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Imagem de Jessica Hill (AP)
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Já aqui
questionei a legitimidade da publicitação da imagem recente que mostrava um homem prestes
a ser trucidado no Metro de Nova Iorque. Na altura, deixei a interrogação em
suspenso: havia respostas contraditórias, uma onda de indignação varria o
mundo. Agora, uma imagem captada pela fotojornalista Jessica Hill, da
Associated Press, mostra uma mulher em gritos e prantos, procurando saber do
paradeiro da sua irmã, professora na escola de Newton, no Connecticut.
Esta imagem é terrível, pois espelha o
desespero puro, mas in fieri, não a dor acabada e definitiva. Aqui, o ponto dominante é a
incerteza. E, apesar de tudo se passar num espaço público, a imagem é
totalmente íntima e privada. Não sei o que aconteceu à irmã da mulher aqui
fotografada. Mas sei que, para ilustrar a matança dos inocentes na escola de
Newton, esta imagem não era necessária. Outras existiam. Nada há de comparável
com as imagens que mostram a agonia de Omayra Sánchez ou a da menina sudanesa faminta
com o abutre no seu encalço, da autoria de Kevin Carter (a menina salvar-se-ia, o fotógrafo suicidar-se-ia). Tendo corrido mundo sem suscitar polémica, esta imagem de Jessica Hill é, de
certo modo, «lateral» ou «acessória» face ao que ocorrera na escola de Newton.
Ilustra a angústia dos familiares ou amigos que ainda não sabiam o que acontecera aos
seus entes mais próximos e mais queridos. Como é evidente, a mulher gritava ao
telemóvel porque sabia que algo se passara na escola onde a sua irmã era
professora. Mas não é a imagem de uma mãe que acaba de saber da morte de um
filho, por exemplo, ou de uma mulher que sabe que a sua irmã foi assassinada. Sobre esta fotografia, como disse, paira a incerteza: é até possível que
a professora tenha saído sã e salva e que, poucos minutos depois,
a mulher em sofrimento tenha sabido que a sua irmã escapara a um trágico
destino. A imagem não retrata um acontecimento concluído, mostra um processo, o processo em que alguém
tenta saber do paradeiro de alguém. Estranhamente, a discussão sobre a
legitimidade de publicitação desta fotografia decorre do facto de, no momento em que foi
captada, tudo estar em ainda em aberto, seja para aquela mulher que grita, seja para a
sua irmã na escola de Newton. Por um singular paradoxo, se fosse a imagem de alguém que recebe a notícia de uma morte, o momento seria íntimo, mas tudo teria terminado; e a legitimidade da sua divulgação seria menos questionável. Mas, nada se sabendo ainda, a imagem é algo «gratuita» e de pouco valor se reveste para o que pretende mostrar, a dor e morte no Connecticut. A dor, aqui, existe patentemente, mas é reversível. No fundo, esta não é uma imagem informativa sobre o massacre de Newton. Nem todas as imagens
têm de o ser, reconheço. Mas, se não for para nos informar, servem para quê? Para satisfazer
o nosso voyeurismo mórbido? A questão, mais vasta, ainda recentemente foi debatida nas páginas do El País, aqui.
António Araújo
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