segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Um conhecido jornalista burguês elogia o comunismo, é sincero, mas não convence.

 

 



         

        Portugal dá um Presidente ao Conselho Europeu, tem permanentemente medalhados olímpicos, pensadores de relevo como António Damásio, mas é de uma pobreza franciscana quanto a pensamento político, não há na praça um teórico de que se possa fazer menção, sem desprimor para figuras como Francisco Louçã ou o saudoso Eduardo Lourenço. Como propostas de renovação de teoria política, estamos entre a nulidade e os comentadeiros.

É meritório, digo mesmo corajoso, um jornalista com avultado currículo, escrever um livro para elogiar as suas convicções, ainda por cima dizendo-se comunista de pedra e cal. Regresso ao primeiro parágrafo. O país progrediu muito com a democracia, mas é assustadoramente pobre não só em filosofia política, como na apresentação dos quadros ideológicos, por via partidária, estejam eles ou não relacionados com o trotskismo, o maoismo, as diferentes estirpes da esquerda revolucionária, o marxismo-leninismo tal como se praticou de 1917 a 1989 e os seus adjacentes atuais, a social-democracia (vestindo a roupagem do socialismo democrático ou do histórico trabalhismo norueguês ou sueco), as doutrinas conservadoras que têm o desplante de se apresentarem como sociais-democratas, o conservadorismo-liberal, o liberalismo de recente extração e a doutrinação populista que copia fielmente o que se exprime em vários continentes, com as consagradas cambiantes de racismo, xenofobia, discurso do ódio, algazarra comunicacional para camuflar os seus verdadeiros intentos.

          Porque sou Comunista, por Pedro Tadeu, Confissões de um jornalista burguês, Zigurate, 2025, traz curiosamente uma badana que é um chamariz sobre possíveis respostas que o autor, profundo crente do comunismo, pretende abordar: a humanidade precisa de religião? O culto da personalidade é um perigo? Nunca houve fascismo em Portugal? O wokismo é um absurdo? Um jornalista pode ser comunista? Os crimes do comunismo existiram? O 25 de novembro deve ser celebrado? O mundo é péssimo, mas não há alternativa? Ora com estes aliciantes não há leitor que não resista em embrenhar-se num manifesto ideológico que já cativou meio mundo e que hoje é manifestamente residual, passe o paraninfo que ele nos vai reservar nesta obra.

          O que Pedro Tadeu nos pretende dar não é a validação das teorias do marxismo-leninismo para o século XXI, diz mesmo que podia correr o risco de produzir uma vulgata de má qualidade. Coligiu uma série de textos que já tinha escrito, dispersos em artigos de opinião e publicados em jornais, bem como em palestras e intervenções públicas e propõe-se dar 26 respostas que vão desde a religião, passando pela Festa do Avante!, pelo antifascismo e pela recusa do despotismo norte-americano, exprimindo calorosamente a defesa acérrima ao Serviço Nacional de Saúde; e mais, os comunistas têm uma alternativa, iremos saber qual.

          Diz-se embaraçado pelo assunto da religião, não tem fé e não pode entender quaisquer manifestações de fé, fica caladinho. Revela que perdeu o pai aos 9 anos, nesse dia deixou de acreditar em Deus. Espero que alguém que já tenha lido o seu livro lhe tenha explicado o que é a fé, a esperança e a caridade, invocada perante as câmaras da televisão, pelos palestinianos massacrados em Gaza, os sudaneses assassinados, os cristãos aviltados e queimados no Iraque ou no Paquistão. Afinal não fica caladinho, dirá que a religião deve estar cada vez mais limitada às questões do transcendente e ser substituída pelo dever coletivo de regular corretamente a nossa vida, isto a despeito de elogiar o Papa Francisco e a suas encíclicas que não estão nada limitadas às questões do transcendente.

