quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Diane Burko, o planeta azul.

 
 

 

         No último número da New York Review of Books, num texto a propósito do relatório do Intergovernamental Panel on Climate Change, publica-se uma imagem impressionante, que logo me chamou a atenção.
         Uma pintura de Diane Burko, baseada em fotografias que mostram a evolução do glaciar Grinnell no Glacier National Park, Montana, entre 1938 e 2006. Repare-se como os gelos e as neves recuaram de forma tão notória e dramática que a mudança até se vê a olho nu – e até é possível fazer fotografias e pinturas que ilustram estas alterações. Diane Burko é uma fotógrafa e pintora norte-americana, nascida em Brooklyn em 1945, que se tem dedicado às alterações climáticas, sobre as quais tem telas e fotografias espantosas, na melhor tradição paisagista dos Estados Unidos. Até Janeiro de 2019 o seu trabalho estará exposto na prestigiada National Academy of Sciences, Washington.
 
 
 
 
         Vem isto a propósito das alterações climáticas. Há cépticos, e ainda bem que há cépticos. É próprio da Ciência com maiúscula. Convém todavia não confundir cepticismo com negacionismo. O cepticismo questiona com base em provas e evidências (má tradução do inglês), apresenta factos, alimenta uma atitude de dúvida quer quanto ao que questiona (o aquecimento global) quer quanto ao que afirma (a negação do aquecimento global). O verdadeiro céptico, o céptico honesto e merecedor desse epíteto, não é unilateral nem maniqueísta: duvida de tudo até prova em contrário; duvida até daquilo que põe em dúvida.
 
 
         Não é essa a atitude do negacionista. O negacionista tem certezas absolutas e preconceitos (ou pré-conceitos) inquestionados. Parte das suas convicções e só aceita aquilo que as confirme e satisfaça. Descarta o que lhe não interessa, entrincheira-se numa posição irredutível. E mesmo quando a maioria – a esmagadora maioria – das provas e dos estudos apontam num sentido, mantém-se irredutível, reclamando uma condição «minoritária». Com o passar do tempo e a acumulação de provas em seu redor, e para não perder a face e a arrogância, refugia-se em teorias da conspiração. O negacionista não duvida. Encontra nas dúvidas alheias motivo para confirmar as suas certezas.
         Há anos li um livro sobre a década de 1970 em que o autor, David Frum, fazia humor com o facto de nessa década os cientistas alarmarem a opinião pública com o risco de surgimento de uma Idade do Gelo. A moda da época, pensava-se, não era o aquecimento global mas precisamente o oposto. Bastaria isto para julgarmos que os alertas para as alterações climáticas são uma moda efémera, um alarmismo passageiro. O facto é que as alterações climáticas tanto podem dar azo a aquecimento como a arrefecimento. E mesmo que no passado tenha havido erros ou excessos tal não deve servir de argumento para deixarmos de nos preocupar com o presente – e sobretudo com o futuro.
 
 
        
