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Jasper Johns, Flags I, 1973 |
“A fotografia é a única arte que fixa um instante preciso. Lidamos com coisas que desaparecem. E, quando desapareceram, é impossível fazê-las reviverem.
Para dar significado ao mundo, há que sentir-se implicado naquilo que enquadramos a partir do visor. Esta atitude exige concentração, disciplina de espírito, sensibilidade e sentido de geometria. É mediante uma grande economia de meios que se consegue a simplicidade de expressão. É preciso fotografar sempre a partir do maior respeito pelo tema e por si mesmo.
Fotografar é, num mesmo instante e numa fracção de segundo, reconhecer um facto e a organização rigorosa das formas percebidas visualmente no mesmo ponto de mira a cabeça, o olho e o coração.”
Henri-Cartier Bresson
Para mim, a grande arte da fotografia na América cabe em oito nomes: Alfred Stieglitz (1864-1946), Man Ray (1890-1976), Margaret Bourke-White (1906-1971), Diane Arbus (1923-1971), Walter Evans (1903-1975), Dorothea Lange (1895-1965), Lee Miller (1907-1977) e Richard Avedon (1923-2004). Haveria que acrescentar o nome do sulfúrico Robert Mapplethorpe (1946-1989), [1] o fotógrafo gay, ou antes, o artista da fotografia que transformou a homossexualidade num capítulo autónomo da arte de Niépce e Nadar.
João Medina
1. Alfred Stieglitz
Marido da famosa pintora Georgie O’Keeffe, Alfred Stieglitz [2], que viveu algum tempo entre a Alemanha e os Estados Unidos (onde nascera e acabou por se fixar de vez em 1890), tornar-se-ia um pioneiro da arte fotográfica americana, batendo-se, sobretudo, com persistente ardor, pelo reconhecimento da fotografia como arte autónoma e, nessa medida, digna de figurar em museus, ao mesmo tempo que trazia para a América obras de artistas europeus como Rodin, Brancusi, Toulouse-Lautrec, Henri Rousseau, Cézanne, Picasso, etc., o que culminaria numa célebre exposição de 1913, o “Armory Show”. Foi ainda o criador das primeiras revistas consagradas à arte fotográfica, Camera Notes (1897), que se tornaria, mais tarde, em Camera Work (1903-1917). Foi também pioneiro em técnicas inovadoras e em formas diferentes de fotografar a vida e as paisagens, como um extensa série dedicada às nuvens e à vida dos imigrantes, lançando, em 1922, a ideia do “equivalente”, ou seja, a correspondência entre as formas fotográficas e os estados de alma, procurando realizar com as máquinas de fotografia algumas das rupturas que os modernos pintores europeus – e americanos – iam tentando. Como que transplantando o movimento alemão da Secessão para o solo ianque, abriria, em 1905, uma galeria onde os seus amigos fotógrafos podiam expor as suas obras, grupo que tomaria como nome o número da 5ª Avenida nova-iorquina onde expunham, “291”, que duraria até 1917. Lançou também uma revista ilustrada de vanguarda, a 291 Magazine (1915-16), na qual editou obras de Duchamp e de Man Ray. No período seguinte faz Stieglitz mais de 400 fotos que constituem um acervo notável da nova arte visual fotográfica americana, a partir de agora presente nos grandes museus, em larga medida graças aos seus esforços e campanhas nesse sentido: basta recordar que, de 1905 a 1946, Stieglitz promoveu 175 exposições.
