Rudresh
Mahanthappa e Bunky Green, de gerações diferentes e disposições musicais tão
díspares quanto as vidas que percorreram para aqui chegar, quando tudo parece
separá-los é quando mais pontos de contacto acabam por serem revelados no dueto
por eles formado. No tema “Summit”, cada um dos saxofonistas gera um turbilhão
de colcheias que vai correndo pela secção rítmica e termina num apex
(precisamente) de grande comunhão colectiva, revelando o extremo classicismo da
sua arquitectura. O tema imediatamente a seguir é “Soft”, uma balada de
andamento quase lírico, que evolui segundo as mesmas ordenadas. De certo modo
estas duas composições são o mise en
abyme de “Apex”, que nunca deixa de emular os princípios universais do jazz
– que o atravessam do ragtime ao swing e do bebop ao free – aqui formulados de
maneira tão fundamental quanto particular. Resta assinalar que, como de costume
o que está atrás é tão importante como o que se apresenta na primeira linha. De
modo que as investidas de Mahtanthappa e Green dependem da logística rítmica
fornecida quer pelo primaveril Jason Moran, um dos mais cativantes pianistas
que emergiram neste século, quer pelo outonal Jack DeJohnette (nalgumas
faixas), que em “Summit” assume um protagonismo entusiástico.
É pouco provável daqui a dez anos ouvir-se
“Apex” como percursor do que seja, mas vai uma apostinha que os vindouros escutá-lo-ão
como um cume na acidentada cordilheira do saxofone alto no jazz?
José Navarro de Andrade
Adoentado, breve apresentarei este senhor a leader e depois numa grande molhada.
ResponderEliminarAté breve.
As melhoras!
ResponderEliminarUm abraço,
António Araújo
Este sinceramente não conheçia de todo embora conheça alguns dos acompanhantes como o Jason Moran e o Jack baterista.Tentarei travar conhecimento.
ResponderEliminarMelhoras F:A
Espero que recupere depressa FA.
ResponderEliminarFerol: vai gostar de certeza, o homem tem uma energia notável.
Abraço, amigos.
José Navarro
Aproveito para agradecer novamente, aqui, a todos.
ResponderEliminarEm recuperação, como o País.