impulso!
100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !
# 51, 52, 53 - THELONIOUS
MONK
Fotografia de Lawrence Shustak
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Monk e a baronesa Pannonica de Koenigswarter (Nica) no seu Bentley
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Os óculos com aros de bambu de Monk. Os
chapéus de Monk: a boina basca; o gorro de astrakan; um barrete de lã com
borla; ora a calote de mandarim, ora o cone de palha dos tancareiros chineses,
até mesmo – oh heresia – o pork pie hat
de Lester. A perna de Monk a pedalar com espasmos de cão pulguento; Monk a
levantar-se a meio dos solos de Charlie Rouse para dar uns volteios de dança
esquisitos – é sabido à saciedade que Thelonious Monk era um excêntrico e se
fosse hoje não faltariam diagnósticos patológicos para etiquetá-lo e
comiserá-lo.
Actual, e quem sabe se eternamente,
entronizado como um dos ídolos supremos do tabernáculo do jazz, custa
compreender como foi tão estranhada e desacreditada toda a década inicial da
trajectória de Thelonious Monk. Do grupo de subversivos que desde a alvorada
dos anos 40 se acoitava no marginal Minton’s Playhouse, (lá longe, na rua 118,
bem encastrado no Harlem) a conspirar jam sessions de um novo jazz – o bebop –
Monk foi aquele que sempre se pôs de lado. Só se sentava ao piano depois de
todos irem embora até que, já raiando o sol, o paciente Teddy Hill, dono da
casa, lhe suplicasse que queria ir dormir.
Fácil seria invectivar a suposta surdez
dos coevos, reputando Monk como um génio incompreendido. Incompreendidos seriam
então todos os beboppers, de modo que o busílis era efectivamente o pianista, a
sua presença taciturna e o solipsismo da sua música, capazes de o categorizar
como a mais misteriosa figura do jazz. “Misterioso” é, aliás, o apropriadíssimo
título de uma das composições de Monk que, tal como as restantes peças
concebidas pelo seu engenho, tem o condão de confundir os leigos, para quem
estas obras são tão fáceis de ouvir e trautear, face às complicações de
relojoeiro que nelas intrigam os seus intérpretes.
Demorou, por isso, Thelonious Monk a
convencer o jazz em particular e mundo em geral que “o intervalo de segunda
menor era um recurso e não num defeito” tal como sintetiza o crítico Gary
Giddins. Para esta dificuldade contribuiu o facto de as suas partituras serem
harmonicamente erráticas, às vezes aparentarem ter notas a menos ou fora de lugar,
de apresentarem estranhas quebras entre compassos ou uma progressão hesitante.
Depois ouvia-se Monk explana-las ao piano e o caso agravava-se, dado o a sua
abordagem pouco fluente, o seu estilo bastante percussivo, chegando a bater nas
teclas de dedo esticado, que qualquer estudante julgaria de tosco.
Mas há uma atitude no jazz que é
raríssima fora dele, que é a de os veteranos darem a mão aos debutantes capazes
de os suplantarem; assim foi que Coleman Hawkins, o pai-de-todos do saxofone
tenor, integrou Thelonious Monk no seu quarteto, em 1944. Depois veio o
contrato com a Blue Note – comprovando a insuperável intuição de Alfred Lyon –
que lhe permitiu liderar as suas formações. Estava, pois, a carreira de Monk a
descolar quando as autoridades nova-iorquinas, com a contumaz solicitude com
que puniam os negros, sobretudo esses junkies do jazz, o castigaram pela
eventual posse de uns charros da maneira que mais feria os músicos:
retirar-lhes a licença de cabaret, impedindo-o assim de actuar em estabelecimentos
com venda de álcool.
Brilliant
Corners
1957
Riverside / Universal Distribution
Thelonious Monk (piano), Sonny Rollins (saxofone
tenor), Ernie Henry (saxophone alto), Clark Terry (trompete), Oscar Pettiford
(contrabaixo), Paul Chambers (contrabaixo), Max Roach (bateria).
Durante este longo período de 1951 a
1957, embora permanecesse quase secreto para o público, o prestígio de
Thelonious Monk aumentou junto dos pares. De tal modo que em 1956 a Riverside
edita “Brilliant Corners”, onde o pianista se rodeia de uma corte de notáveis.
Só alguém com a robustez psicológica de Sonny Rollins sobreviveria às 25
tentativas, nenhuma perfeita, de resolver o tema que dá nome ao disco, sem se
abespinhar com o seu compositor. Também só um baterista de “braço às armas
feito” como Max Roach rolaria sem infortúnio pelos boqueirões rítmicos de
“Bemsha swing”, onde um Clark Terry, aparente peixe fora de água, se faz à vida
com denodo. Antes deste tema, como calmaria que antecede a procela, Monk comete
“I Surrender, Dear” a solo; em 5 minutos e meio foi como se refundasse a
história do piano no jazz. O disco calou fundo e ainda hoje, lá para a quarta
ou quinta audição mais atenta, é quando começam a vir à superfície melódica,
aparentemente plácida, os assombros harmónicos escondidos nas suas profundezas.
