sexta-feira, 10 de setembro de 2021

DINFO: Os Serviços Secretos militares depois do 25 de Abril.

 

 



 

DINFO, A Queda do Último Serviço Secreto Militar, por Fernando Cavaleiro Ângelo, Casa das Letras, 2020, é uma longa viagem sobre informações militares, a que não falta didatismo sobre conceitos de contrassubversão ou contraespionagem, o papel do agente duplo, a espionagem em Portugal, o fenómeno do terrorismo (da extrema direita à extrema esquerda), o nascimento e a queda da DINFO, e pelo caminho acompanharemos a narrativa de detenção de espiões em Portugal. A ter em conta o que diz o autor: “As informações militares nem sempre se cingiram a uma atuação dentro da esfera das operações militares. Imediatamente após o 25 de abril de 1974, com o final das guerras de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique, o conceito de ameaça existente até então desapareceu subitamente. A ameaça que até então era personificada em grupos insurgentes independentistas residentes nas antigas colónias portuguesas deslocou-se para dentro de fronteiras nacionais. O único serviço de informações com capacidade de intervir no pós-25 de Abril para mitigar ameaças foi a Divisão de Informação do Estado-Maior General das Forças Armadas, apelidada de DINFO. A Polícia Judiciária não estava preparada para lidar com este tipo de atividade terrorista, acabando, numa fase posterior, por absorver as perícias e técnicas que a DINFO adquirira, entretanto, junto dos Serviços Secretos israelitas e britânicos. Constituindo-se o combate ao terrorismo como uma competência da Polícia Judiciária criada durante a primeira grande reestruturação de 1977, a DINFO acabou por, naturalmente, passar de uma postura de liderança para uma posição de entidade apoiante. Os Serviços Secretos Soviéticos, mormente o KGB e o GRU, estavam muito ativos no território nacional. A Polícia Judiciária não tinha capacidade nem recursos humanos habilitados em matéria de contraespionagem. E foi também neste campo que a DINFO se destacou sobremaneira, através de um conjunto de operações que desarticularam e negaram a livre atuação dos Serviços Secretos hostis em Portugal”. A DINFO irá definhar com a criação do Serviço de Informações Estratégico de Defesa Militares (SIEDM), criado em 1997.

Em termos claramente acessíveis, o autor dá-nos o nascimento da DINFO e os respetivos serviços e contextualiza o funcionamento de outras entidades intervenientes na erradicação de ameaças em Portugal. Observa como se procede em termos de pesquisa para obter informações e também nesse ponto é bastante didático, como se exemplifica: “A pesquisa coberta utiliza um conjunto de técnicas especiais que pode envolver policiamento e recrutamento de pessoas, a obtenção de documentação classificada, a utilização de meios técnicos sofisticados ou o controlo de atividades de determinados indivíduos. A pesquisa coberta divide-se em pesquisa operacional e pesquisa técnica. Na operacional, integra-se a vigilância e controlo de agentes”. Detalha formas de vigilância e depois apresenta-nos a Repartição E como a força-motriz da DINFO: tinha permissão a pesquisa coberta de informações, através de atividades envolvendo agentes secretos adequados à recolha de informação de forma discreta. Considero que o timoneiro desta principal repartição da DINFO era o capitão de fragata Pedro Serradas Duarte, dá-nos o currículo do oficial da Armada e faz um comentário completamente descabelado sobre a preparação moral do dito: “Ainda em tenra idade, entrou para Colégio Militar, tomando contato desde cedo com um conjunto de valores que não estão ao alcance dos alunos do primeiro e segundo ciclos nas escolas públicas. Valores essenciais à condição humana, como integridade, lealdade, coragem, responsabilidade, camaradagem, abnegação, sentido humano e devoção, são assimilados no código genético de alunos que cedo entram para este tipo de estabelecimentos de ensino”. É totalmente incompreensível este disparatado documentário só para incensar alguém que muito se considera, chegando-se ao cúmulo de rebaixar o ensino nas escolas públicas, paciência, às vezes quem louvaminha perde as estribeiras e a noção do ridículo. Dissecados os serviços da Repartição E, Cavaleiro Ângelo dá-nos o perfil do agente secreto, refere as ameaças possíveis em Portugal, caso da Organização da Libertação da Palestina, a organização terrorista Abu Nidhal e possíveis ligações com os serviços secretos iraquianos, outros movimentos radicais árabes, a DINFO foi apoiada pelo MOSSAD, mas também se faz uma apreciação de outros movimentos de extrema-direita e extrema-esquerda, caso do ELP e do MDLP, PRP/BR, FP 25 e JAR. Os Seviços Secretos Soviéticos têm a fatia de leão, mas também se fala da vigilância envolvendo a RENAMO, a UNITA, a existência de infiltrados na UDP.

Continuando a narrativa de valor didático, o autor analisa o fenómeno do terrorismo em Portugal e no mundo, escalpeliza o que se passou em Portugal nas atividades de extrema-direita, qual foi a organização das informações do MFA, que estiveram à responsabilidade do Almirante Rosa Coutinho e a evolução das informações militares em todo o processo revolucionário – matéria que o autor aprecia com dados relevantes. Segue-se o terrorismo de extrema-esquerda, e o acervo de informações apresentadas por Cavaleiro Ângelo pode ser visto com o mesmo relevo, dando-nos uma panorâmica da atividade subversiva e terrorista das Brigadas Revolucionárias e das Forças Populares 25 de Abril, fica-se a saber que a DINFO conseguiu infiltrações e por vezes a deteção de atos radicais.

Tem bastante interesse o enquadramento que o autor estabelece para a espionagem em Portugal, vamos conhecer o modo como a DINFO atuou com os Serviços Secretos Soviéticos, graças à descrição de três operações: Búfalo, Albatroz e Tentilhão, há episódios dignos da ficção, muitos deles rocambolescos, mas fica-nos a dúvida se a DINFO explorava com intensidade outras formas de obtenção de informações por parte dos soviéticos, caso dos agentes colocados nas agências noticiosas (TASS e Novosti), a Associação de Amizade Portugal-URSS, livrarias, o Conselho Mundial da Paz e a sua ramificação portuguesa, etc. Igualmente a importância, o Cavaleiro Ângelo vem referir quanto ao apoio aos grupos guerrilheiros em Angola, Moçambique e Timor-Leste. Por último, o autor debruça-se sobre o balanço possível das atividades da DINFO, questiona para que servem as informações militares no século XXI, enfatizando que continuam a ser uma ferramenta fulcral para o decisor político, não ilude a questão delicada das escutas telefónicas e da colocação de microfones e diz mesmo: “Sem o recurso a técnicas de escuta telefónica e de colocação de microfones dissimulados em locais de interesse, a DINFO não teria conseguido ajudar a erradicar o terrorismo de extrema-direita e de extrema-esquerda, tal como a controlar a espionagem soviética, através da utilização de técnicas de escuta telefónica e de colocação de microfones dissimulados em locais de interesse”. E deixa um aviso no termo do seu trabalho: “As informações militares só poderão evoluir no dia em que as estruturas e os órgãos dedicados a esta atividade foram povoados por recursos humanos com formação e perícia na área. Enquanto isso não ocorrer, vamos continuar a deambular em torno da metamorfose das informações militares à procura de uma solução miraculosa que dificilmente conseguirá definir qual será a essência da coisa”.

De leitura obrigatória para quem pretenda conhecer as informações militares portuguesas ou o que tem sido a espionagem e contraespionagem em Portugal depois do 25 de Abril. 


Mário Beja Santos






 


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