As
palavras que utilizamos no quotidiano, muito mais na construção do saber em
ciências sociais e humanidades, podem conter pressupostos (ou armadilhas) que nos amarram a postulados
que limitam o nosso olhar sobre um dado fenómeno social ou histórico. Uma delas
é a palavra «colonialismo». Profusamente
utilizada quando está em causa a dominação europeia em África, mas seria útil que
nos libertássemos dela e recorrêssemos a uma outra palavra com maior carga de neutralidade:
colonização. Como muitos ismos, o
termo colonialismo adjetiva o fenómeno histórico a que se reporta, a
colonização, depreciando-a, isto é, carregando-a aprioristicamente de complexos
de culpa e de vitimização. Quem parte condicionado por instrumentos analíticos
deste tipo mais do que procurar identificar, compreender, explicar e
interpretar realidades sociais e históricas nas suas idiossincrasias, irá
sobretudo reger-se por atitudes normativas e valorativas, na essência voltadas
para julgamentos do passado e das sociedades.
No jogo de palavras sobre o fenómeno
colonial tornou-se também corrente a utilização, sem obstáculos de maior, da
palavra colonialismo enquanto
antónima de descolonização. Em bom
rigor, o oposto de colonialismo é descolonialismo. Não descolonização. Porém, por ser dominante
a representação da colonização europeia enquanto fenómeno contranatura ela é
despromovida a colonialismo. Em
sentido contrário, como o descolonialismo,
supondo que a palavra exista, reportar-se-ia a um fenómeno politicamente
correcto é promovido a descolonização.
Veja-se, por exemplo, como é que o título do livro de Sarah Adamopoulos joga
com estes termos: Voltar. Memórias do
colonialismo e da descolonização (2012, Lisboa, Planeta). Assim, antes de abordar
o conteúdo do livro é provável que sejamos capazes de antecipar o seu sentido argumentativo.
Exemplo entre outros.
Significa que a palavra colonialismo é sintomática dos
obstáculos com que se depara a construção de conhecimentos sobre as sociedades
que procure orientar-se pela e para a neutralidade axiológica como a considerou
Max Weber, a atitude que melhor contraria interpretações normativas,
valorativas ou dogmáticas (M. Weber 2005 [1917] «O sentido da “neutralidade axiológica” das ciências
sociológicas e económicas» in Três tipos
de poder e outros escritos, Lisboa, Tribuna da História, pp.145-192).
Freud defendeu uma postura equivalente através da sua prática clínica e
teorização orientadas por uma amoralidade ética, atitude fundamental quando o
propósito é o de compreender e não o de julgar indivíduos ou coletivos (C. A.
Dias & L. Magalhães 2000, Freud para
além de Freud, Lisboa, Fim de Século).
Acrescento que se a historiografia tem
pretensões de cientificidade deve preocupar-se em manter alguma coerência e
estabilidade nos conceitos, terminologias, modelos de análise e critérios que
utiliza no estudo de fenómenos de uma mesma categoria. A regra é válida para as
demais ciências sociais e humanidades. Suponho ser difícil aceitar classificar
a dominação colonial por fenícios, gregos, romanos ou árabes nas suas épocas
áureas como colonialismo. No entanto,
aceitamos tal classificação quando o agente colonizador é exclusivamente
europeu.
A palavra colonialismo é, portanto, fruto do discurso político do século XX,
um discurso que invadiu e colonizou o pensamento académico. Separar o discurso
político ou ideológico, por um lado, do discurso analítico ou académico, por
outro lado, é uma das nossas obrigações, como referi.
De resto, se os processos de dominação
colonial devem ser tratados de acordo com as especificidades do seu tempo e do
seu espaço, devem também, em simultâneo, ser integrados em lógicas de muito
longa duração. É para isso que serve a história. Importa captar o que há em
cada um deles de particular, mas também o que têm em comum. E o que comungam é
seguramente a ideia de colonização. Não a ideia de colonialismo.
Gabriel
Mithá Ribeiro
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