O
mais espantoso nestas fotografias são as criancinhas. Quem seria elas, de
aparência popular, a observar uma senhora transportada em maca e manta? Unity Mitford chegava a Inglaterra, vinda da Suíça, de onde viera, por sua volta,
remetida da Alemanha, onde se tentara suicidar. Uma das célebres manas Mitford,
das menos célebres das manas mais ainda assim potente, Unity foi baptizada com o nome
Unity Valkyrie Freeman-Mitford, depois de nascer em 1914, ano de início de
guerra. O ano de nascimento e o nome Valquíria (dado por seu avô, um devoto de
Wagner) faziam prever o pior, profecia que se cumpriu. Falta dizer que os pais
afirmavam que Unity fora concebida numa povoação do Ontário chamada Swastika… Pertencente
à altíssima aristocracia inglesa, de uma linhagem que remontava ao século XI,
Unity, como muitos aristocratas britânicos, com Eduardo VIII à cabeça,
deslustrou seus pergaminhos com uma fatal atracção por Hitler e pelo nazismo. Todos
lemos Os Despojos do Dia, ou vimos o
filme, pelo que o facto não carece mais demonstração. Das irmãs Mitford, só uma
escapou a essa sina hitleriana, e até se tomou de simpatias socialistas. Diana, a mais famosa, casaria com Oswald Mosley, líder do
partido nazi britânico. Quanto a esta, a Unity, sempre foi tida por apoucada, poucochinha, o que
parece ser confirmado por ter tentado o suicídio ao saber que a Inglaterra
declarara guerra à Alemanha. Daí a foto da maca e manta, supra mostrada. Até dar
um tiro na cabeça, em 1939, com uma pistola Walther de pequeno calibre, Unity
foi amiga muito próxima de Hitler, dizendo-se até teve um filho do
Führer, o que é aleivoso boato.
Saiu agora uma biografia da moça, da autoria de David
Lichtfield, que conta coisas frescas: era dada à prática sado-masoquista da
auto-asfixia erótica, jogo a que se entregou com Janos Almásy, irmão mais velho
de Lászlo Almásy (o protagonista de O
Paciente Inglês). E participava em orgias muito promíscuas com a tropa de
assalto das SS,
contando o indiscreto Lichtfield que chegava a levar à meia-dúzia de soldados
para o seu apartamento em Munique, onde era atada a uma cama rodeada de
bandeiras nazis e se mantinha assim, toda nuinha, só com uma braçadeira nazi no braço;
a tropa avançava sobre a inglesa vendada enquanto se ouviam acordes de Horst Wessel Lied, cena digna da Cavani
e do seu porteiro nocturno, como bem nota um artigo recente do El País sobre
esta matéria da Bretanha, tontamente titulado «La valquiria que cabalgaba com los
SS». Hitler sabia dessas orgias, mas, sendo uma pessoa razoável e tolerante,
tolerava razoavelmente bem os desmandos da sua admiradora indefectível que, entre outros negros
hábitos, adorava trajar de negro. Em 1939, deu um tiro na cabeça, mas
falhou. Regressou ao país natal, de maca e manta, onde nunca foi julgada por
traição, porventura devido ao brilho do apelido. Morreu de uma meningite, em 1948,
em consequência da bala que se alojou no seu cérebro fraquinho e turvo de espírito.
Pouco mais há a contar. Em todo o caso, uma vida singular.
"Salvava-se", talvez, Nancy Mitford, que foi escritora de algum renome e correspondente assídua de Evelyn Waugh, textos reunidos num livro que tenho e é todo o retrato de uma época.
ResponderEliminarCumprimentos
Fernando Antolin
Sem dúvida, mas confesso que conheço mal a biografia de Nancy Mitford.
ResponderEliminarMuito cordialmente
António Araújo