quinta-feira, 20 de novembro de 2025

A operação Mar Verde, à luz das mais recentes investigações.



         

          Como observa o investigador José Matos, a Operação Mar Verde, desencadeada em novembro de 1970 por um contingente das Forças Armadas Portuguesas e um agrupamento de oposicionistas do regime de Sékou Touré, foi das mais ousadas levadas a cabo durante toda a guerra colonial. Resta dizer que trouxe terríveis consequências para o Governo de Marcello Caetano, marcou o isolamento diplomático português ao seu nível mais baixo. Há significativa literatura sobre esta operação, inclusivamente José Matos e o investigador Mário Matos e Lemos já se tinham debruçado sobre o assunto. As limitações para investigar são muitas, mas foi possível juntar mais documentação e trazer novas informações a público. A obra intitula-se Ataque Secreto, Operação Mar Verde em Conacri, Guerra e Paz 2025.

As peripécias da operação são por demais conhecidas. Uma força naval portuguesa, em 22 de novembro de 1970, cercou a capital da República da Guiné. De acordo com o plano operacional elaborado por Alpoim Calvão, usou-se a escuridão da noite e desembarcaram vários grupos de tropas especiais em pontos estratégicos da cidade.

Calvão propusera esta operação inicialmente com objetivos mais modestos, foram crescendo depois os objetivos. E da libertação dos prisioneiros portugueses e do afundamento das embarcações do PAIGC, passou a sonhar-se com um golpe de Estado que derrubasse Sékou Touré, de modo que o novo Governo, amigável com o Estado Novo, levasse ao afastamento do PAIGC naquele país, que lhe dava um apoio fundamental. A operação contou com o apoio total de Spínola, Caetano aprovou-a, ministros do seu Governo mostraram radical oposição. José Matos levanta interrogações de peso que hoje nos fazem pensar no que houve de leviano e temerário, faltou uma verdadeira medição dos prós e contras: seria praticamente impossível não associar Portugal ao golpe, até porque havia a possibilidade de capturar Amílcar Cabral (dividem-se os investigadores se não se pretendia acima de tudo a sua liquidação física) o que deixaria Spínola com um problema em mãos; questiona se o aureolado comandante-chefe ficaria mesmo numa situação vantajosa para negociar com o líder dos nacionalistas uma saída pacífica para a guerra de guerrilhas, ou a guerrilha continuaria a lutar; o que seria se houvesse a perda de apoio na Guiné Conacri com a mudança de regime e a captura (ou morte?) de Amílcar, esta mudança levaria a guerrilha a desistir da luta?; e por quanto tempo seria possível manter um Governo desta oposição a Sékou Touré, um Governo do Front de Libération Nationale de la Guinée sem uma intervenção externa ou contra as forças do PAIGC e de Cuba que estavam no país?

São questões cruciais e a historiografia existente passa-lhe ao lado. Inequivocamente, Spínola perdera a ilusão de quebrar a espinha ao PAIGC, depois dos dramáticos acontecimentos de abril passado, com o massacre de uma equipa de negociadores no chão Manjaco. Perdera-se qualquer paridade no armamento, o PAIGC tinha um conjunto significativo de bases territoriais e com controlo administrativo, escolas e hospitais, o projeto de Armazéns do Povo estava em marcha. O Governador e comandante-chefe deste maio de 1968, imprimiu uma nova estratégia, recebeu fundos chorudos, constituiu a sua própria equipa, estabeleceu um plano de abandono de destacamentos, anunciou uma política dominada “Por uma Guiné melhor”, nesse mesmo ano de 1970 apareceram Congressos do Povo destinados a conquistar o apoio das comunidades tribais. Sempre que se desloca a Lisboa e participa nas reuniões do Conselho Superior de Defesa Nacional, fala categoricamente no agravamento da situação, pede mais meios humanos e materiais. Logo na exposição que faz ao Conselho em 8 de novembro de 1968, ficou escrito em ata que “O senhor Governador da Guiné voltou a salientar que é imperativamente necessário evitar que o inimigo atinja a fase de implantação militar em todo o território da Guiné, sob pena de a nossa soberania ficar irremediavelmente perdida”.

Não deixa de ser curiosa a comparação da correspondência de Schulz e de Spínola a pedir meios aéreos mais suscetíveis de fazer recuar a presença dos grupos do PAIGC dentro do território, só em abril de 1974 é que as negociações para a aquisição de aviões Mirage pareciam bem encaminhadas. Acresce que o PAIGC já podia contar com a ajuda cubana e apoio humanitário da Suécia. A presença do PAIGC na República da Guiné era por demais evidente. É então que descobre que havia um movimento de dissidentes da Guiné-Conacri dispostos a derrubar Sékou Touré, foi assim que nasceu a convergência com Alpoim Calvão, este idealizara somente a libertação dos prisioneiros portugueses e o afundamento dos meios navais inimigos.

José Matos faz-nos uma resenha dos antecedentes da Mar Verde, da evolução dos objetivos para a operação, cedo se começou a verificar que a oposição a Sékou Touré tinha imensas fragilidades; os grupos hostis foram sendo recolhidos em vários países e comprou-se armamento soviético sigilosamente na Bulgária; irá comprovar-se que o envolvimento da PIDE não garantiu informações rigorosas quanto à situação e localização de entidades e objetivos; também se esclarece  neste historial do José Matos que havia contactos com os opositores de Sékou Touré desde 1966, os oposicionistas durante muito tempo limitavam-se a pedir uma contribuição financeira e fornecimento de material bélico.

Estamos agora em plena invasão de Conacri, descrevem-se os meios em prémios, as dúvidas suscitadas logo na ilha de Soga, Spínola discursa aos comandos africanos antes da partida e desencadeia-se o assalto, conhecemos já os contornos essenciais de tudo quanto se passou, os meios aéreos da República da Guiné não estavam em Conacri, não encontraram o ditador, Cabral estava ausente de Conacri, falhou a ocupação da emissora, o tenente Januário dos comandos africanos desertou com vinte homens, houve afundamento de meios navais, libertaram-se os prisioneiros portugueses, sofremos baixas ainda que modestas. Ficou comprovado que os meios militares da República da Guiné estavam numa completa desorganização.

Segue-se a tempestade internacional: a condenação na ONU, a URSS oferece os seus préstimos navais, o que irá inquietar a NATO. Em definitivo, Spínola fica convencido da inviabilidade de uma solução militar e irá argumentar nesses termos na reunião do Conselho Superior de Defesa Nacional que se realizou em 7 de maio de 1971, consta na documentação:

“Devemos excluir, de uma vez para sempre, a veleidade de ganharmos militarmente a guerra que enfrentamos, a qual só poderia ser ganha no campo das armas face a uma viragem imprevisível na presente conjuntura mundial. O problema só poderá resolver-se no campo político e quero crer que tal solução ainda se apresenta viável.”

O resto da história já a sabemos: desentendimento entre Marcelo Caetano e Spínola; caminha-se para a exaustão dos meios; o PAIGC recebe mísseis e armamento que lhe permite operar em termos de guerra convencional; a legislação de Sá Viana Rebelo incendeia os ânimos, aos poucos irá constituir-se o Movimentos dos Capitães. Tudo culmina no 25 de abril.

José Matos dá-nos novamente prova das suas capacidades de rigor e assegura-nos uma leitura bastante emotiva.


                                                                                    Mário Beja Santos 

 



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