Thelonious
Monk Quartet With John Coltrane at Carnegie Hall
1957 (2005)
Blue Note - 35173
Thelonious Monk (piano), John Coltrane (saxofone
tenor), Ahmed Abdul-Malik (contrabaixo), Shadow Wilson (bateria).
No ano seguinte, 1957, Thelonious Monk
participou em quarteto com John Coltrane em vários trabalhos, nomeadamente num
evento no Carnegie Hall em celebração do Dia de Acção de Graças. Da sociedade
entre estes dois titãs só havia uma edição de 1961 que compilava o material
remanescente de três sessões de estúdio e de uma pequena parte dos recitais no
Five Spot Café. Em 2005 o arquivista Larry Appelbaum, reparou numa caixa entre
as mais de 50.000 fitas magnéticas da coleção da Voice of America doada à
Library of the Congress – havia finalmente sido achada a mítica gravação
daquele concerto. Não bastou que Appelbaum tivesse cometido feito equivalente à
descoberta da câmara dos faraós que se diz escondida na Grande Pirâmide: o
tesouro estava intacto e incorrupto.
Por esta altura Coltrane acabava de
gravar o seu primeiro disco decisivo: “Blue Trane”, depois de ter participado
no primeiro grande quinteto de Miles Davis para a Prestige; em menos de um ano
envolver-se-ia com Davis no portentoso “Kind of Blue” e gravaria “Giant Steps”
em nome próprio – é deste estofo que se originam os mitos… Monk por seu lado
havia regressado às actuações ao vivo após a malvada interdição, e com a tardia
idade de 40 anos talvez fosse, naquele momento, o músico mais adorado na
cidade. A resolução do jovem e a bem-aventurança do mestre produzem uma
concordância musical que se aproxima magnificamente do êxtase. A índole
introspectiva de Coltrane combina com as arestas harmónicas de Monk, como se
cada um tivesse encontrado no outro a tradução exacta da sua linguagem. Nunca o
jazz seria tão instantâneo e fulminante como nestes anos!
Criss-Cross
1962 (2003)
Legacy / Columbia – 63537
Thelonious Monk (piano), Charlie Rouse (saxofone
tenor), John Ore (contrabaixo), Frankie Dunlop (bateria).
Em 1963 não era só entre os adeptos mais
fervorosos de Thelonious Monk que se fomentava a convicção de que ele teria
lugar entre Debussy e Bartok e ao lado de Ellington na história das composições
para piano do séc. XX. Durante a década de 40 criara uma constelação de temas
que não tardaram a ser elevados ao estatuto de standards, no final dos anos 50
impusera-se na cena do jazz como uma voz ao mesmo tempo idiossincrática e
propicia a fazer escola. Nada lhe faltava, portanto, quando entrou em estúdio
para “Criss-Cross”, o segundo disco do seu contrato com a Columbia.
Pessoalmente cada vez mais ensimesmado,
Monk não se entregava porém aos delíquios de intransigência do artista maldito,
cedendo portanto aos pedidos da Columbia para enxertar temas mais consensuais
no alinhamento da obra. Eis então um Monk descontraído que mescla
reinterpretações de clássicos de sua autoria com outros do cancioneiro popular
americano como “Tea For Two” ou “Don’t Blame Me” – em nenhum deles, no entanto,
se ouve um acorde de cedência. Charlie Rouse, saxofonista que não chegou a ter
pedestal, há-de ter fornecido à música de Thelonious Monk melhor e mais
persistente complemento do que qualquer outro, acompanhando o pianista no
decurso de 10 anos. Aqui ele responde às interpelações com sensatez mas sem
subserviência, num equilíbrio que só uma certa intimidade musical logra
alcançar. Mas o que surpreende em “Criss-Cross” é consistência do swing,
intenso e leve, à maneira da melhor tradição, como se Monk fechasse a cúpula da
sua obra de forma circular, ou seja, retomando umas origens nunca dantes reivindicadas.
As
notas originais do disco são da autoria de Nica de Koenigswarter, a baronesa do
jazz, que mereceria um capítulo na história do género. Foi ela quem acolheu e
protegeu Monk na fase final da sua vida, quando as nuvens da melancolia lhe
adensaram a misantropia e quando a sua realção com a realidade (o que quer que
isso seja) se foi tornando ainda mais volátil que o habitual. Com licença
poética pode-se dizer que Thelonious Monk não conheceu a decadência porque foi
desaparecendo num silencioso fade out.
José Navarro de Andrade
Deste, todos têm tudo.
ResponderEliminarVou colocar o 52 pode ser que de Marte alguém ainda não o tenha.