sábado, 30 de novembro de 2013

Reflexões a propósito de um livro - 7

 
 




As palavras que utilizamos no quotidiano, muito mais na construção do saber em ciências sociais e humanidades, podem conter pressupostos (ou armadilhas) que nos amarram a postulados que limitam o nosso olhar sobre um dado fenómeno social ou histórico. Uma delas é a palavra «colonialismo». Profusamente utilizada quando está em causa a dominação europeia em África, mas seria útil que nos libertássemos dela e recorrêssemos a uma outra palavra com maior carga de neutralidade: colonização. Como muitos ismos, o termo colonialismo adjetiva o fenómeno histórico a que se reporta, a colonização, depreciando-a, isto é, carregando-a aprioristicamente de complexos de culpa e de vitimização. Quem parte condicionado por instrumentos analíticos deste tipo mais do que procurar identificar, compreender, explicar e interpretar realidades sociais e históricas nas suas idiossincrasias, irá sobretudo reger-se por atitudes normativas e valorativas, na essência voltadas para julgamentos do passado e das sociedades.
No jogo de palavras sobre o fenómeno colonial tornou-se também corrente a utilização, sem obstáculos de maior, da palavra colonialismo enquanto antónima de descolonização. Em bom rigor, o oposto de colonialismo é descolonialismo. Não descolonização. Porém, por ser dominante a representação da colonização europeia enquanto fenómeno contranatura ela é despromovida a colonialismo. Em sentido contrário, como o descolonialismo, supondo que a palavra exista, reportar-se-ia a um fenómeno politicamente correcto é promovido a descolonização. Veja-se, por exemplo, como é que o título do livro de Sarah Adamopoulos joga com estes termos: Voltar. Memórias do colonialismo e da descolonização (2012, Lisboa, Planeta). Assim, antes de abordar o conteúdo do livro é provável que sejamos capazes de antecipar o seu sentido argumentativo. Exemplo entre outros.
Significa que a palavra colonialismo é sintomática dos obstáculos com que se depara a construção de conhecimentos sobre as sociedades que procure orientar-se pela e para a neutralidade axiológica como a considerou Max Weber, a atitude que melhor contraria interpretações normativas, valorativas ou dogmáticas (M. Weber 2005 [1917] «O sentido da “neutralidade axiológica” das ciências sociológicas e económicas» in Três tipos de poder e outros escritos, Lisboa, Tribuna da História, pp.145-192). Freud defendeu uma postura equivalente através da sua prática clínica e teorização orientadas por uma amoralidade ética, atitude fundamental quando o propósito é o de compreender e não o de julgar indivíduos ou coletivos (C. A. Dias & L. Magalhães 2000, Freud para além de Freud, Lisboa, Fim de Século).
Acrescento que se a historiografia tem pretensões de cientificidade deve preocupar-se em manter alguma coerência e estabilidade nos conceitos, terminologias, modelos de análise e critérios que utiliza no estudo de fenómenos de uma mesma categoria. A regra é válida para as demais ciências sociais e humanidades. Suponho ser difícil aceitar classificar a dominação colonial por fenícios, gregos, romanos ou árabes nas suas épocas áureas como colonialismo. No entanto, aceitamos tal classificação quando o agente colonizador é exclusivamente europeu.
A palavra colonialismo é, portanto, fruto do discurso político do século XX, um discurso que invadiu e colonizou o pensamento académico. Separar o discurso político ou ideológico, por um lado, do discurso analítico ou académico, por outro lado, é uma das nossas obrigações, como referi.
De resto, se os processos de dominação colonial devem ser tratados de acordo com as especificidades do seu tempo e do seu espaço, devem também, em simultâneo, ser integrados em lógicas de muito longa duração. É para isso que serve a história. Importa captar o que há em cada um deles de particular, mas também o que têm em comum. E o que comungam é seguramente a ideia de colonização. Não a ideia de colonialismo.
 
Gabriel Mithá Ribeiro
 
 

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