quinta-feira, 29 de setembro de 2016





impulso!

100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !

 

# 60 - GIL EVANS



 
Fotografia de William Claxton
Penosa é a vida de um orquestrador e arranjador: se a experiência auditiva de uma composição lhe deve bastante, os direitos de autor costumam dever-lhe quase nada. Gil Evans que o diga: das obras em que interveio, com maior ou menor discrição, nem todas lhe foram creditadas e menos ainda terá sido a prata arrecadada. Erro seria porém, achar que viveu sempre na sombra de Miles Davis.
Uma expressão torna-se um lugar-comum por ter sido verdade muitas vezes. Ao swing não lhe falta substância para esta teoria; com o advento do bebop em meados da década de 40 e com a concomitante transferência do jazz para pequenas disposições, padronizadas na forma de quartetos e quintetos, as big bands da era do swing colapsaram umas atrás das outras, sobrevivendo apenas um punhado delas, com dificuldade, a esta contracção. Da nova geração de músicos, praticamente só Dizzy Gillespie com o seu “cubanismo”, e Charles Mingus, com a sua vívida modernidade, procuraram uma nova fórmula para o antigo modelo.
O destino atribuiria a Gil Evans a missão de dar às grandes massas sonoras uma arquitectura que rescindisse com a tradição do jazz.
Foi no humilde rés-do-chão de Gil Evans na rua 55, a dois passos da movida da rua 53, ainda bastante feérica naquele ano de 1949, que se juntaram os descontentes com o bebop, a conspirarem por um outro modelo, mais descontraído e, até, lírico, menos nevrótico e virtuosista. Miles Davis, Gerry Mulligan, Lee Konitz, salientaram-se na criação do que viria a chamar-se de cool – os concertos e o posterior disco “Birth of the Cool”. Se depois deste feito a turma dispersou, a afinidade entre Evans e Miles ganhou raízes, na promessa de um dia vir a dar frutos.
Terminado o contrato de Miles Davis com a editora Prestige na maratona de sessões de 1955 e 1956 – as “The Legendary Prestige Quintet Sessions”, na origem de vários álbuns – que marcaram também o adeus ao Primeiro Grande Quinteto do trompetista, a sua nova escuderia, a Columbia, sugeriu-lhe um rumo diferente – que tal uma coisa em grande, com uma banda de 18 elementos à maneira, a capitar um som inconfundível? Assim foi que em estreita colaboração com Gil Evans, Miles assinou os momentosos “Miles Ahead” (1957), “Porgy and Bess” (1959), “Sketches of Spain” (1960) e ainda “Quiet Nights” (1964), publicado contra a vontade dos autores.
 
 
 
Out of the Cool
1961 (2007)
Impulse! - 9589
Gil Evans (composição, orquestração, piano), Johnny Coles, Phil Sunkel (trompete), Jimmy Knepper, Keg Johnson (trombone), Tony Studd (trombone baixo), Bill Barber (tuba), Ray Beckenstein, Eddie Caine (saxofone alto, flauta, piccolo), Budd Johnson (saxofones tenor e soprano), Bob Tricarico (flauta, piccolo, bassoon), Ray Crawford (guitarra), Ron Carter (contrabaixo), Charlie Persip, Elvin Jones (bateria, percussão).
 
 
A este colar de pérolas faltava uma gema capaz de provar que Gil Evans tinha asas para voar sozinho. Intitulada “Out of the Cool” como quem se desembaraça de um passado, para mais lançado pela progressiva Impulse!,  esta foi a obra que louvou o génio de Evans.
Com toda a carga equívoca que hoje a expressão possa ter, o trabalho de Gil Evans desenvolve a criação de ambientes sónicos, com grande poder evocativo e cinematográfico, exercício que o tempo e a pop vulgarizaram ad nauseam. Os temas de “Out of the Cool” vão, passo a passo, cirando uma atmosfera coerente que paira entre a pulsão rítmica e harmónica de Duke Ellington – na verdade de Billy Strayhorn –  e de um Bernard Herrmann, o formidável compositor para filmes, que escrevia música para ver e não para ouvir (esse suprassumo que é a música de “North By Northwest” de Alfred Hitchock, é apenas 2 anos anterior).
Poucas obras no jazz foram tão idiomáticas e seminais, e de maneira tão discreta, como “Out of the Cool” e nos dias de hoje, os génios de Maria Schneider ou Darcy James Argue muito lhe devem.
 
 
José Navarro de Andrade
 
 
 
 

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