impulso!
100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !
# 38 - ERROL
GARNER
Normal é que alguém desejoso de uma
carreira musical se dedique a aprender música. A não ser que pertença a uma
família onde a música se beba com o leite materno, que aos 3 anos se tenha
começado a dedilhar o piano e aos 7 já se toque em recitais radiofónicos, ou
que se seja o mais novo de 8 irmãos, todos eles com vocação musical. Foi o caso
de Erroll Garner.
Há, no entanto, algo de duvidoso no
facto de sempre se relevar a falta de educação formal de Garner em qualquer
resenha biográfica. O primeiro efeito, sobretudo depois de o ouvir, é
inevitavelmente de surpresa e espanto: como pode o piano ser tão “fácil” para quem
não teve instrução? Mas a segunda garfada tem o sabor ambíguo que costuma assoberbar
a ideia de génio, peculiarmente quando se junta “génio” e “jazz” na mesma
frase. Aparecido a partir de meados da década de 40 Errol Garner desenvolve a
sua música numa época em que demasiadas vezes se admirava o jazz como uma
irrupção espontânea de criatividade – as jam sessions… – elogio, com o seu quê
de racial, que ao realçar a intuição obliterava a complexidade. Se o talento
era natural e a inspiração congénita, para quê castiga-los com escola?
O mal-entendido acentuava-se pelo facto
de Errol Garner deslizar como enguia por tendências e padrões. É certo que
secundou Charlie Parker em 1947 numa das “Dial Sessions”, tão verdade como o
reconhecimento que o saxofonista lhe outorgava, mas seria deslocado gravar o seu
nome na lápide dos pioneiros do bebop. Entre ambos sente-se tanto de combinação
e entendimento, como pouco de adesão.
Havendo conveniência em arrumá-lo,
coloque-se Erroll Garner a fazer triângulo com franco-atiradores como Earl
Hines, seu mentor e conterrâneo da fria e ferrugenta cidade de Pittsburg e o
virtuoso Art Tatum, pianistas que nunca vogaram pelo meio da corrente, nem
encalharam nas armadilhas do ecletismo.
Concert By the Sea
1956 (2015)
Columbia Records / Sony
Music / Sony Music Entertainment - 88875120842
Erroll Garner (piano), Eddie
Calhoun (contrabaixo), Denzil Best (bateria).
Em 2015 foi editada
pela primeira vez a integral do concerto. É esta a versão sugerida.
“Concert By the Sea” foi um fenómeno de
vendas; este era o epítome do jazz com o qual “toda a gente” se identificava.
Não se expunha como uma obra de compromisso, todavia palpitava nela a
vivacidade do swing, paredes meias com a fluência harmónica do bebop; não pretendia
ser uma obra de síntese, porque nada nela, de tão desafectada, manifesta
programa ou desígnio; era “natural” (o que quer que isto queira dizer…) mas não
era pueril; patenteava sinceridade mas estava livre do estigma da leviandade.
De “Concert By the Sea” poder-se-á dizer o que Rivette belissimamente afirmou,
um bom par de anos mais tarde, acerca do cinema de Howard Hawks: que a
evidência é a marca do génio de Errol Garner. Nada neste concerto é
extraordinário ou se pauta pelo imprevisto; originais do pianista há dois, o
restante repertório é composto por standards. Tudo é aconchegante como aquele
crepúsculo de Verão em que aconteceu.
José Navarro de Andrade
Muito bem.Conseguiu não falar de Misty.De propósito?
ResponderEliminarÀs vezes não cabe tudo, mesmo que esse "tudo" seja tão essencial como o "Misty"...
ResponderEliminarPublicarei hoje este e o anterior.
ResponderEliminarAproveito para esclarecer que terminou (de momento) a existência de fado alexandrino
No blog continuarei apenas a colocar música.
Outro tipo de intervenção passou para outra rede social com outro nome.
Obrigado a todos pela paciência e pelas palavras que trocamos.