impulso!
100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !
# 35 - SONNY
CLARK
De Sonny Clark menciona-se pouco além da
sua morte, mais temporã que a de Cristo, desperdiçando a vida e o talento aos
31 anos, às garras do ogre que dizimou o jazz daqueles tempos. Ficou ainda a
sensação de que Clark acertou em cheio na mouche com a única bala que tinha na câmara
ao criar “Cool Strutin’”. Não sendo justa, também não é inteiramente imperfeita
esta impressão.
Assim como se pode cortar uma laranja em
dois hemisférios pelo meridiano que se quiser, também é possível dividir os
jazzmen em duas metades: os que se apoderam da música para exprimirem ou
exorcizarem os turbilhões existenciais que os assolam e os que resgatam através
da música uma bem-aventurança que a vida não lhes propicia, construindo édenes
imaginários. Sonny Clark pertence a esta segunda espécie. Na vida material
entregava-se com abandono aos estupefacientes e ao álcool, mas na vida musical
– tão ou mais realista do que a outra, até porque foi nesta que a sua memória
sobreviveu – terá sido uma das melhores companhias da sua geração para se ter
ao piano. Intérprete constante e fiável, Sonny Clark não se impunha nem
complicava e era homem capaz de se coibir por forma a acertar o passo à medida
do que lhe pediam.
Pouco tempo demorou a Blue Note a
empossar Sonny Clark como o pianista da casa, depois de se ter instalado em
Nova Iorque em 1957. Nessa qualidade, que a pujança e a diversidade daquela
casa editorial impedia que fosse meramente perfunctória, ele lapidou os seus
predicados ao ter que escoltar personalidades exuberantes, sobretudo como
Dexter Gordon nas históricas sessões de que deram origem a “Go!” e “A Swingin’
Affair”, nas quais Clark demonstrou um sentido do ritmo tão preciso quanto a
noção de equilíbrio de um bailarino.
Cool
Struttin’
1958
Blue Note / EMI - AWMXR-0003
Sonny Clark (piano), Jackie McLean (saxofone alto),
Art Farmer (trompete), Paul Chambers (contrabaixo), “Philly” Joe Jones
(bateria).
Em 1958 ainda mal gatinhavam os autores
no cinema, nascidos em Paris do pai Bazin, e estava-se a 10 anos de serem
perfilhados pelo padrinho Sarris nos EUA. Mais adiantado, o jazz convertia em
protagonistas intérpretes até então subsidiários. Será este um dos atributos
que fez de “Cool Struttin’” uma obra exemplar, conseguida por um quinteto de
formidáveis segundas linhas que hoje seriam pontífices incontestados. A música
resultante desta reunião saiu inteiramente agradável, sem arestas nem pregas,
e, no entanto, exuberando um refinamento harmónico e uma naturalidade melódica
de um gabarito só ao alcance de uma indústria, ou seja, de uma tarimba exigente
e ininterrupta e de um ambiente de efervescente criatividade.
É espantoso verificar como este quinteto
contraria o pessimismo da Lei de Murphy; nele se integram três notórios junkies
do jazz da época: além de Sonny Clark, o saxofonista alto Jackie McLean, que
imitou todos os vícios de Charlie Parker, e o contrabaixista Paul Chambers,
sucumbido à heroína e ao álcool em 1969 com 33 anos – óptimos ingredientes para
que tudo pudesse correr mal… Não correu, também porque a formação tinha dois
pólos firmes: Art Farmer, tão discreto e tranquilo quanto inspirado e certeiro,
e o baterista “Philly” Joe Jones, talvez no melhor ano da sua vida: na
Primavera continuaria com Quinteto de Miles de Davis, no Outono, esteve no
crisma de Benny Golson em “The Other Side of Benny Golson” e em Dezembro
coadjuvou a ascensão de Bill Evans, tomando conta do ritmo em “Everybody Digs
Bill Evans.”
Se fosse necessário designar um disco
arquetípico do jazz exercido em 1958 “Cool Struttin’” bem poderia servir de
modelo.
José
Navarro de Andrade
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