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Retrato de Georgia O'Keeffe, 1921 |
From the Back Window, 291, 1915 . |
Looking Northwest from the Shelton, 1932 |
Equivalent, 1926 |
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2. Man Ray
Man Ray – cujo verdadeiro nome era Emamnuel Rudnitsky (Filadélfia, 1890-Paris, 1976) – conheceu, graças a Stieglitz, Duchamp e Picabia no famoso “Armory Show”. Após uma fase cubista na sua pintura, executa quadros à pistola, realiza aerógrafos, fotos de objectos fantásticos, (1921), tornando-se, juntamente com Marcel Duchamp, o primeiro representante do grupo Dada em Nova Iorque. Em 1921 parte para França, onde conhece o grupo surrealista de Breton, Éluard, Aragon, Soupault, etc. Como fotógrafo profissional, faz fotos de moda, torna-se amigo da célebre modelo Kiki de Montparnasse e, integrado no estilo surrealista, participa na primeira exposição do grupo, em 1925, expondo ao lado de Masson, Miró, Arp, Ernst e Picasso, ao mesmo tempo que, com ao auxílio de Marie-Anne de Noailles e do visconde de Noailles, realiza alguns filmes na década de 20. Voltaria mais tarde à pintura, descobrindo em 1931 o processo da solarização fotográfica. Com a invasão da França, em 1940, parte para Lisboa na companhia de Salvador Dalí e, juntamente com René Clair, seguem para os Estados Unidos. Inicialmente interessado em seguir para o Taiti, fixa-se, contudo, em Hollywood, onde viveria até 1951. Está enterrado no cemitério de Montparnasse, o seu bairro parisiense, juntamente com a sua mulher Juliet. Ensinou na Art Center School, voltando a Paris e colaborando no catálogo Dada de Düsseldorf. [3]
Auto-Retrato, 1934 (fotografia com semi-solarização) |
Le Violon d'Ingres, 1924 |
Salvador Dalí, 1929 |
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3. Margaret Bourke-White
Margaret Bourke-White formou-se na Universidade de Cornell em 1927, interessando-se então pela fotografia industrial e arquitectónica, juntando o nome da mãe (Bourke) ao do pai. Em 1927, Henry Luce, o proprietário das revistas Time (1923) e Life (1936), dava-lhe emprego no seu grupo, o que lhe permitiria fotografar as fábricas Krupp, na Alemanha, e o primeiro plano quinquenal soviético, aparecendo na Life, em 1936, essas primeiras grandes reportagens. Em 1935 conhecera o famoso escritor sulista Erskine Caldwell (1903-1987) – autor desse grande e rude clássico do neo-realismo tratando da temática do Deep South rural atingido pela Depressão, A Estrada do Tabaco (1932) –, com o qual se casaria em 1939, colaborando intensamente com ele na reportagem dos ambientes do Sul a partir do New Deal, como foi o caso do célebre álbum You Have Seen Their Faces (1937), e ainda de outros, como Russia at War (1942) e Say, this is the U.S.A. (1941), notáveis e realistas crónicas visuais do dia-a-dia e dos sonhos, gorados ou persistentes, dos americanos em luta com as asperezas da vida.[4]
Margaret Bourke-White foi a primeira fotógrafa americana a ser acreditada pelo exército dos EUA para cobrir a guerra com a Alemanha nazi na Europa e no Norte de África, tendo estado também em Moscovo quando esta foi ameaçada pelo exército hitleriano, entrando com as tropas de George Patton no território germânico quando aquelas atravessaram o Reno. Coube-lhe, por essa razão, ser a primeira fotógrafa das vítimas dos campos de concentração nazis. Mais tarde iria à Índia fotografar Mahatma Gandhi, assim como o ambiente da trágica partilha da Índia em dois países, o hindu e o islâmico, com o vizinho Paquistão. Durante a guerra da Coreia, fez a cobertura de combates travados no sul da península. Atingida pela doença de Parkinson, em 1952, dedicou-se então, essencialmente, a escrever, consagrando um estudo de foto-reportagem aos jesuítas americanos. Reformada em 1969, faleceu em 1971.
.Bread Line, 1937 |
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Buchenwald, 1945 |
Buchenwald, 1945 |
Partition of India, 1947 |
Guerra da Coreia, s.d. |
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4. As fotografias de Walker Evans para a reportagem de James Agee
Recordemos uma das mais célebres reportagens jornalísticas feitas durante o período new-dealer acompanhadas de fotos, a obra redigida por James Agee (1909-1955), inquérito documental sobre o mundo rural sulista do “Dust Bowl” (região vitimada pela seca e pelas tempestades de poeira), que ficaria famoso nos anais da cultura norte-americana, destinada à revista Fortune mas finalmente editada em livro, em 1941, o vibrante Let Us Now Praise Famous Men: Three Tenant Families.[5] Esse inquérito sobre a vida dos rendeiros no árduo Sul fora encomendado pela referida revista, em 1936, assistido pelo fotógrafo Walker Evans (1903-1975), sendo realizado no Verão desse ano entre os agricultores do Alabama. Todavia, a Fortune não a quis dar à estampa, sendo finalmente editada em livro cinco anos depois, vendendo apenas uns escassos 600 exemplares.
