quarta-feira, 13 de maio de 2015

O sol nasce, e o sol se põe.

 
 
 

 
 
Há aquela frase do Eclesiastes sobre a geração que vai e a outra que vem. É como se todas as gerações fossem iguais, meras sucessões de gente no tempo. E são-no, num certo sentido. Multidões de pessoas que se vão sucedendo ao ritmo dos anos, uns céleres, outros vagarosos. As gerações são iguais, feitas de gente que nasce, cresce e morre. O que muda é o tempo em que cada geração vive. Talvez seja estúpido e pomposo falar numa greatest generation, pois nela encontraremos o que encontramos em todas as gerações: gente boa e má, heróis e canalhas. Mas que aquela geração viveu um tempo áspero, disso não há dúvida. A Grande Depressão, o desastre de 1939-45, as agruras do pós-guerra.
Por ocasião dos 70 anos do fim da 2ª Guerra, a BBC Two lançou um projecto que envolve televisão, rádio, internet. Se fosse preciso explicar a um administrador da RTP o que é «serviço público» bastava mostrar isto. Haverá aqui, porventura, aspectos que alguns irão criticar: uma reinvenção glorificadora do passado, o tom demasiado épico, o envolvimento patrioteiro de meninos de escola. O projecto, na verdade, coloca crianças entre os 7 e os 11 anos a entrevistarem quem resta da greatest generation. Alguns poderão achar isto pueril ou paternalista, outros considerarão o projecto da BBC uma extraordinária lição de civismo intergeracional (ver aqui ou aqui).
 
 
Londres, 1940: fotografia de George Rodger
 
 
A coragem daquela gente poderia ser exposta de muitas outras formas. Por exemplo, com as fotografias de George Rodger mostrando a normalidade possível das ruas de Londres flagelada pelo Blitz. Ou com um livro longo e instrutivo,  Austerity Britain, 1945-1951, de David Kynaston, o melhor que conheço sobre a Grã-Bretanha dos anos do pós-guerra. Hoje diz-se que a austeridade é uma «ideia perigosa» − e talvez seja. Mas, naqueles anos, a austeridade não era uma ideia ou uma ideologia, era a única forma de sobreviver e seguir em frente. Não havia mesmo alternativa. E foi devido ao espírito de sacrifício desta geração que a geração seguinte, a dos baby boomers, pôde então pensar em alternativas e até sonhar com utopias. Se hoje dizemos que a austeridade é uma «ideia perigosa» e que há outros caminhos – o que talvez seja certo ou errado, isso não importa – é porque existiu, lá atrás, uma geração que cresceu debaixo de bombas e que não desistiu de ter filhos mesmo vivendo em tempos sombrios. O que essa geração tem de greatest não é ter resistido ao nazismo ou reconstruído um país em escombros. O que ela tem de mais grandioso está na liberdade imensa que legou à geração seguinte. Deu liberdade aos vindouros para que estes pudessem até pôr em causa  tudo aquilo em que a geração precedente acreditava. É isso o que de mais grandioso existe numa  geração de gente. Uma geração não tem o direito de hipotecar a liberdade e o bem-estar dos que virão depois, ou destruir o planeta em que o Sol se põe. A greatest generation não só não onerou os seus filhos como lhes entregou uma terra firme, com mais liberdade e com mais opções para uma vida boa.
 
Portugal, 1975: eleições para a Assembleia Constituinte
 
 
 
 
Há dias, folheando papéis velhos, encontrei o boletim de recenseamento eleitoral da minha avó paterna. Datado de Dezembro de 1974. Apesar de ter nascido em 19 de Agosto de 1904, a minha avó paterna só pôde recensear-se e votar aos 70 anos de idade, em Dezembro de 1974. Meses depois, em Abril de 1975, engrossava as filas dos que votavam, a maioria deles pela primeira vez na vida. Votavam contra décadas de uma ditadura que lhes tinha tirado esse direito de escolha. Mas votavam também contra os que tudo fizeram para impedir que aquelas eleições se realizassem ou tivessem êxito. Não sei em quem votou a minha avó paterna. Mas tenho a certeza de que não votou em branco.
 
 
António Araújo 
 

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