Estive cinco dias em
Cuba, em 2000, para participar num colóquio sobre Eça de Queiroz, que se
realizou num dos velhos e solenes palácios militares no centro da capital,
embora com a única presença de uma vintena de estudiosos de Eça, vindos todos
de Portugal, de modo que, à falta de público cubano, falámos uns para os
outros, o que parecia uma cena dum filme dos Irmãos Marx, pois não tínhamos
quem nos perguntasse fosse o que fosse, apesar de dois tradutores irem vertendo
meticulosamente tudo para castelhano – e não havia na sala um único
participante cubano interessado na obra do Eça. Para maior confusão e absurdo,
um dos tradutores interrompeu-me, a dada altura, para me suplicar que falasse
mais devagar, já que a minha charla era debitada a uma velocidade tal que ele
não conseguia seguir-me. Respondi-lhe que, dado o facto de não haver ouvintes
cubanos no público – exceptuados os dois inúteis tradutores –, era preferível
que ele não me traduzisse, pois seria o cúmulo da inutilidade. Quanto aos
intelectuais cubanos encarregados de nos mostrarem Havana, sobretudo literatos
e historiadores do Partido Comunista Cubano, dei-me conta do que estavam todos
totalmente ao serviço da ditadura castrista, falando a langue de bois do
sistema, pelo que o nosso diálogo não tinha sentido nem proveito algum. Quanto
à cidade, achei-a miserável e muito degradada, repleta de velhos automóveis dos
anos 40 e 50. E quando saíamos do luxuoso hotel – no qual se vendiam
todos os jornais europeus, reservados apenas a clientes estrangeiros, sendo a
sua venda proibida aos nativos –, vinha gente com um ar pobre pedir-nos que lhe
déssemos os sabonetes do hotel ou uma esmola pecuniária. Esta miséria tão
patente deixou-me amargurado: a “revolução” cubana reduzia o pobre povo da ilha
a meros pedintes... De tudo quanto vi em Havana, as únicas coisas que apreciei
deveras foi visitar o quarto de hotel onde o Hemingway tinha um sempre
reservado para ele, passando nele horas a escrever numa máquina que continuava
lá, e a finca dele nos arredores da capital, com um pequeno cemitério para os
gatos que escritor ia perdendo durante a vida na ilha, bem como um barco que
teria pertencido ao homem que serviu de modelo para o pescador no famoso O
Velho e o Mar.
João Medina
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