Quanto ao fotógrafo Walker Evans, este já se tornara conhecido como estudioso de casas vitorianas dos Estados Unidos e do Sul durante a Depressão, cabendo-lhe ilustrar o livro de James Agee com as fotos a preto e branco, destinadas originalmente para a Fortune. Walter Evans foi fotógrafo de arquitectura desde 1933, especializando-se em edifícios vitorianos da América do Norte e, mais tarde, do mundo rural sulista, por conta da agência governamental FSA (Farm Security Administration), documentando a vida dos agricultores comunitários do Deep South no começo do New Deal, donde resultaria, em 1941, o livro que citamos. Foi também editor da Fortune (1945-55), ao mesmo tempo que prosseguia os seus estudos de arquitectura. Um dos seus álbuns mais interessantes, Many Are Called (1966), trata das pessoas que viajavam no metropolitano de Nova Iorque. Entre os seus álbuns de fotos contam-se ainda American Photographs (1938) e Message from the Interior (1966). Ensinou design gráfico em Yale. A sua obra inclui-se entre a plêiade dos mais célebres fotógrafos da sua época, como Margaret Bourke-White, Roy Striker e Dorothea Lange – estes dois ao serviço da FSA –, Arthur Rothstein, etc. Esta notável geração de fotógrafos deixou documentos impressionantes sobre os efeitos da crise dos anos 30 na vida dos trabalhadores do Sul americano, com a concomitante mudança da vida e da paisagem rural que aquela mudança trouxera. Inovando o género jornalístico, Agee realizava aqui uma ousada mescla de reportagem, prosa poética e reflexões sobre a natureza humana, nunca se coibindo de exprimir com sinceridade os seus próprios sentimentos e emoções diante daquelas três famílias de sofridos rendeiros comunitários do Alabama, deixando nesta obra original um retrato perene de toda uma porção americana do campo, vivendo uma vida áspera nas suas choupanas.
O famoso livro editado em 1941 pretendia inicialmente ser uma mera peça jornalística sobre os rendeiros brancos pobres do Sul dos Estados Unidos, através da análise das duras existências de três famílias, depressa se tornando um documento que transcendia a preocupação “new-dealer” de descrever, nesse Verão de 1936, um sector da população rural americana dedicado às fainas da apanha do algodão,[6] transformando-se num extraordinário e inesquecível monumento da prosa literária em torno daqueles que trabalhavam a terra, na linha crítica de Caldwell (A Estrada do Tabaco) ou Steinbeck (As Vinhas da Ira). Vivendo um mês com cada uma dessas sofridas e tenazes famílias rurais (os Ricketts, os Woods e os Gudger, nomes fictícios), Agee, então com 27 anos – e que o seu companheiro de máquina fotográfica na mão, no prefácio ao livro, em 1960, garantia ter conquistado a simpatia de toda essa gente da faina algodoeira, “talvez em excesso”[7] –, deixou daquela sofredora humanidade rural um relato de grande empatia humana e mesmo de fascínio amoroso por algumas das mulheres com as quais se relaciona, numa espécie de obra de antropologia selvagem, como foi o caso com Emma, casada aos 18 anos com um homem que lhe é indiferente e a obriga a partir para longe dos seus, naquele campo de algodão. Agee, deslocado naquele duro ambiente rural, homem culto educado em Harvard, tendo vivido na boémia literária de Nova Iorque e futuro colaborador de John Huston, deixaria do Sul dos anos finais da Depressão um retrato que ficaria no panorama da literatura americana como um documento ao mesmo tempo asperamente realista e uma evocação comovedora na sua sintonia com o objecto da narrativa jornalística.
Recorde-se que o talentoso Agee desapareceria aos 45 anos, vitimado por uma crise cardíaca. Esta sua obra, diz de novo Walker Evans no citado prefácio, mostrava que Agee vira aqueles seres, deixados para sempre nas páginas da sua reportagem de 1936, como uma gente arreigadamente cortês, dona duma acanhada cortesia que emanava para todos, excepto para os presunçosamente ricos, os seres pretensiosamente correctos e a polícia. Depois de algum tempo, e dum modo indirecto, “descobria-se que, para ele, os seres humanos eram no mínimo, possivelmente imortais e umas almas literalmente sagradas.” [8]
Alabama Tenant Farmer Wife, 1936 |
Alabama Tenant Farmer, 1936 |
Torn Movie Poster, 1931 |
[Signs, New York], 1928–30 |
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5. Dorothea Lange
Quanto a Dorothea Lange (1895-1965)[9], trata-se dum dos maiores nomes da fotografia americana na passagem da Depressão para o New Deal de Roosevelt. Dona dum estúdio fotográfico, Dorothea levou a sua máquina para as ruas de São Francisco durante a Grande Depressão, registando imagens impressionantes das gentes nessa fase difícil, como no seu livro White Angel Breadline (1933). Encarregada pelo governo da Califórnia duma reportagem sobre os trabalhadores migrantes, Lange fê-la com a colaboração do professor (e futuro marido) Paul Taylor. Com tal levaria o governo a criar um campo estatal para estes trabalhadores rurais. Lange trabalhou, de 1935 a 1942, para a já citada agência federal, a FSA (Farm Security Administration), sendo o fotojornalismo americano fortemente marcado pelas reportagens realistas desta grande fotógrafa. Nos anos 50, Lange fez ainda reportagens para a Time Magazine sobre os mórmones, os camponeses irlandeses, etc. Entre as suas obras avulta a que escreveu em colaboração com o marido P. Taylor, An American Exodus (1939).
