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Via Expresso, ficámos a saber que António Araújo
coleciona sentenças antigas. Inspirados pelo nosso editor, buscámos decisões
exemplares. Eis uma que descobrimos com prazer:
Em Millwood, Nova Iorque, nos idos de 1920 e qualquer
coisa, o antigo juiz de paz (Justice of the Peace) Ogden S. Bradley apresentou
queixa de Grace Williams, de 18 anos, acusando-a de conduta desordeira por,
todos os dias, ao passar junto da sua casa, cantar "Everybody´s Doin´t It
Now" enquanto dançava o lascivo "Turkey Trot", quando passava
junto à sua casa. O tranquilo juiz de paz e a sua mulher pensavam que a canção
e a dança eram altamente impróprias e sentiam-se profundamente incomodados ao
ouvirem e verem a arguida nesses propósitos.
O advogado de Grace Williams, Stuart Baker, pediu um
julgamento com júri. Na audiência, a arguida declarou que, com efeito, cantava
a canção porque gostava muito dela e que dançava porque, quando se sentia
possuída pelo ritmo, não conseguia evitar os passos e os trejeitos do
"Turkey Trot".
Nessa ocasião, o advogado da arguida ofereceu-se para
cantar a canção. O procurador contestou, argumentando que tal procedimento
transformaria o julgamento numa farsa. O juiz Chadeayne afastou a objecção com o
argumento de que se tratava de um meio de prova importante para apreciar se
efectivamente teria havido conduta desordeira.
Stuart Baker fez, então, ouvir a sua bela voz de
barítono. Quando chegou ao refrão "Everybody´s doin´it, doin´it,
doin´t", todos os assistentes se lhe juntaram, com algum entusiasmo. No
final, os jurados reclamaram "bis". Autorizado pelo juiz Chadeayne, o
advogado voltou a entoar a canção, agora com maior intensidade e emoção.
Enquanto cantava, ofereceu aos membros do júri uma versão moderada dos
trejeitos do "Turkey Trot". Os jurados permitiram-se avaliar a
interpretação, aplaudindo vigorosamente, autorizados pelo sorriso complacente
mas discreto do juiz Chadeayne.
Em cinco minutos chegou-se à deliberação que absolveu
por unanimidade a arguida. E o ragtime lá continuou a corromper a juventude e a
alegrar os corações. Não há registo de uma eventual mudança de residência do
sensível juiz de paz e da esposa, nem da sua eventual conversão às delícias de
"Everybody´s Doin´It Now".
José Luís Moura Jacinto
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