21.
A figuração das ondas na obra de
Katsushika Hokusai – em A Grande Onda,
em particular – tem aproximações nos trabalhos de outros mestres da xilogravura
japonesa, de que se poderá destacar, pela sua importância e popularidade, Utagawa Hiroshige
(1707-1858).
Criador prolífico, autor de mais de
4.500 gravuras e de ilustrações para cerca de 120 livros, Hiroshige tem a sua opus magnum em Cem Vistas Famosas de Edo (de que existe uma edição completa da Taschen, da autoria de Melanie Trede e de Lorenz Bichler), realizada no período
final da sua vida, terminada abruptamente aos 68 anos, provavelmente em virtude
de uma epidemia de cólera.
Mais do que saber se Hiroshige foi
directamente influenciado por Hokusai, o que interessa salientar é a flagrante
semelhança de algumas obras suas com as do autor de A Grande Onda, podendo citar-se a esse propósito a xilogravura Remoinhos de Naruto na Província de Awa,
integrada na série Vistas Famosas de Mais
de 60 Províncias, de circa 1853,
de que existem cópias, por exemplo, no Victoria & Albert Museum, em
Londres, e no Metropolitan Museum of Art, de Nova Iorque (aqui)
Metropolitan Museum of Art, JP 1198
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Note-se com a onda que se ergue sobre
um rochedo, à esquerda, tem, sobretudo na sua crista espumosa, semelhanças com
as garras ameaçadoras de A Grande Onda,
ainda que a imagem não possua, de forma alguma, o dinamismo e o movimento da
obra de Hokusai. O facto de Hiroshige desenhar uma onda sob forma de nuvem ou
copa de árvore (vermelho, na imagem), ao invés de figurar a crista da onda
formando um semicírculo ou uma linha curva, retira força expressiva ao
conjunto, a ponto de o pedaço de espuma que se descobre de trás da rocha
parecer imóvel (amarelo, na imagem).
Este efeito não ocorre noutra obra, O Mar em Satta na Província de Suruga, de 1858-1859, descrita aqui,
em que a onda e a árvore emolduram o mar revolto, sendo esse a
personagem central da gravura, mais do que a vaga que se forma num ponto
situado fora do enquadramento da imagem. Aqui a espuma das ondas adquire um
aspecto arbóreo, vegetal, assemelhando-se a uma folhagem branca.
O diálogo com o Monte Fuji, também
presente em A Grande Onda de Hokusai,
é patente na gravura A Costa de Hota na
Província de Awa, de 1859, sendo aqui apresentada a cópia existente no
Museu de Arte de Honolulu (aqui).
Todavia, mais do que recensear as
representações marítimas na obra de Hiroshige, interessa realçar o modo
extremamente inovador como o ilustrador japonês desenvolvia a perspectiva nas
suas imagens verticais, colocando um detalhe em primeiro plano, de forma exuberante,
quase exagerada e pueril, como se a exploração deste novo recurso imagético, importado
do Ocidente pelos artistas do período Edo, adquirisse contornos lúdicos ou
voluptuosos.
Sem
preocupações de identificação da origem das imagens (que podem ser encontradas
em obras de divulgação, tais como Hiroshige,
de Janina Nentwig, Köbemann, 2016), procura chamar-se a atenção, sobretudo pela
sua proximidade à obra de Hokusai e ao seu trabalho da perspectiva, para o
lugar ocupado nas criações de Hiroshige por cavalos, falcões, sombras à
lua-cheia, pilares de pontes, lanternas e peixes de papel, aves e tartarugas,
com vista a aumentar a sensação de profundidade e seduzir o olhar de um público para quem esta forma de representação
da realidade era nova e surpreendente. A dimensão comercial dos trabalhos do
«mundo flutuante» dificilmente pode ser sobrevalorizada.
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