O
carro de Carrero continua guardado, e pode ser visto. Um Dodge blindado, de
2.300 quilos, que no dia 20 de Dezembro de 1973 voou pelos ares, no coração de
Madrid. Na véspera, o presidente do Governo recebera Kissinger. No dia 20, voou
mais de vinte metros, como o mostram as reconstituições aqui exibidas. O carro
foi cair num edifício dos jesuítas, e assim morreu o delfim de Franco, o
potencial sucessor do caudilho, na altura tinha 80 anos e sofrendo de
Parkinson (Franco não foi ao enterro, presidido por Juan Carlos). A história da Operação Ogre é conhecida, e até se publicou um livro,
Operação Ogre. Como e porquê matámos
Carrero Blanco, que saiu primeiro em França, com a chancela Ruedo Ibérico,
mas também foi traduzido cá, após o 25 de Abril. A autora, Eva Forest, mulher
do dramaturgo Alfonso Sastre, assinou com pseudónimo, Julen Aguirre. E a partir
do livro fez-se um filme, dirigido por Gillo Pontecorvo e com música de Ennio
Morricone, em que se destaca a melodia Eusko
gudariak. Tempos de heroicização da luta armada, em que Costa Gravas
filmava Estado de Sítio, glorificando os tupamaros que matavam um alto
funcionário da CIA.
O
assassinato do almirante Carrero, além de anedotas e chistes (“Arriba Franco,
más alto que Carrero Blanco”), deu também pretexto para uma música laudatória.
A história dessa e doutras dezenas (ou centenas) de canções espanholas vem
contada num livro recente e retumbante, misto de enciclopédia e narrativa
autobiográfica: Qué me estás cantando?,
de Fidel Moreno, é um tesouro incrível, pois está lá tudo, do Cara al sol a Lola Flores. Tudo mas
tudo, contado com garra e graça. Euzkadi
askatasuna. España, todos a una é uma cançoneta pavorosa, pavorosa. Só vale
como documento histórico. Saiu num disco editado em França nos alvores dos anos
1970 e que tinha o título Un peuple en
lutte: Espagne. Autoria de um grupo formado pelo cantautor Carlos Andreu,
banda chamada Viva la Vida, para contrastar com o dito célebre de
Millán-Astray. “Nació en terra, / vivió en el mar, / murió en el aire”, assim
cantam os versos. Mais: “Quién mató al opresor?, / dicen que fue la ETA / quien
le rompió la jeta”; “Carrerón se llamaba / y dieron en el blanco / ni cortos ni
perezosos / fueron pues esos vascos” (não consegui encontrar a música no
YouTube, mas pode ser ouvida em vários lugares da Net, existindo também uma nota desenvolvida sobre Carlos Andreu e este disco aqui; e, atenção, houve outras canções e baladas que glorificaram a morte de Carrero, incluindo uma versão de La Bamba entoada entre os estudantes universitários antifranquistas: "Yo no soy marinero, / yo no soy marinero, / soy almirante / y sé volar / y sé volar. / Ahí arriba y arriba y arriba iré, / yo no soy marinero, / yo no soy marinero, / soy almirante / y me llamo Carrero / y arriba iré")
Depois
foi a carnificina que se sabe, durante décadas de sangue. Como recorda Fidel
Moreno, apenas nove meses depois da morte de Carrero uma bomba explode na
cafetaria Rolando, na calle del Correo, Madrid. Um atentado perpetrado à hora
do almoço, que matou indiscriminadamente 13 pessoas e fez 80 feridos; ricos e
pobres, de direita ou de esquerda, favoráveis ou desfavoráveis à causa
independentista basca. Décadas assim, de cegueira assassina.
Não
falemos mais de tristezas, que é tempo de Verano Azul. Serve apenas esta nota
para enaltecer muito, muitíssimo, um livro que, com quase 800 páginas, é um
favor dos céus.
Realmente foi uma época terrível. Também a ditadura franquista foi bem mais feroz que o nosso Salazarismo e a memória das atrocidades da guerra civil estava bem viva. Madrid também nunca soube muito bem lidar com os independentismos.
ResponderEliminarEra um miúdo quando foi este atentado, mas recordo-me muito bem dele. Creio que quase toda a gente em Portugal ou em Espanha sentia que havia necessidade de rebentar com as respectivas ditaturas.
Um abraço