Pieter Brueghel, o Novo, O Adulador, ca. 1592
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O romancista António Lobo Antunes
deu uma entrevista. Que foi publicada no último número da revista Visão. Até aqui, não
vem grande mal ao mundo. Nem sequer quando profere, a dado trecho, uma opinião
pessoal e muitíssima subjectiva sobre a qualidade da sua escrita: «Eu acho que ninguém
escreveu em Portugal como eu. Mas é só uma opinião.» Ficam registadas. Ambas, a
opinião e a modéstia.
O pior, mesmo do domínio do lastimável, é
quando o autor d’Os Cus de Judas se
solta inopinadamente e deixa escapar outra opinião. Uma opinião reveladora da sua profunda arrogância
narcísica e classista, entranhada até à medula. Afirma o eterno perdedor do Nobel: «todos nós temos uma criada de
servir cá dentro, no sentido antigo da palavra, Todos nós somos muito pirosos».
Criadas de servir pirosas… Não é
necessário ler o magnífico estudo de Inês Brasão sobre as «criadas de servir»
para compreendermos o que foi o tempo das
criadas, a dureza das suas vidas. Gerações sobre gerações, milhares de mulheres. Criadas de servir pirosas… decerto com
buço, não? Moçoilas semianalfabetas, vindas das beiras longínquas, leitoras de fotonovelas. É
esse o estereótipo que António Lobo Antunes mobiliza, o snobismo esplendoroso
que vem ao de cima logo que estala a fina camada de verniz do «estou mais à
esquerda do partido socialista» ou do «Álvaro Cunhal era um homem
irresistível», que «a falar de Bruegel era fascinante». As criadas de servir nunca ouviram falar de Brueghel, obviamente. Eram pirosas, coitadas,
umas pirosas devotas de Corín Telhado e de magalas fardados.
Mas há mais, para rematar a barbárie:
«fui infeliz durante este governo de direita, os erros, a maneira de falar, a
arrogância, a ambição social que se notava naquela gente toda, e nos tipos que
estão por detrás… É uma chatice, os alfaiates mudaram isto, porque dantes
percebia-se quem eram as pessoas com dinheiro, agora vestem-se todos de igual».
De facto, é uma chatice. Era tudo tão
bom antigamente, quando havia respeito nas ruas e a sociedade estava arrumadinha por castas; no tempo saudoso
em que pelo brilho dos tecidos e pelo recorte dos fatos se percebia logo quem tinha dinheiro e quem não
tinha. Os culpados são, por esta ordem: a democracia política, as benesses do Estado social e a cadeia de lojas Zara.
Bom mesmo era quando o trajar, elegante e selecto, dispendioso e elitista,
funcionava como uma marca de distinção, uma divisória intransponível de classe e
de classes. Agora, nesta bandalheira igualitária, anda tudo nivelado e homogéneo, não se percebe quem tem ou não tem dinheiro. Ora, saber quem ou não tem dinheiro é uma questão decisiva, essencial, uma base imprescindível do convívio humano e do bom funcionamento das instituições e da ordem social. Nesta entrevista, António Lobo
Antunes sai da toca, abandona o covil e mostra a sua verdadeira fibra, a massa de que realmente é
feito: um homem que convive mal com os outros, sobretudo com os que não sejam da sua estirpe. E, já
agora, um homem que convive mal consigo próprio (mas isso é problema dele). Em
breves palavras, um ser humano interiormente piroso. Muito piroso.
António Araújo
Dãmaso tomando-se por Carlos.
ResponderEliminarUm cabotino, em suma.
Dãmaso tomando-se por Carlos.
ResponderEliminarUm cabotino, em suma.
Nunca pensei vir defender uma pessoa que não conheço e por ouvir dizer não aprecio.A L Antunes é no entanto e reconhecido por seus pares um extraordinario escritor.Já aqui li sobre Miles Davis louvores ao artista e tive oportunidade de lembrar o lado negro do homem.O que me espanta é o à vontade com que sem fazer qualquer menção à obra o Sr Antonio Araujo se atire aos dislates do homem.O artista tem se ainda não percebeu esse escudo contra o disparate que é o seu"genio".Ninguém lembrará por mais que nos custe a sua ou a minha opinião sobre este ou qualquer governo mas estou em crer que qualquer biógrafo lembrará as destemidas opiniões de A L A.Justo?Injusto?Eu pessoalmente estou convencido de ter un nivel mais elevado cultural (seja lá o que isso for )que o de Louis Amstrong.Tenho mesmo a certeza disso e no entanto trocaria de bom grado toda (essa pronto )informação, por um ou dois concertos do genial trompetista.Você não?Nem a propósito estamos em plena comemoração dos cem anos do nascimento do Sinatra.quer melhor exemplo de palerma?!Outro genio que não devemos lembrar pelas opiniões mas pela arte.O pior é que de facto eu nem gosto do sei sobre o ALA.Dá para entender?
ResponderEliminarSem dúvida. Mas, sendo assim, porque recordou o «lado negro» de Miles Davis e não se calou ante a grandeza do seu génio?
EliminarCordialmente, muito grato pelo seu comentário,
António Araújo
A doença do politicamente correcto. Não há pachorra para esta pancada de fazer de inquisidor e escrever relatório para o auto.
ResponderEliminarDeixe lá o palerma do escritor falar como sempre se falou. Quer dizer que não fez upgrade semântico para ficar bem no retrato.
E há uma coisa chamada metalinguagem. O MEC tem um texto muito engraçado a propósito dos palavrões. As palavras ou frases não existem apenas em sentido literal.
ResponderEliminarJá os processos de intenção são isso mesmo e não me parecem coisa bonita.
para ti!
ResponderEliminarNão li a entrevista. Mas leio os livros de A. Lobo Antunes que, como uma minha colega dizia, são livros com avesso e por isso têm de ser lidos duas vezes para os conseguirmos apreender.
ResponderEliminarAconselho o comentador a ler novamente a entrevista porque aquilo que me é possível avaliar é que levou tudo à letra e escapou-lhe o verdadeiro sentido das imagens de que ele se serviu.
E leia A Lobo Antunes se tiver estaleca para isso
Lolol.
ResponderEliminarAdorei o texto.
Um abraço
Luís