        Podemos, como é óbvio, ser cépticos. Mas, num campo tão polarizado e politizado como este, a margem para um cepticismo saudável e honesto é cada vez mais estreita, fina como um pedaço de gelo prestes a derreter-se. Rapidamente o cepticismo resvala no negacionismo militante, pois o que está em causa deixou de ser ciência e passou a ser política. É preciso que se perceba que o que aqui está em causa não é de esquerda nem de direita; o planeta é azul, mas não tem cor política. E repare-se como os «cépticos» já não apresentam sequer estudos globais ou investigações sistemáticas que neguem a existência de alterações climáticas como um todo; limitam-se a apontar erros pontuais e lapsos aqui e ali, para a partir dessa falsa premissa tentarem construir uma «teoria». Não há, que eu saiba, um estudo ou uma investigação de grande fôlego (com a dimensão do relatório do IPCC, por exemplo), feita por uma instituição credível, que negue globalmente a existência de alterações climáticas no planeta.  
       Ora, perante tantas centenas de estudos que referem os riscos de alterações climáticas, perante os alertas de tantas e tantas organizações e instituições tidas por independentes ou credíveis (ou haverá uma conspiração mundial que envolva milhares de universidades, laboratórios, ONG’s, cientistas?), o que impõe o elementar princípio da precaução é que nos preparemos para o worst case scenario. Porque o que aqui está em causa não é a decisão errada de ir para uma guerra desastrosa e regressar com soldados mortos e cidades destruídas. Mesmo em situações como essas, catastróficas, tremendas, há uma reversibilidade que permite tomar a opção A ou a opção B, sabendo que elas são passíveis de ser corrigidas. Não é isso que sucede neste caso: o que fizermos ou não fizermos neste domínio sempre será irreversível. Daí que seja mais prudente e avisado preparamo-nos sem alaridos nem vozearias – e, sobretudo, sem partidarismos políticos e ideológicos – para o pior cenário. Depois, se o pior não ocorrer, se só ocorrer algo de muito mau ou apenas mau, podemos ficar descansados. Por agora, não temos motivos nenhuns para estar descansados, tantas são as provas que se avolumam sobre os riscos de uma tragédia imensa. Sobretudo, de uma tragédia irreversível, que a todos nos cabe evitar, por mais cépticos que sejamos.
 
 
 



 
 
 

4 comentários:

  1. Estas palavras são de senso comum. Mas o senso comum é o que falta à discussão, combinado com um bocadinho menos de ganância, porque há os que estão dispostos a ignorar os riscos para fazer dinheiro no aqui e agora. Além disso, os tempos que correm são solo fértil para as teorias da conspiração mais abjectas, o que não ajuda à causa. O problema não é só o do clima, é o dos humanos.

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  2. Concordo inteiramente, obrigado pelo seu comentário

    António Araújo

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  3. Confesso que sempre fui um pouco céptico, a começar pelo facto de terem alterado o paradigma do "aquecimento global" para "alterações climáticas". Ora o clima por definição está sempre a alterar-se por isso os defensores das alterações climáticas nesse campo já ganharam. Esse é que foi um claro caso de adaptar a realidade às convicções. Depois já li por aí que o aquecimento global parou há uns anos, já para não falar das fraudes nos estudos (https://www.zerohedge.com/news/2018-11-14/climate-scientists-admit-major-math-error-after-global-warming-study-debunked) etc. Convenientemente fala-se que se não vem aí o aquecimento global, há-de vir o arrefecimento global que se calhar ainda é pior. Está ainda por explicar o real impacto do sol nestas alterações que provavelmente é bem maior que o do Homem (https://www.zerohedge.com/news/2018-11-14/mini-ice-age-looms-nasa-scientist-warns-lack-sunspots-could-bring-record-cold). Quanto à conspiração mundial de institutos e universidades, é óbvio que não poderá existir, mas existe um bias dessas instituições que tende para tentar provar a existência das "alterações climáticas", seja porque isso é o garante da sua sobrevivência IPCC por exº seja porque nas universidades o bias liberal de esquerda é muito acentuado e todos sabemos que esta é uma das causas dessa ala política. Por fim, mesmo que esteja realmente provado que as alterações climáticas provocadas pelo Homem existem, as soluções que vejo apontarem são sempre despejar impostos sobre pegadas de carbono o que não vejo propriamente que possam resolver 1 milésimo do problema a não ser engordar determinados orçamentos de determinadas instituições. Enfim, espero que o progresso tecnológico e o engenho do Homem possam mais uma vez resolver este problema e que deixem que se encontre a esse nível uma solução e para tal é necessário não estrangular por completo o capitalismo e o nosso modo de vida. Atenção, não confundir estas minhas opiniões sobre as alterações climáticas com o ataque que todos devemos fazer à poluição, isso sim uma externalidade negativa obviamente provocada pelo Homem e contra a qual todos devemos lutar para minorar ou anular os seus efeitos negativos.

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  4. Muito obrigado pelo seu comentário, que tem o grande mérito de dar que pensar

    Cordialmente

    António Araújo

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