Data de Março de 1936 uma das imagens fotográficas mais iconicamente famosas do séc. XX americano, dos “anos amargos” da Depressão pós-1929, nomeadamente da populosa migração de populações em busca de trabalho na Califórnia, como na mítica Estrada 66 que conduzia de Boston à Califórnia, ao longo de 3.490 kms, atravessando o Illinois, o Oklahoma, o Novo México e o Arizona até chegar a Los Angeles: falamos do célebre instantâneo “Migrant Mother”, obtido em Nipomo, California,[10] espécie de Madonna da miséria humana nesses anos de crise, que Lange fizera a pedido da citada organização estatal “new-dealer” FSA e, depois incluiria num dos seus álbuns fotográficos. Era um retrato centrado numa mulher que se tornaria em breve metáfora gráfica mais célebre do sofrimento humano,[11] ao mesmo tempo patético e contido, digno e de algum modo heróico na sua firme decisão de não se vergar à crise da Grande Depressão. A mulher fotografada chamava-se Florence Thomson e emigrara para a Califórnia, em Março de 1936, em busca de trabalho, assim como de pão para os seus sete filhos, estando dois deles, neste mítico instantâneo, encostados ao seu corpo, de costas para o espectador, e um bebé adormecido nos braços, ao mesmo tempo que apoia a mão direita no queixo e olha, com uma expressão distante, inquieta, amargurada mas determinada a resistir à adversidade, olhando em diagonal. Lange tinha 42 anos quando fez esta foto e era ela mesma mãe de duas crianças, tendo casado há pouco com o sociólogo Paul Taylor. Lange fora uma fotógrafa retratista profissional que abandonara o seu estúdio em 1934 devido à crise económica da época, trabalhando a partir do ano seguinte para a FSA, sendo o seu álbum The White Angel Breadline um dos primeiros documentários fotográficos dessas cenas de rua, no Sul californiano, mostrando populações migrantes famintas, em busca de trabalho.
A foto de 1936, Migrant Mother, foi tirada num campo onde se albergavam então apanhadores de ervilhas, tendo visto então uma mulher de aspecto faminto, rodeada de filhos, naquele campo encharcado pela chuva primaveril, depois dum longo e duro Inverno, tirando seis instantâneos do grupo, com a aquiescência do modelo maternal, uma mulher de 32 anos que não lhe fez perguntas sobre a finalidade daquelas fotografias que Dorothea ia tomando; a mulher contou-lhe que viviam de vegetais congelados dos campos em redor, assim como dos pássaros que os seus filhos matavam, assim como da venda dos pneus do seu carro, para poder comprar comida para os seus. A partir de 6-III-1936, essas fotos apareceram no San Francisco Knews, o que levou o governo de Roosevelt a mandar comida para auxiliar as populações migratórias da região em causa. Em Setembro desse ano saiu na revista Survey Magazine esta famosa “Mãe migrante”, sendo logo incluída numa exposição fotográfica organizada então pela revista U.S .Camera.
Ícone da Grande Depressão iniciada em 1929, esta foto tinha, apesar do seu evidente Zeitgeist datado, uma certa intemporalidade, só em parte contrariada pelo corte de cabelo das duas crianças que se acham de costas para a objectiva, corte típico dos anos 30. Uma outra imagem que ganhou esse estatuto de momento-símbolo da história social que os Estados Unidos então viviam foi uma foto de 1933,[12] no auge da Depressão, na qual se viam vários homens na rua, de costas para a objectiva, exceptuando um, com as mãos juntas e um recipiente de sopa encostado ao peito, na linha de vagabundos que se alimentava os famélicos, a tal famosa “White Angel Breadline”, que daria o título ao álbum de fotos que Lange então editou: ainda mais do que a que foi anteriormente referida da mãe migrante, este instantâneo resumiu o sentido do carência humana da era da Depressão. Pode dizer-se das fotos de Lange que elas foram intensamente famosas e conhecidas como documentos realistas da crise e colapso desses anos por um público que nunca soube o nome da fotógrafa que as tirara. Nessa medida, Dorothea Lange inaugurou um género fotográfico que quase não tinha precedentes na história da fotografia americana – com as excepções de Lewis Hime e Jacon Riis, nos anos 1890-1900 –, a do documento icónico de impacto social mediático que fala com uma eloquência que dispensa comentários ou glosas, uma arte feita na rua, documentando uma enorme crise económica e as consequências que ela trazia para largos sectores da sociedade, o que também se notava noutras formas da arte, no romance (As Vinhas da Ira, de John Steinbeck, 1939), na pintura e no cinema. Contudo, no caso das fotos de Lange, essa arte falava por si, quase que tornando anónima a sua autora, tal como a sua máquina fotográfica.
