domingo, 17 de novembro de 2013

Um país, dois leilões.

 
 
 
 
 
 
I prefer to deal through you as hats are the most important thing.

Enclosed is a sample of a tailored coat I have ordered from Bem Zuckerman.

I must have these for Inauguration Day so yo'll have to rush - send to Washington

Oh dear it was so pleasant when I didn't have to wear hats!


I do like the crocodile shoes but they are too small.

A rather different beret.








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Marina Prusakova
 



 





 




          No dia do 50º aniversário da morte de John F. Kennedy será leiloado um conjunto de cartas de Jackie para Marita O’Connor, a sua personal shopper da Bergdorf Goodman. Escritas no início dos anos 60, as dezassete cartas mostram o cuidado extremo de Jacqueline Bouvier com a sua aparência, mostrando que ser um modelo de elegância, admirado mundialmente, é algo que dá muito trabalho e que requer grande esforço e enorme minúcia, a máxima atenção aos mínimos pormenores. Não se julgue, porém, que Jackie era, ou era apenas, uma mulher mundana e, menos ainda, uma pessoa fútil e frívola. Para quem tenha dúvidas, veja-se o que lia em jovem, o que escrevia e como pensava nesse tempo. Está tudo referido numa biografia monumental e fascinante, que li há pouco, America’s Queen, de Sarah Bradford. Irão ser leiloadas também algumas peças de vestuário, incluindo um blazer de John Fitzgerald Kennedy.

          Tudo isto é moda, nada mais do que moda, roupas e acessórios. Sem dúvida. Haverá também alguma morbidez neste coleccionismo de memorabilia, algo de maníaco no instinto possessivo dirigido à intimidade das celebridades. Ir-se-ão vender, e a preços astronómicos, as cartas de Jackie Kennedy à sua personal shopper… Mas, atenção, a moda conta. Ganham sempre mais os que fazem as coisas no tempo certo, os que sabem cavalgar a onda efémera. Agora, Kennedy é fashion, porque há precisamente cinquenta anos o seu crânio foi esfacelado em Dallas. Daqui a uns meses o momento será doutra celebridade, e JFK Kennedy perderá valor na bolsa do comércio voyeurista.

De um lado a vítima, do outro o assassino. E duas viúvas, como numa tragédia shakesperiana. A moda Kennedy suscitou um estranho cruzamento leiloeiro, com vista ao mesmo fim: o dinheiro. Há uns dias, alguém pagou 118 mil dólares pelo anel de casamento de Lee Harvey Oswald. O comprador levou para casa, junto com a aliança, uma carta manuscrita de Marina Oswald Porter, que em cinco páginas conta a história do anel que Oswald comprara numa joalharia de Minsk, em 1961, onde se casou com Marina Prusakova, então uma jovem de dezanove anos. Lee casou com Marina dois meses depois de se conhecerem. No interior da aliança, além de uma estrela, a marca da foice e do martelo. Horas antes do assassinato de Kennedy, em 22 de Novembro de 1963, Lee Harvey Oswald tirou a aliança do dedo. Encontrei versões desencontradas sobre onde terá ficado o anel, mas o que se sabe ao certo é que, por um impedimento legal, só ao fim de cinquenta anos a aliança de casamento foi devolvida à viúva. Até aí, estivera no cofre de uma firma de advogados de Fort-Worth, Texas. Além do anel, foram leiloados cerca de trinta objectos pessoais de Lee Oswald, como a primeira pistola que teve na vida a uma faca do Marine Corps. Tudo certificado com assinaturas do seu irmão, Robert. Os objectos em leilão espelham duas personalidades: os sapatos de Jackie, de um lado, e as armas de Lee, do outro.
Há milhares e milhares de teorias sobre o assassinato de Kennedy, centenas delas falam do anel de casamento. Um dos grandes mistérios do crime tem a ver, imagine-se, com a dentição de Marina Oswald e com as suas idas ao dentista, questão que foi analisada com minúcia no Relatório Warren.  No fundo, a mesma minúcia com que Jacqueline Kennedy, a outra viúva, escolhia as suas roupas e adereços de moda. A intimidade dos Kennedy e dos Oswald é agora exposta e posta a render; mas, durante cinco décadas, à viúva não foi devolvido aquilo que era mais íntimo. Afinal de contas, Marina entrou em toda esta história devido ao facto de ter trocado aquela aliança com Lee Harvey Oswald, na distante Bielorrússia. Aquele anel, guardado durante cinco décadas, era o símbolo da sua união, com o marido e com a História. E agora, aos setenta anos de idade, coloca o anel à venda na melhor saison, com uma carta atestando a veracidade e relatando toda a história do objecto histórico... A celebridade das duas viúvas deve-se ao facto de terem sido casadas com homens célebres. Mas Jacqueline, com a sua obsessão por roupas, contribuiu muitíssimo para o glamour que rodeou a Presidência de JFK. A moda, como vemos, tem a sua importância. Sem ela, talvez Kennedy não tivesse a carreira política que teve, não chegaria à Presidência dos USA, não faria da Casa Branca um lugar de sonhos, não teria um funeral tão comovente e distinto, nem uma memória tão perene e saudosa. Se não fosse a minúcia de Jackie com os adereços, as cartas que agora vão à praça – e que falam com minúcia de adereços… –  não teriam o valor que têm. Todos ganharam, ele e ela, e agora, postumamente, outros irão ganhar por ele ter sido como foi, JFK, e ela  ter sido como foi, America’s Queen Faz sentido a famosa frase, Ich bin ein fashion addict.

Desconhece-se se Marina, a senhora dos anéis, também contribuiu para a fama, bem menos glamorosa, do seu marido. Para o saber ao certo, escrutinaram até a intimidade da sua boca… Um dia, num leilão qualquer, haverá quem esteja disposto a pagar pelos seus dentes, sobretudo se forem de ouro, mais ainda se neles estiverem inscritos o martelo e a foice.    

Das mais díspares teorias que abundam sobre a morte de JFK até ao leilão das cartas de Jackie ou do anel de casamento de Lee Oswald, tudo faz parte da mesma, grande e estranha realidade, a América. Ou, mais do que apenas a América, do mundo inteiro. Um lugar estranho.
 
 
 
António Araújo
 
 
 
    


4 comentários:

  1. Caro António, já agora peço-lhe, se for possível, mais algumas sugestões de biografias que recomende.... E parabéns pelo blogue que já há muito se tornou de leitura diária!

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  2. Obrigado pelas suas palavras. Biografias da Jackie? Confesso que, de substancial, só li esta, da Sarah Bradford.
    Cordialmente,

    António Araújo

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  3. Não de Jackie, simplesmente outras quaisquer que recomende...

    Cumprimentos,
    Ricardo Sebastião

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