Se pesquisar a
palavra «svalka» no Google, a primeira coisa que lhe aparecerá é uma gama de
copos da Ikea. Copos de vinho branco, copos de vinho tinto e, para ocasiões
festivas, flûtes de champanhe e copos
para snaps. A 0,69€ euros a unidade.
http://www.ikea.com/pt/pt/catalog/products/20286898/ |
Além de uma produtora de música
nórdica, a outra coisa que lhe aparecerá, se pesquisar a palavra «svalka» no
Google, será uma loja de roupa em Moscovo, no nº 27 da Profsoyuznaya. Em
Moscovo também há (ou, pelo menos, houve) um clube nocturno com esse nome, onde
tocavam bandas heavy metal, todas com nomes
sinistros e satânicos.
Moscovo é a
cidade que, segundo a revista Forbes,
possui o maior número de milionários por metro quadrado do mundo. Talvez por
causa disso, porque os muitos ricos geralmente fazem muito lixo, a capital da Rússia
acumula uma quantidade incomensurável de detritos. E um lixo, naturalmente, vai
para a lixeira – a svalka. A svalka é a maior lixeira a céu aberto de
toda a Europa.
Um
dia, com calma e vagar, gostaria de falar aqui de Alexander Gronsky. As suas fotografias
sobre os subúrbios de Moscovo, reunidas no livro Pastoral, são fabulosas, ainda que desoladoras. Mas Gronsky nem foi
à svalka. Poucos lá vão. A polícia,
corrompida pelas máfias, não deixa que os jornalistas entrem na lixeira que
se agiganta a céu aberto a poucos quilómetros da Praça Vermelha. Ou seja, não
muito longe das casas faustosas dos oligarcas, onde escorre o champanhe em flûtes que certamente não serão da marca
Ikea. A Ikea é uma marca vulgar, para o Ocidente massificado e democrático.
Ali, em Moscovo, quem pode só consome luxo; quem não pode, sobrevive no lixo. A svalka fica na radial de Moscovo e só lá entram os camiões que vão depositar mais e mais lixo.
A polícia
não deixa ninguém entrar na svalka,
nem jornalistas, nem assistentes sociais. Por uma razão simples: a svalka é um território controlado pelas
máfias, que dominam o trabalho escravo dos recolectores de lixo. Na svalka, a moeda em circulação não é o
rublo ou o dólar, é a vodca. E aí vivem centenas de pessoas, de todas as
idades, esmagadoramente crianças ou adolescentes. Não há médicos que lá entrem.
Na svalka nascem crianças e morrem
pessoas sem qualquer assistência médica. Há quem corte os próprios dedos,
quando congelam, para evitar a progressão da gangrena.
Quem quiser mudar de vida, trabalhar
para outro patrão, trocar de amo e senhor, fugir dali, arrisca-se a ser espancado até à
morte. Tudo isto não se passa na Índia ou no Rio de Janeiro. A svalka está na Europa. A lixeira
colossal, cercada por arame farpado e cães ferozes, fica a 20 quilómetros de
distância da sede do poder da Rússia, o Kremlin de Putin.
Como pouco sei da svalka, limito-me a seguir a sinopse do documentário da realizadora polaca Hanna Polak
intitulado em inglês Something Better to Come,
também chamado Yula’s Dream. O filme
é uma produção dinamarquesa que retrata o quotidiano de uma jovem adolescente,
Yula. O título baseia-se numa frase de Gorki: «Todos vivem à espera que
algo melhor aconteça». Yula sonha com mudar de vida. Hanna Polak, que em 2005
já havia sido nomeada para os Óscares pelo filme The Children of Leningradsky, anda há muito em combate pela causa
das crianças de rua (o filme foi feito em parceria com a Active Child Aid). Durante muito tempo, acompanhou o quotidiano de
Yula, as suas grandes esperanças. O filme segue-lhe as pisadas desde
os 11 anos até à sua idade actual, 25 anos, quando Yula conseguiu
libertar-se da svalka e do seu abraço
pestífero. Uma odisseia que durou mais de uma década. Apesar de viver ali, rodeada pela gangrena impura, Yula riu, chorou, partilhou pedaços de pão com os seus
companheiros de destino, enamorou-se, engravidou, foi mãe.
Na
svalka, quando o documentário foi
feito, viviam cerca de 1000 pessoas, em barracas periclitantes onde grassavam
a violência e as violações, na mais absoluta miséria. De acordo com as
estatísticas oficiais – repete-se: as estatísticas oficiais – das autoridades
russas, 13% da população vive abaixo do limiar da pobreza extrema. Qualquer
coisa como 18 milhões de pessoas, a maioria das quais crianças.
Obrigado, Teresa.
Obrigada, António.
ResponderEliminarnão consegui perceber como é que se consegue ter acesso ao documentário completo. Alguém faz ideia?
ResponderEliminarO filme ainda não está no «circuito comercial». Foi exibido a semana passada no festival de cinema documental de Varsóvia, possivelmente será exibido cá daqui a uns tempos.
EliminarSabe o que achei mais impressionante (e nem sequer contei) ? Muitas das crianças que aparecem morreram durante os anos de rodagem deste documentário.
Cordialmente,
António Araújo
Estas é que são as coisas que eu gostaria de não ver. Enão por ignorância, mas por não haver tal miséria...
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