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Migrant Mother, 1936 |
White Angel Breadline, 1932 |
Girl sitting on a bench, c. 1935 |
Young Girl, 1962 |
6. Lee Miller
Outra grande fotógrafa feminina americana foi Lee Miller,[13] que também deixou fotografias notáveis do conflito bélico europeu na Alemanha. Lee Miller nasceu no Estado de Nova Iorque em 1907, estudou no Art Students League, em Manhattan, fez viagens a França, onde conheceu o grande fotógrafo surrealista Man Ray, que lhe ensinou a técnica da solarização, tendo oportunidade de figurar no filme de Jean Cocteau Sangue dum poeta. Regressou a Nova Iorque, abriu ali um estúdio de fotografia e casou com um magnate egípcio (1934), voltando a Paris, onde se relacionou com Max Ernst, passando a viver com um pintor inglês chamado Roland Penrose. Refugiar-se-ia na Inglaterra quando a guerra estalou, fazendo, depois, fotografias do Blitz sobre Londres, entrando para a delegação da revista Life na cidade britânica. Com o desembarque aliado na Normandia, em 1944, Lee segue os tropas que libertam a França, enviando fotos de guerra para a Vogue, fazendo a reportagem sobre Paris libertada, fotografando, em seguida, a batalha dos Ardenas, a conquista da Alemanha, os primeiros prisioneiros dos campos de concentração encontrados pelas tropas americanas, chegando a registar o encontro dos russos e dos ianques no Elba, em Torgau.
Após a guerra, foi viver com o crítico de arte inglês com o qual entretanto casara, o citado Roland Penrose, em Farley Farm House, no Sussex, ponto de peregrinação obrigatória para grandes artistas do séc. XX, como Dubuffet, Max Ernst, Man Ray, Henry Moore, etc,, localidade onde Lee acabaria por falecer de cancro, em 1977. Nem os grandes especialistas da história da fotografia nem o seu viúvo se interessaram então por dar a conhecer a arte desta notável fotógrafa americana, tendo sido ao seu filho Anthony que coube a iniciativa de reunir as obras da mãe, dando-lhe, finalmente, a notoriedade que mereciam.
Dead SS guard on the canal, Dachau, 1945 |
Lee Miller na banheira de Hitler, 1945 |
Buchenwald concentration camp, 1945 |
Buchenwald guard, 1945 |
Burgermeister’s daughter [suicidada], Leipzig, 1945 |
7. Diane Arbus
Quanto a Diane Arbus, cultivou ela um estilo fotográfico totalmente diverso das outras precursoras mencionadas. Nascida em Nova Iorque em 1923, Diane, filha de emigrantes, donos duma loja de roupa e de peles na mesma cidade, chegou a trabalhar no estabelecimento dos pais, Gertrud e David Nemerov. Tirou depois um curso de fotografia e seguiu ainda o ensino de Lisette Model nesse domínio, entre 1958 e 1960, casando-se, muito jovem, com um colega de profissão, Allan Arbus, do qual se divorciaria em 1969. Já em 1960, tinha a sua primeira foto publicada na revista Esquire. Desde esse começo, Diane mostrou uma tendência decidida para observar a vida pelo prisma da miséria, fotografando aspectos fantásticos, deprimentes e sórdidos do quotidiano, como freaks, nudistas, transexuais, aleijados físicos e mentais, bem como o lado pavoroso, doentio e esquálido da existência nas cidades, não hesitando em recorrer à luz artificial para sublinhar o negrume dos seus temas. As suas fotos mostram-nos, deste modo, uma impressionante e deprimente galeria de americanos e de americanismos na sua feição menos positiva, antes sombria e amargurada, como essas fotos célebres reunidas no seu álbum de 1988: “Anões russos amigos na rua 100 de New York City” (1963), “Homem reformado e a sua mulher num campo nudista, de manhã, New Jersey” (1963), ”Família no seu relvado, num domingo, em Wistchester, NY”(1968), “Anão mexicano no seu quarto de hotel em NYC” (1970),”Mulher porto-riquenha com um sinal de beleza” (1965), “Rapaz com um chapéu de palha, esperando pela marcha pró-guerra, NYC” (1967), “Um casal de velhos num banco do parque, NYC” (1969), “Um gigante judeu com os seus pais no Bronx, NY”(1970), “Dois homens a dançar num baile de drags, NYC”(1970),“Travesti na sua festa de aniversário, NYC” (1969), “Um casal judeu a dançar, NYC” (1963). “Homem numa parada na Quinta Avenida, NYC” (1969), “Casal adolescente na rua Hudson, NYC” (1963),”Criança com uma granada de mão de brinquedo, no Central Park, NYC” (1962), etc.
