Muitos conhecem a história dos Diabos
de Amarante, em versão demónio-macho e demónio-fêmea. Com abundantes
pormenores, a história da ida dos demos para Inglaterra e o seu resgate pelos
amarantinos é contada aqui, na narrativa oficial do município.
Facto curioso – e não sei se muito
conhecido – vem contado num livro de memórias e impressões várias. Coisas da Vida, de José Bensaúde,
publicado em Lisboa, 1964. Conta Bensaúde que seus pais, através do seu grande
amigo Dr. Agostinho de Campos, se relacionaram com um Alfredo de Magalhães e
Pedro de Gusmão. Por sua vez, esta tertúlia relacionava-se com Gerald Sandeman,
um londrino ilustre, ligado por laços de família aos viscondes de Moncorvo, que
por sua vez eram íntimos de Alfredo de Magalhães, oficial de Marinha e fidalgo
de Penafiel.
Um dia, Magalhães, estando em Londres,
foi recebido por Gerald Sandeman na sua casa de vinhos (sim, essa mesmo). E foi
lá que, no hall, junto ao bengaleiro,
topou o fidalgo penafidelense com o estranho casal demoníaco. Tendo sabido que
fora o avô de Gerald que levara o Diabo e a Diaba para Inglaterra, idos
directamente da capela do Convento de São Gonçalo, tudo fez Magalhães para
desvendar o mistério. Com a ajuda do Dr. António L. Cerqueira, senhor da casa
da Calçada de Amarante, e do grande Leite de Vasconcelos, conseguiu o Dr.
Magalhães reconstituir a lenda medieval, que, por ser já muito antiga, nos
abstemos de contar aos leitores do Malomil.
Alfredo de Magalhães e José Leite de
Vasconcelos decidiram escrever ao cavalheiro britânico, pedindo, implorando,
exigindo (chegaram a invocar a Aliança!) a restituição dos diabos à amarantina procedência.
O diabo está nos detalhes ou, melhor, meteu-se a demoníaca burocracia
alfandegária e, apesar da boa vontade de Mr. Sandeman (segundo outras versões, não terá sido assim
tão boa, a vontade dele), mil e um entraves administrativos. Não se previra a
importação de diabos! E, como diz Bensaúde, «era portanto necessário rever as
pautas alfandegárias». Parece uma coisa dos infernos, e talvez seja apenas uma
história que José Bensaúde ouviu dizer. Não sei. Só sei que se meteu ao barulho
um filho ilustre de Amarante, António Lago Cerqueira, que, juntamente com
Magalhães e Pedro de Gusmão, endereçou cuidado requerimento ao Director da
Alfândega do Porto. Este, prudente e cauteloso, não querendo meter-se em
negociatas de import-export de enxofre e materiais diabólicos, considerou que a
competência para decidir pertencia… ao Presidente da República. E, assevera
Bensaúde, foi Manuel de Arriaga quem teve de resolver o infernal embaraço,
autorizando a entrada pelas fronteiras portuguesas de (mais) um Diabo e (mais)
uma Diaba, que finalmente por cá desaguaram, encontrando-se hoje expostos, e
bem de saúde, no Museu Amadeo de Souza-Cardoso. Sendo verdadeira ou falsa, aqui
fica a história, directamente importada, sem taxas nem quaisquer tributos, do
livro Coisas da Vida. E esta história
aqui fica exarada & timbrada para o Rui Passos Rocha, jovem fidalgo de Penafiel a quem mando um grande abraço, com a amizade do
António
Araújo
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