Nuon Chea, nº 2 dos Khmers Vermelhos,
condenado a semana passada a prisão perpétua
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Há
uns dias, um tribunal de Phnom Penh condenou a prisão perpétua dois dos maisimportantes dirigentes ainda vivos dos Khmers Vermelhos. Julgados e encarcerados por crimes
contra a Humanidade, durante um período de terror e morte que, de 1975 a 1979,
ceifou a vida a 1,7 milhões de pessoas. Quando o conflito com o Vietname pôs
fim ao reinado de Pol Pot, os Khmers Vermelhos contaram com um aliado, a China.
Exactamente, a República Popular da China, bem nossa conhecida, cada vez mais. Quase dois milhões de mortos em quatro anos, uma média impressionante.
Vem
isto a propósito de uma conversa que tive há dias com o Pedro Magalhães sobre A Imagem que Falta, filme-documentário
de Rithy Panh que, na linha da biografia e da filmografia do autor, se debruça
sobre o período dos Khmers Vermelhos. O filme, premiadíssimo, está agora à
venda na FNAC, em exclusivo, e, passe a publicidade, merece muito ser visto (ver a crítica do Público, aqui). Um
documentário com noventa e dois minutos de duração, com imagens de arquivo, bonecos
de argila e um narrador de voz monocórdica em francês parece um programa algo
enfadonho para um dia de Verão. Mas verão que não. A obra de Panh será
recordada como «o filme dos bonecos» e, de facto, estes desempenham um papel
crucial para preencher a imagem que falta.
As imagens que faltam são muitas: no Cambodja dos Khmers só existiam filmes de
propaganda, que os escravos dos arrozais eram obrigados a ver às noites,
tombados de fome e de sono.
Um dia, conta Panh, um cineasta ao serviço de Pol
Pot não trabalhou como devia – foi morto, obviamente. Faltam imagens de como
era a vida nos campos ou nos hospitais, nas ruas de Phom Penh outrora vibrantes
de vida e alegria. Os Khmers, sabe-se lá porquê, filmavam ou fotografavam as
execuções. Não existem imagens, ou Rithy Panh optou por dá-las através de
figurinhas simiescas e esquálidas. Como sempre acontece, trazer adereços do
mundo infantil para as crueldades do reino dos adultos aumenta a carga
dramática, adensa a perversidade. As imagens das figuras de barro são bem mais
poderosas do que filmes de documentário – e aqui residiu a intuição brilhante
do realizador. Devido ao seu percurso vida, a imagem que falta são também as
fotografias da infância e juventude, que lhe foram roubadas pelos fanáticos do
Kampuchea. Os Khmers Vermelhos destacaram-se por terem procurado impor de uma
forma racional e planificada ao milímetro, uma sociedade nova, construída a
partir de raiz. Eram intelectuais formados em Paris, viam o mundo de forma
cartesiana e mecanicista, visionários de régua e esquadro. Às tantas, o pai de Rithy
Panh decidiu deixar-se morrer de fome e inanição, recusando-se a ingerir aquilo
que lhes davam – e que era igual à comida dos porcos. A mãe, foi morta. A escola de Panh fora transformada no pior dos centros de tortura («S21», sobre o qual o realizador já fez um filme), os porcos andavam tranquilamente em redor da Biblioteca Nacional, semiarruinada e de portas escancaradas. Enquanto isso, os Khmers, que proclamavam o igualitarismo absoluto, tinham alimentação abundante e hospitais próprios. O
filme, em bonecos de animação, encena de forma dilacerante este teatro de morte
vivido no Cambodja. Vemos uma mãe ser denunciada por um filho de nove anos, que
a acusou de ter roubado meia-dúzia de mangas para iludir a fome. Julgada sumariamente,
levaram-na para o pelotão de execução. Quando já estamos algo insensibilizados
ao ver imagens de horror, em fotografias esmaecidas ou películas a preto e
branco, A Imagem que Falta traz-nos
uma visualidade inteiramente nova e desconcertante, muito mais perturbadora e subtil do que a de filmes como The Killing Fields.
Pol
Pot, o líder dos Khmers Vermelhos, morreu em 1998, sem nunca ter sido julgado.
Vi e assino por baixo por extenso.Não é um documentario.É um extraordinario e complexo filme que lança mão de diversas técnicas de imagem com o objetivo de recriar com arte e como arte emocionar.
ResponderEliminarAtrevo-me a sugerir um outro filme sobre tema "semelhante" que é A Arte de Matar sobre a Indonesia e um massacre mas de sinal contrario.Filme que tem uma estrutura algo semelhante ao Buena Vista Social Club mas em que os entrevistados são antigos assassinos a mando das autoridades.Para militares que fala dos fatos passados como os musicos cubanos falavam do seu proprio passado e intercalando com reconstituições feitas pelos proprios dos atos.Não tenho problemas em recomendar a sua compra tambem.
Muito obrigado. Estou com curiosidade de ver outro, de Trisha Ziff, uma história incrível:
Eliminarhttp://www.maletamexicana.com/spanish/
É de 2011 e parece-me excelente.
Cordialmente,
António Araújo