Em todas estas fotos, na sua maioria tiradas em Nova Iorque, perpassa sempre, nas suas expressões sombrias, na imensa solidão, na evidente derrelicção ou abandono total desses seres fotografados por Diane Arbus, uma angústia que não pode deixar de ser produzida por algo de deprimente e triste que os transcende, ou os impregna como um nevoeiro ou um líquido espesso que acaba por os afogar, petrificando-os em máscaras de tragédia, em títeres dum teatrinho de guinhol duma miséria sem fim. E, um pouco como nos romances de Carson McCullers, estas pobres personnae fotografadas estão ali, inermes e vencidas, ridículas e amarfanhadas, como almas penadas arpoadas por uma pena essencial que deriva dá miseranda condição do ser humano.
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8. Richard Avedon ou o retratista
Filho dum fotógrafo judeu russo, Jacob Israel Avedon, Richard nasceu em Nova Iorque, em 1923, e faleceu em San Antonio (Texas) em 1-X-2004.[14] Depois de ter estudado na universidade de Columbia, na sua cidade natal, torna-se co-editor da revista The Magpie, cumpre o serviço militar (1942-44) e prossegue os seus estudos com Alexey Brodovitch no seu laboratório de design da New School for Social Research (Nova Iorque).[15] Em 1945, Avedon passa a ser fotógrafo do Harper’s Bazaar, colaborando também na revista Vogue, para a qual faria os retratos do casal Jacqueline e John F. Kennedy (recentemente reeditados em livro). No domínio do cinema, colaborou no filme Funny Face de Stanley Donen, obra premiada com vários óscares. Avedon publicou ainda uma obra de colaboração com o romancista Truman Capote e outra com o escritor negro James Baldwin, e ainda Alice in Wonderland (1973), The American West (1985), The Sixties (1999) e Richard Avedon Portraits (2002).
Apesar de ter sido, acima de tudo, um fotógrafo retratista a preto e branco, muito solicitado pelos famosos, tanto pelos políticos (Eisenhower, Kennedy, Kissinger, Malcolm X, Hillary Clinton, Kofi Annan, etc.) como por demais celebridades (os Beatles, Warhol, Capote, Simon e Garfunkel, John Ford, Marilyn Monroe, Frank Zappa, Igor Stravinsky, Mae West, Picasso, Naomi Campbell, Chaplin, Abbie Hoffman, etc.), Avedon fez reportagens sociais e históricas sobre os movimentos dos direitos cívicos negros nos anos 60, da guerra do Vietname, de grupos de artistas como os Beatles (1967), mas centrando sempre o seu estilo no retrato, sobretudo individual, de grandes celebridades, desde presidentes a cantores e artistas plásticos. As suas fotos são em geral tiradas com o modelo de frente, sob um fundo branco e vazio, com grande nitidez de contraste, sempre a preto e branco, todas centradas no rosto e corpo do retratado, que é, dest’arte, individualizado numa espécie de solidão patética mas calma. Nos últimos anos, nomeadamente para a revista The New Yorker – onde a sua colaboração era assídua –, Avedon fotografou a cores grupos de homens e mulheres, brancos e negros, todos nus, numa espécie de atmosfera natural e expectante, o que lhes dava um ar intrigante, levemente irónico. Um Avedon é, desde logo, uma atmosfera única e inconfundível, já que parecia que ele procurava, acima de tudo, reter na película uma exactidão anímica, contida e de algum modo solitária, mas, apesar disso, cheia de individualidade triste. Há, assim, na arte de retratista de Avedon, e diferentemente de todas as demais – basta compará-la, por exemplo, com a amargura histérica de Arbus –, uma atmosfera de misteriosa e pungente mas silenciosa tristeza, uma melancolia que foge a todo o patético e ao declamatório, sendo, por isso mesmo, sempre tranquila.
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Alfred Hitchcock |
João Medina
[1] Veja-se a biografia deste fotógrafo por Patricia Morrisoe, Mapplethorpe. A biography, Londres, Macmillan, 1995, ilustr. Veja-se o seu álbum Robert Mapplethorpe Black Book, Novas Iorque, St.Martins’s Press, 1986, ilustr.; pref. de N. Shange, pp. não numeradas.
