Almeida Santos e a bravura do Exército Português
Se se fizer o cômputo das pastas ministeriais sobraçadas
pelo Dr. António Almeida Santos, durante os primeiros tempos do regime ou
regimes instaurados após a Revolução de 25 de Abril de 1974, é natural que se
chegue à conclusão de que nenhum outro político português sobraçou tantas
pastas como ele.
À guisa de
metáfora, e parafraseando, ocorre-me, a este propósito, referir as palavras que
Almeida Santos proferiu perante o Capitão Armando Marques Ramos e o abaixo-assinado,
por ocasião de um encontro a três, em Lisboa, quando Almeida Santos era
Ministro da Justiça, durante o primeiro governo constitucional. Ao
perguntarmos-lhe se era muito complicado e trabalhoso gerir esse ministério, respondeu-nos,
sorrindo, que se tratava de uma espécie de oásis, em comparação com as duas
pastas que tinha sobraçado anteriormente: a de Ministro para a Coordenação
Territorial, durante os quatro primeiros governos provisórios, e a de Ministro
da Comunicação Social, durante o sexto governo provisório. Que ainda lhe
sobejava o tempo para elaborar as leis destinadas praticamente a todos os outros ministérios,
dado que a maioria dos indivíduos que estavam à frente deles pouco ou nada
sabia de Direito e, por conseguinte, de feitura de leis. (Foi apoiado nestes
vastos predicados de Almeida Santos e na sua rara habilidade para se movimentar
como peixe na água por todos os meandros da coisa pública que o Capitão Ramos
aproveitou a ocasião para proclamar que Almeida Santos era o Camões da
Revolução, elogio que Almeida Santos saboreou sorridente.)
Ora
sucedeu que chegou o momento em que Almeida Santos se deu conta de que o
processo revolucionário em curso (que dava pela sigla de PREC) estava a avançar
demasiado rápido e demasiado à esquerda, e de uma forma demasiado anárquica,
para o seu feitio e para o seu gosto. E, sendo assim, Almeida Santos decidiu
dar o salto para fora do governo. Aconteceu isso com a formação do X.º governo
provisório, se a memória me não falha.
Porém,
ficar sem pastas governamentais não significou, para Almeida Santos, ficar sem
cargos públicos. É que, em virtude dos seus raros dotes para servir de pau para
toda a colher, ou, dito de uma forma menos pedestre, de homem para todas as
estações, à imitação, dentro do provincianismo lusitano, do Thomas Moore do
filme Man for All Seasons, o Presidente Costa Gomes nomeou-o
imediatamente para seu Embaixador Plenipotenciário. E foi nessa capacidade que
Almeida Santos se deslocou a Nova Yorque, para discutir nas Nações Unidas a
questão quente de Timor. (Aliás foi por essa ocasião que Almeida Santos,
segundo viria a ironizar, muito acertadamente, o Professor Adriano Moreira,
descobriu que também havia portugueses em Timor e aí se vivia portuguesismo.)
Aproveitando
do estatuto de amizade e de camaradagem que o ligava a Almeida Santos, como
beirões e como colegas na Universidade de Coimbra, Veiga Simão serviu-se dessa
vinda dele a Nova Iorque para organizar um almoço num restaurante da 46th
Street, em que participaram Almeida Santos, Veiga Simão, Seabra Veiga, Capitão Armando
Ramos e o abaixo-assinado.
Portugueses
da diáspora e imersos até à medula dos ossos no processo político português, já
em fase de pre-conspiração, e ansiosos por saber novidades frescas sobre o que
estava acontecendo na velha e saudosa Pátria, não das publicadas nos jornais,
mas das saídas directamente, quentinhas,
sem qualquer filtro, da boca de um "insider" privilegiado, no
decorrer desse almoço, entre muitas outras coisas, perguntámos a Almeida Santos
se finalmente iria haver um ajuste de contas entre os militares portugueses,
especificamente entre os militares democratas e os militares esquerdistas que
tinham tomado conta da revolução, em conivência e em parceria com o PCP
(Partido Comunista Português).
Esboçado
um vago sorriso e feita uma breve pausa, Almeida Santos pronunciou estas
palavras, mais ou menos textuais: "Vocês estão muito enganados. Os
militares portugueses não combateram em 1910; não combateram em 1928; não
combateram em África; não combateram em 74; não combaterão no futuro."
Tinha razão Almeida Santos, como os factos viriam a comprovar.
E mais
disse Almeida Santos, durante esse almoço, numa tentativa de elucidar-nos, mais
uma vez de forma metafórica, sobre os tradicionais e celebrados brandos
costumes portugueses: "Vocês hão-de ver: os retornados que todos os dias
carpem as suas tristezas e as suas desgraças na Praça do Rossio ainda um dia virão
a saudar de chapéu na mão o Almirante Rosa Coutinho. Mais: Rosa Coutinho e
Costa Gomes virão a morrer na cama, confortados com todos os sacramentos da
Santa Madre Igreja."
António Cirurgião
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminar"Vocês hão-de ver: os retornados que todos os dias carpem as suas tristezas e as suas desgraças na Praça do Rossio ainda um dia virão a saudar de chapéu na mão o Almirante Rosa Coutinho".
ResponderEliminarAs caixas de comentários rebentam com elogios de retornados a AS.
"um homem que pôs sempre os interesses do ps à frente dos interesses do país" - lembrou henrique neto
""Os militares portugueses não combateram ""
ResponderEliminarQueira por favor mudar militares por "a maioria dos oficiais".
Para se fazer justiça aos retornados falta finar o ultimo carrasco dos Acordos de Lusaka... E está para muito breve!
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