          Irá falar-nos das liberdades burguesas e dirá que a palavra liberdade, para os comunistas tem um sentido verdadeiramente libertador e não apenas o de uma falácia legitimadora do pensamento dominante das elites políticas e económicas. Ponto curioso, ao longo de todo o seu elogio revela um grande alheamento às transformações provocadas por aquela sociedade de consumo oriunda do pós-guerra em que houve Guerra Fria, os soviéticos a exaltar a satisfação das necessidades básicas e coletivas e o mundo ocidental, com o farol nos EUA, a exaltar a livre iniciativa, o crescimento e o bem-estar adveniente das panóplias do consumo. Goste-se ou não, mesmo nos regimes oligárquicos ou teocráticos os princípios da livre iniciativa, da criatividade e da liberdade de opinião, podem ser reprimidos, mas acabam sempre por se impor, veja-se as obras clandestinas do cinema ou da literatura.

          Voltamos à sociedade de consumo e aos sucessivos saltos tecnológicos. Em 1973, Daniel Bell publicou uma obra altamente polémica, O advento da sociedade pós-industrial, teorizava o fim do predomínio agrário e industrial e a ascensão imparável do terciário, com todas as suas consequências, uma delas a alteração das classes trabalhadoras e das suas necessidades. Como se viu, Daniel Bell foi mais do que um profeta na sua antevisão, é nesse mundo em que vivemos. Pedro Tadeu desvela-se a mostrar como funciona o PCP, como este é discriminado, e não só nos meios de comunicação social, falará do machismo, do feminismo, do wokismo, comentará as razões pelas quais os comunistas são contra as guerras, embora adiante que para um comunista a história humana é fundamentalmente resultado do confronto permanente das contradições e das lutas de classes sociais, observando que isso do consenso é credo dos donos do sistema, os consensos são congeminados pelas elites e nas costas dos trabalhadores.

          Para além de manifestar o seu orgulho de comunista, de vez em quando aborda a superioridade dos comunistas, mesmo com pezinhos de lã: “Os horizontes de um intelectual comunista, independentemente dos seus interesses pessoais, das suas capacidades, do seu talento, da sua erudição, das suas relações, são necessariamente largos e, atrevo-me a dizê-lo, quase sempre mais largos do que os dos intelectuais não-comunistas.”

          Iremos saber o que Pedro Tadeu tem a dizer sobre a luta de classes, a organização de greves, a exuberância sem rival da Festa do Avante!, a relutância que têm ao culto da personalidade, porque admiram a Revolução de Outubro, porque são antifascistas, celebram o 25 de abril e não celebram o 25 de novembro… até que finalmente os comunistas, que anseiam transformar o mundo, têm uma alternativa, e di-lo sem rebuço: “Criar uma sociedade onde os meios de produção não são, à partida, privados, mas um bem comum da população, e onde o poder que os governara é dominado ou controlado pela classe trabalhadora.” Porque será que esta alternativa não é referendada pela generalidade do eleitorado? Bem, o Pedro Tadeu não escreveu este livro para teorizar e esboçar a alternativa, é humilde e não se quer meter em cavalarias altas. Dá para perguntar o que nos pretende confessar este jornalista dito burguês.

 

                                                                        Mário Beja Santos


2 comentários:

  1. Ser comunista em 2025 é o equivalente a ser monárquico em 1789 ou Miguelista em meados do séc. XIX. Nada impede um indivíduo de viver agarrado ao passado, mas está a perder o presente e a inquinar o futurol

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  2. De Pedro Tadeu, último director do extinto/falido 24 Horas, guardo uma entrevista por José Eduardo Fialho Gouveia:
    JEFG: se não estivesse no "24 Horas" seria leitor do jornal?
    Pedro Tadeu: Não.
    JEFG: Porquê?
    Pedro Tadeu: Sou um privilegiado. Faço parte de uma elite e tenho uma cultura acima da média. Não tenho os mesmos interesses de grande parte dos leitores do "24 Horas". Mas faço um jornal para as pessoas, não para mim.

    Está confessado. É para as pessoas, não é para ele!

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