Talvez
no mundo dos historiadores de arte seja considerado uma espécie de Dan Brown,
mas é um gosto ler alguns livros de Ross King. Num deles, sobre o Tecto do Papa, a Capela Sistina, fala das
andanças, dos trabalhos e do dinheiro que Miguel Ângelo despendia para comprar
um raríssimo pigmento de azul, de uma tonalidade única, que uns monges fabricavam
e vendiam aos mais afortunados. Esse e outros livros de King têm o mérito de contar
aos mais ignorantes, como eu, as condições materiais de que os artistas
necessitavam para fazer as suas obras, as dificuldades por que passavam, os
reveses e os golpes de sorte que marcaram as suas vidas.
Graças ao Pedro Magalhães, que me falou
do filme, vi e recomendo muitíssimo o documentário Tim’s Vermeer (2013), que,
passe a publicidade, está disponível na MEO. O filme conta a história de Tim Jenison, um empresário-milionário que decidiu pintar um quadro de Vermeer. A
dado passo, e muito apropriadamente, ouve-se a música de Dylan, When I Paint My Masterpiece…
Jan Vermeer, A Lição de Música, 1662
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Num
armazém de San António, no Texas, Jenison reconstruiu ao milímetro o cenário d’A Lição de Música, tela de 1662 que é
propriedade da rainha de Inglaterra. Aquelas loucuras que só a América e as grandes
fortunas permitem, sagas que podemos considerar risíveis mas que são
inofensivas e traduzem uma insaciável fome de conhecimento e um entusiasmo
típicos dos povos-criança. É também admirável a persistência do milionário, que
poderia ter gasto o seu tempo e muito dinheiro noutras aventuras de pouco ou
nenhum interesse para nós. Ao longo de vários anos, perseguiu Jan Vermeer.
Mais do que copiar um Vermeer, Jenison quis demonstrar a sua técnica. Provar que
Vermeer recorria a um dispositivo óptico que lhe permitia fazer aqueles quadros
inigualáveis. Paradoxo ou não, Jenison propôs-se igualar o inigualável.
No final, não sabemos bem se o conseguiu.
O quadro que escolheu para imitar, A
Lição de Música, não está acessível ao público (e, como diz Jenison a dado
passo, nenhuma reprodução consegue devolver-nos o suave fulgor de um Vermeer
original…). Mais ainda, é intrigante que Jenison diga que nunca pintara na
vida: como aprendeu então a captar os tons delicados do pintor de Delft, a misturar e
seleccionar os pigmentos adequados, a escolher os pincéis certos para cada
traço finíssimo? Reproduziu uma lente como aquela que Vermeer supostamente teria usado, só
pinta com pigmentos da Época Dourada, mas, ao vermos o filme, notamos que utiliza pincéis
do nosso tempo… O resultado final é aprovado por David Hockney, de que já falei aqui, num texto longo demais para a paciência de muitos leitores. Não admira: o empreendimento de
Jenison confirma aquilo que Hockney defendera no seu livro Secret Knowledge. É natural, portanto, que Hockney adira à tese de
Jenison, segundo a qual Vermeer utilizara a «tecnologia» ao serviço da pintura –
o que, note-se, em nada desmerece o seu génio. A «aura» mantém-se intocada, mas, se dúvidas houvesse, isto é mesmo, sem tirar nem pôr, A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica.
O filme, para mais bem-humorado, tem qualquer coisa de épico. E,
ao contrário do que pode parecer, não é nada enfadonho nem carrega nos
pormenores técnicos. Muito recomendável, em suma. Obrigado, Pedro!
António Araújo
Muito obrigado!
ResponderEliminarCordialmente,
António Araújo