[2] Sobre a fotografia de Stieglitz e a sua vida, vide: – Alfred Stieglitz. Exibitions Catahalogue of Photographs in the National Gallery, Washington, National Gallery of Art, 1983, ilust. – Eva Weber, Alfred Stieglitz, Londres, Bison Group, 1991, ilustr. – Gregory A. Dobie (org.), In Focus: Alfred Stieglitz – Photographs from the J. Paul Getty Museum, 1995, ilustr.
[4] Veja-se Sean Callahan (org.), The Photographs of Margaret Bourke-White, Nova Iorque, Bonanza Books, s.d., ilustr. (nas pp.136-7 reproduz-se a célebre foto duma fila de negros que aguarda a chegada duma transporte público, enquanto por cima deles se exibe um cartaz gigantesco celebrando a satisfação duma família branca num automóvel particular, com o slogan “World’s highest standard of living – there is no way like the American way”. – You Have Seen Their Faces (texto de E. Caldwell, fotos de M.B.-W.), ed. em 1937, reed. recente: You Have Seen Their Faces, Atenas e Londres, Brown Trasher Books, 1995, pref. de Alan Trachetenberg, pp.V-VIII. Vejam-se as fotos que deste álbum reproduzimos na revista Clio, nº 12, Lisboa, 2005, p. 266, e a biograf. da fotógrafa na pág. 267. Veja-se também a autobiografia de E. Caldwell, With All my Might. An Autobiography, Atlanta (Georgia), Peachtree Publ., 1987, ilustr., maxime pp.157, 159 ss, 163 ss, 175 ss, 185 ss (URSS); casamento com B.-White: pp.167-9; Portugal visitado em 1941: 192-3.
[5] James Agee e Walker Evans, Let Us Now Praise Famous Men, Nova Iorque, Ballantine Books, 1966, ilustr. Nascido em Knoxville, no Tennessee, James Agee foi jornalista, crítico de cinema, guionista, poeta e romancista, deixando um romance póstumo autobiográfico, Morte na Família (1957). Concluindo estudos em Harvard (1932), ao mesmo tempo que publicava poemas e ensaios, Agee foi também um dos mais célebre críticos de cinema da sua geração, colaborando nas revistas Time e The Nation, assim como escreveu guiões de filmes, sendo seu o guião da Rainha Africana, filme realizado por John Huston em 1951. Doente cardíaco, sofreu um primeiro ataque em 1951, acabando por sucumbir a um outro em 16-V-1955, num táxi, em Nova Iorque. Deixou também o guião para o filme A Noite do Caçador, de Charles Laughton (1955). A verdade, porém, é que J. Agee teve escasso reconhecimento público em vida. Foi-lhe dado postumamente, em 1958, o prémio Pulitzer pelo seu já referido romance Morte na Família. As suas recensões cinematográficas foram recolhidas nos volumes Agee on Film (1948 e 1952).
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[6] Sobre a faina do algodão, vejam-se a secção que lhe dedica J. Agee, Let Us Now Praise Famous Men, Nova Iorque, Ballantine Books, 1966, pp.295-315.
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[6] Sobre a faina do algodão, vejam-se a secção que lhe dedica J. Agee, Let Us Now Praise Famous Men, Nova Iorque, Ballantine Books, 1966, pp.295-315.
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[7] Prefácio de Walker Evans a Let Us Now Praise Famous Men, Nova Iorque, Ballantine Books, 1966, ilustr. com fotos, p.XII, pref. datado de 1960.
[8] W.Evans, ibidem, loc. cit.
[9] Sobre esta fotógrafa, veja-se: – George P. Elliott, Dorothea Lange, Nova Iorque, Doubleday Co., Museum of Modern Art, Los Angeles County Museum e Worcester Art Museum, 1966, ilustr. – D. Lange, An American Exodus: a record of human erosion in the thirties, New Haven, Yale Uniuversity Press, 1969, ilustr. – Milton Maltzer, Dorothea Lange: a photographer’s life, N. Iorque, Farrar, Straus & Giroux, 1985. – Elisabeth Partridge, Restless Spirit: the life and work od Dorothea Lange, N. Iorque, Viking Books, 1998, ilustr. – Mark Durden, Dorothea Lange, Londres, Phaidon Press, 2001, ilustr.
