Há
semanas atrás, disse que gostaria de mostrar aqui – pois creio não ser muito
conhecido entre nós – um livro infantil russo. Saiu em 2016, não há edição que
não seja em russo e, portanto, aqui vai título: Istorija staroj kvartiry. Assim
dito, não ficamos lá muito elucidados. Eu também não. Mas ajudaram-me a ler
umas partes cirílicas e até pelos desenhos dá para perceber que é a história de
uma casa e das famílias que a habitaram através da Rússia do século XX, desde
1902 até 2002. A história vai-se sucedendo por quadros, cada um de um
ano-chave, e vemos a evolução da família e dos gostos, a marca do que se passava
fora de casa: uma revolução centenária, o comunismo opressivo, os tempos da 2ª
Guerra, o degelo e suas promessas, a invasão dos produtos ocidentais, o viver encafuado.
Soljentisin, Sakharov, alguns rostos reconhecíveis, num mar de letras que nada
dizem a quem os não souber ler. Mas as ilustrações de Anna Desnickaja são
preciosas, misturando (falsas) colagens de fotografias, cartas, envelopes
delidos pelo passar dos anos. Para quem está deste lado da Europa (e é bimbo,
falo por mim), aqueles caracteres e aquelas figuras fazem logo lembrar as
vanguardas russas do início do XX século. Seria bom mendigar uma tradução
inglesa, ao menos, uma vez que se trata de uma obra premiada. Se quiserem ver
mais, aqui têm mais. Já que falamos de casas moscovitas, uma coisa menos
infantil, até quiçá pesada e trágica, um artigo extraordinário na The New Yorker. Assinado por Joshua
Yaffa, «Russia’s House of Shadows», sobre uma famosa casa da Rússia, a Casa do Governo, sinistro bloco de apartamentos da elite soviética, arena de purgas e prisões nocturnas que este que aqui escreve já teve ensejo
de contemplar, petrificado.
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