Quando era pequeno,
gostava de Kalkitos e bananas. No meu bairro, só havia Kalkitos no supermercado
Europa. No Lumiar dos anos oitenta, comprar decalques ilustrando o desembarque
na Normandia era uma conquista difícil. Bananas havia em mais dois ou três
sítios, mas a minha mãe só as comprava se custassem menos de duzentos escudos.
Acima disso, ficavam no Europa. Duzentos escudos em 1984 são hoje quatro euros
e meio. E hoje há bananas a um euro por todo o lado, e já não há nada que haja
só no Europa. A Europa baixou o preço da banana – os miúdos cá em casa
agradecem, e muito mais agradecem os miúdos do Uganda ou da Costa Rica. A
Europa transformou os europas em continentes e em pingos doces na Polónia, e
substituiu os Kalkitos por cadernetas da Champions. É sempre assim – quando a
Europa destrói barreiras, ganha a Europa e ganha o mundo.
Mas mais do que isso: a
Europa derrubou os vários bairros de lata que rodeavam o Europa, e onde viviam
muitos dos clientes desse mercado comum, subiu o seu nível de vida, trouxe-lhes
água e saneamento, crédito bancário. A destruição de barreiras sociais que a
Europa patrocinou passou ali pelo Europa e é disso que me lembro quando ouço
inanidades antieuropeístas.
O problema são sempre
as barreiras que a Europa não destrói ou tarda a destruir. Ir do Lumiar ao
Rossio não é hoje substancialmente diferente do que era em 1984. Antes, o metro
parava em Entrecampos, é verdade, e com o dinheiro da Europa há hoje uma
estação mesmo à porta do Europa. Os táxis mudaram de cor e têm cintos de
segurança, coisas que também dizem que vieram da Europa, e o autocarro, que era
o 36 e agora é o 736, cheira melhor, mas nada de revolucionário aconteceu
nestes 30 anos de transportes.
A revolução na
mobilidade europeia está a chegar dos Estados Unidos onde a empresa Uber
desenvolveu uma aplicação que permite, com um clique no telemóvel, sermos
transportados dos lumiares aos rossios. O transporte é pago à Uber e assegurado
por alguém, de um conjunto de condutores pré-registados, proprietário de uma
viatura profissional ou mesmo de uso pessoal. Mais escolha, mais eficiência,
melhores preços. O cartel do táxi saiu à rua: em Milão, os taxistas estão
há dias em greve; em Bruxelas e Berlim, conseguiram que um tribunal proibisse
serviços da Uber. A Comissão, ou melhor uma Comissária, indignou-se com a
decisão judicial belga. Mas terá a Europa força contra o poder do táxi? E o que
pensam os candidatos portugueses ao Parlamento Europeu sobre a questão? E
haverá força política no plano doméstico para impor uma ideia europeia de
liberdade em tempo útil?
A Europa foi o mecenas
da nossa liberdade, pagou-nos a festa e depois pagou-nos a ressaca. Mas a
Europa burocrática e sem rumo dos últimos anos ajuda a esquecer o seu passado e
a sua enorme força libertadora de cartéis económicos e políticos. Por isso, o
próximo Parlamento e o próximo Presidente são fundamentais para as cidades e
gentes europeias. Por isso, estas europeias não são europeias, são
legislativas, são presidenciais e são locais. Para que os desembarques na
Normandia continuem nos Kalkitos e que não haja mais barracas à saída do
Europa.
PS: O Europa continua a
ser o meu supermercado, o melhor espelho dos vários portugais que andam por aí.
João Gama
(uma versão anterior
deste texto foi publicada originariamente no Jornal de Negócios, em 23 de Maio de 2014.)
Não conheço a Uber que apresenta como o paradigma da inovação mas conheço os mini-cab's londrinos que cumprem a mesma função há décadas : Carros particulares, conduzidos pelos proprietarios, registados em multiplas agencias, que com um telefonema transportam passageiros ao seu destino por quantias previamente determinadas.É facil e é mais barato que os conhecidos black cab's,esses sim identificados como taxis.E tudo na paz do Senhor.Mas também é verdade que o RU não é bem a Europa, e com os resultados de hoje do UKIP em breve poderá deixar de o ser de todo.
ResponderEliminarAs recordações que veio trazer...
ResponderEliminarLembro-me como se fosse ontem, de ter nas mãos os Kalkitos do Desembarque na Normandia. Tive muitos outros, mas é deste que melhor me recordo, não sei porquê...
Deus! Os Kalkitos do Desembarque na Normandia...
ResponderEliminarlpj