quarta-feira, 17 de maio de 2017

Cântico Negro.







Depois de Black Like Me, aqui falado, mais outro que fico a dever à generosidade e à cultura enciclopédica do Rui Passos Rocha.





Parchman Farm: Photographs and Field Recordings, 1947-1959. A história conta-se em poucas linhas, que são estas: em 1947, 1948 e 1959, Alan Lomax gravou, fotografou e filmou os presos da Mississippi State Pentitentiary, em Parchman (e em Lambert). Os cantores são todos afro-americanos ou, se quisermos, negros. Como eles diziam, «those white guys just ain’t got the rythm».
Fez-se um livro, com dois CD’s que nos trazem música única, extraordinária, compassada e triste, arrastada como as grilhetas que muitos dos presos usavam. Na recolha de Lomax, há vários tipos de músicas: por exemplo, as tree-cutting song, que os presos entoavam enquanto cortavam árvores à machadada; ou as cotton and cane songs, da apanha do algodão, uma actividade em que os reclusos não precisavam de estar coordenados para fazerem o trabalho braçal. As cotton and cane songs podiam ser cantadas a solo ou em grupo e, ao que dizem, são as mais complexas de todas as work songs quanto à letra, à melodia e à harmonia.  








         Lomax e o seu pai tiveram um acesso privilegiado à penitenciária, pois faziam trabalho de campo para o Federal Folk Song Archive e, mais do que isso, porque eram sulistas. Encontraram guardas prisionais bondosos, outros sádicos e racistas. Segundo Anna Lomax Wood, noutro texto publicado neste livro, as condições prisionais prolongavam o sistema de trabalho escravo abolido há muito – mas prosseguido ali, no Sul profundo.




          No entanto, e como nota esta autora, as coisas iriam mudar nos anos subsequentes às visitas de Lomax a Parchman. A integração racial nas quintas-prisões do Sul e a mecanização da agricultura tornaram as work songs uma memória em riscos de extinção. Nos alvores da década de 1970, tinham desaparecido por completo. Hoje não passam de uma recordação, registada e gravada por Alan Lomax, cujo trabalho conheci graças ao Rui, a quem daqui mando um gratíssimo abraço.
 
António Araújo  



















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