[10] Veja-se esta foto reproduzida e comentada no volume antológico de fotos, por Hans Mocgael Koetzle, Photos Icons. The Story behind the Pictures, 1827.1991, Colónia, Taschen, 2005, pp.188 (foto) a 197; uma outra foto, nas pp.192-3, mostra a mesma Florence numa barraca improvisada erguida sobre o seu carro, rodeada de quatro filhos seus; outras duas fotos da mesma mulher migradora nas pp. 194-5. Nenhuma delas tem, porém, o impacto, a austera rudeza e dramatismo daquela que se tornaria um dos símbolos mesmos dos anos duros da Grande Depressão.Veja-se Dorothea Lange, Nova Iorque, Aperture Masters of Photography, Number Five, 1987, pref. de Christopher Cox, p.39 e o comentário que lhe dedica o prefaciador nas pp.10-11. Veja-se o artigo de Jonathan Raban, “American pastoral”, The New York Review of Books, 19-XI-2009, pp.12-17 (reproduzindo a famosa foto “Migrant mother”, p. 12), acerca de dois livros recentes sobre a fotógrafa Dorothea Lange.
[11] Recorde-se a celebrada exposição fotográfica em Nova Iorque, editada em livro com o título he Family of Man (pref. de Carl Sandburg), Nova Iorque, Moma, 1955, organizado por secções temáticas da existência humana, numa da quais está a foto da “Migrant Mother” de Lange (p. 151), na secção onde figuram fotos de solidão, desespero, fome e sofrimento. Noutro local figura a famosa foto de Lange (1933) mostrando uma fila de pessoas na White Angel Breadlane, em São Francisco.
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[12] Veja-se esta foto reprod. no livro Dorotha Lange, editado pela cit. colecção Aperture Masters of Photography, p.13, com comentários nas pp.8-9.
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[13] Veja-se o álbum de fotos de guerra de Lee Miller: Lee Miller’s War, pref. de David E. Scjerman, Londres, Thames and Hudson, 2005, ilustr. (pref.: pp.7-13).
[14] Veja-se: – Richard Avedon, Evidence 1944-1994, Nova Iorque, Random House, 1994, ilustr. – Richard Avedon, Photographer, Nova Iorque, Marlborough Gallery Inc, 1975. – The Kennedies: portrait of a family, Nova Iorque, Colllins, 2007 (fotos feitas para a revista Vogue, em 1961). – R. Avedon, Portraits, Nova Iorque, Noonday Press, 1976. – Richard Avedon Portraits, Nova Iorque, exposição do Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque, Harry N. Abrams Inc., Publishers, 2002, pref. de Phillippe de Montebello, sem numeração de paginação; com retratos de Francis Bacon, Samuel Beckett, Hasrold Bloom, William Burroughs, Vladimir Horowitz, Andy Warhol, Truman Capote, Roy Lichtenstein, Richard Avedon (com o torso nu, a cabeça e os braços cobertos de formigas), William de Kooning, Marilyn Monroe, Isak Dinesen, Jacob Israel Avedon (o seu pai), Alger Hiss, etc. Também aqui aparecem fotos de grupos de pessoas nuas, ao lado de outros com pessoas vestidas. Trata-se dum livro desdobrável, dentro duma caixa própria, reunindo uma excelente antologia do essencial da arte avedoniana, por ocasião duma exposição no Metropolitan Museum de Nova Iorque, com os citados retratos e outros ainda; são de Richard Avedon as fotos do livro de R.Nureyev, An Autobiography, Nova Iorque, Dutton & Co, 1983 – Richard Avedon, Nothing personal, de colab. com James Baldwin, Dell, 1965.
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[15] A New School for Social Research, de Nova Iorque, criada em 1919, tornou-se, desde 1944, numa escola de estudos de licenciatura. Entre os seus centros mais destacados estava o famoso Centro de Estudos das Relações Humanas, criado desde 1933 como uma “Universidade do Exílio”, aberta aos professores e investigadores ameaçados na Europa totalitária da altura, nomeada então como Graduate Faculty of Political and Social Research, na qual colaboraram diversos exilados alemães, alguns vindos alguns da Escola de Francoforte. Entre os s eus professores mais importantes estavam Hannah Arendt, Leo Strauss, Aron Gurvitch, Max Wertheimer, e Erich Fromm. Os gaullistas exilados na América do Norte criaram, em relação com ela, a “École Libre des Hautes Études”, tendo como professores Claude Levi-Strauss, Jacques Maritain e Roman Jakobson. Dava-se na New School for Social Research especial acolhimento a alunos adultos que buscavam uma especialização avançada em ciências sociais e línguas.
Eu acrescentaria a este ramalhete o nome de Lewis Wickes Hine, embora talvez não seja considerado um "artista" - erradamente, a meu ver. Com os seus milhares de fotografias sobre trabalho infantil na América do princípio do século XX, foi o grande obreiro da Child Labor Reform. As suas imagens são reveladoras, duras, pungentes, belíssimas (quanto o nosso conceito de beleza as deixar ser), únicas, insubstituíveis e imortais.
ResponderEliminarJ.B.