impulso!
100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !
# 60 - GIL EVANS
Fotografia de William Claxton
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Penosa
é a vida de um orquestrador e arranjador: se a experiência auditiva de uma
composição lhe deve bastante, os direitos de autor costumam dever-lhe quase
nada. Gil Evans que o diga: das obras em que interveio, com maior ou menor
discrição, nem todas lhe foram creditadas e menos ainda terá sido a prata
arrecadada. Erro seria porém, achar que viveu sempre na sombra de Miles Davis.
Uma expressão torna-se um lugar-comum por
ter sido verdade muitas vezes. Ao swing não lhe falta substância para esta
teoria; com o advento do bebop em meados da década de 40 e com a concomitante
transferência do jazz para pequenas disposições, padronizadas na forma de
quartetos e quintetos, as big bands da era do swing colapsaram umas atrás das
outras, sobrevivendo apenas um punhado delas, com dificuldade, a esta
contracção. Da nova geração de músicos, praticamente só Dizzy Gillespie com o
seu “cubanismo”, e Charles Mingus, com a sua vívida modernidade, procuraram uma
nova fórmula para o antigo modelo.
O destino atribuiria a Gil Evans a missão
de dar às grandes massas sonoras uma arquitectura que rescindisse com a
tradição do jazz.
Foi no humilde rés-do-chão de Gil Evans na
rua 55, a dois passos da movida da rua 53, ainda bastante feérica naquele ano
de 1949, que se juntaram os descontentes com o bebop, a conspirarem por um
outro modelo, mais descontraído e, até, lírico, menos nevrótico e virtuosista.
Miles Davis, Gerry Mulligan, Lee Konitz, salientaram-se na criação do que viria
a chamar-se de cool – os concertos e o posterior disco “Birth of the Cool”. Se
depois deste feito a turma dispersou, a afinidade entre Evans e Miles ganhou
raízes, na promessa de um dia vir a dar frutos.
Terminado
o contrato de Miles Davis com a editora Prestige na maratona de sessões de 1955
e 1956 – as “The Legendary Prestige Quintet Sessions”, na origem de vários
álbuns – que marcaram também o adeus ao Primeiro Grande Quinteto do trompetista,
a sua nova escuderia, a Columbia, sugeriu-lhe um rumo diferente – que tal uma
coisa em grande, com uma banda de 18 elementos à maneira, a capitar um som
inconfundível? Assim foi que em estreita colaboração com Gil Evans, Miles
assinou os momentosos “Miles Ahead” (1957), “Porgy and Bess” (1959), “Sketches
of Spain” (1960) e ainda “Quiet Nights” (1964), publicado contra a vontade dos
autores.
Out of the Cool
1961 (2007)
Impulse! - 9589
Gil Evans (composição, orquestração, piano), Johnny
Coles, Phil Sunkel (trompete), Jimmy Knepper, Keg Johnson (trombone), Tony
Studd (trombone baixo), Bill Barber (tuba), Ray Beckenstein, Eddie Caine (saxofone
alto, flauta, piccolo), Budd Johnson (saxofones tenor e soprano), Bob Tricarico
(flauta, piccolo, bassoon), Ray Crawford (guitarra), Ron Carter (contrabaixo),
Charlie Persip, Elvin Jones (bateria, percussão).
A
este colar de pérolas faltava uma gema capaz de provar que Gil Evans tinha asas
para voar sozinho. Intitulada “Out of the Cool” como quem se desembaraça de um
passado, para mais lançado pela progressiva Impulse!, esta foi a obra que louvou o génio de Evans.
Com
toda a carga equívoca que hoje a expressão possa ter, o trabalho de Gil Evans
desenvolve a criação de ambientes sónicos, com grande poder evocativo e
cinematográfico, exercício que o tempo e a pop vulgarizaram ad nauseam. Os
temas de “Out of the Cool” vão, passo a passo, cirando uma atmosfera coerente
que paira entre a pulsão rítmica e harmónica de Duke Ellington – na verdade de
Billy Strayhorn – e de um Bernard Herrmann,
o formidável compositor para filmes, que escrevia música para ver e não para
ouvir (esse suprassumo que é a música de “North By Northwest” de Alfred
Hitchock, é apenas 2 anos anterior).
Poucas
obras no jazz foram tão idiomáticas e seminais, e de maneira tão discreta, como
“Out of the Cool” e nos dias de hoje, os génios de Maria Schneider ou Darcy
James Argue muito lhe devem.
José Navarro de Andrade
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