Esta é uma história real, realíssima, relacionada com
a Luciana Stegagno Picchio e com o que ela pensava do
Estruturalismo.
Há quantos anos isso aconteceu confesso que não sei. Sei que foi há muitos anos
e sei que se deu isso por ocasião de um encontro, para jantar e tertúlia, em
casa do irmão da Luciana, Riccardo Picchio, em New Haven, pois, como alguns
leitores porventura sabem, esse irmão da Luciana foi um famoso professor de
Estudos Eslavos na Yale University, onde exerceu o magistério, entre 1968 e
1986, e fez escola.
Foi durante o serão e lembro-me que, entre outros
convidados, estava também presente o Joaquim-Francisco Coelho, meu antigo
colega na Universidade de Wisconsin e professor de literatura luso-brasileira e
comparada na Harvard University.
Escusado
é dizer que nesse serão pontificou a Luciana Stegagno Picchio, embaixatriz da
língua portuguesa e da cultura do mundo lusófono, nascida com o condão de
encantar serpentes... e pessoas e de ser vedeta.
A fim de apresentar sucintamente uma breve amostra
destes predicados da célebre professora italiana, não posso esquecer o que
aconteceu no congresso internacional de La Société de Linguistique et
Philologie Romane, realizado de 25 a 29 de julho de 1977 na Universidade
Federal do Rio de Janeiro, em que participaram as maiores sumidades mundiais
nesses dois campos. A Luciana teve tal visibilidade e projeccção nesse magno
congresso, que um jornalista foi ao ponto de lhe chamar o congresso de Luciana.
De facto, ela discursou na sessão plenária da abertura do congresso, fez uma
comunicação em filologia românica e outra em linguística, presidiu a mais de
uma mesa redonda e fez perguntas e comentários tão pertinentes, que por vezes
não deixou aos interpelados outra alternativa que não fosse dizer que nada
tinham a acrescentar às sábias observações da Luciana.
Mas
voltemos ao dito serão em casa do irmão dela, Riccardo
Picchio.
Estávamos a falar mal do Estruturalismo e a Luciana, que não morria de amores
por esse famigerado ismo e tinha uma queda muito especial para contar
histórias, narrou-nos um causo pitoresco e paradigmático que nos fez
rir às gargalhadas (digo causo em vez de caso, porque a coisa tinha
acontecido no Brasil).
Professora
de filologia românica e de estudos de literatura portuguesa medieval e
renascentista na Università La Sapienza de Roma, Luciana tinha acabado de
passar um semestre ou um ano lectivo como professora visitante na PUC
(Pontifícia Universidade Católica) do Rio de Janeiro.
Era
no tempo em que o Estruturalismo se tinha espalhado como uma verdadeira praga
pelas universidades brasileiras. Certo dia, já passava da meia noite e a
Luciana estava na cama. O telefone toca e ela atende. Era uma aluna sua da PUC,
casada, mãe de filhos e pertencente à alta burguesia fluminense. Sem qualquer
preâmbulo, a dita aluna diz assim à Luciana, num tom de voz que de maneira
alguma traduz o dramatismo que o assunto pedia:
– Professora, me vou suicidar.
– Suicidar? Mas porquê, minha filha?
– Porque não há comunicação entre mim e o referente –
responde a potencial suicidanda.
– Nesse caso, diz-lhe a Luciana, espere até amanhã,
minha filha. Não se suicide já. Amanhã, encontramo-nos, à hora que lhe convier,
e resolvemos a questão do referente, enquanto tomamos um chá. Depois de
resolvida essa momentosa questão, decida se de facto vale a pena suicidar-se
por essa falta de comunicação entre você e o referente.
Fim do causo,
contado daquela maneira peculiar e fascinante de que a celebrada, charmosa e
saudosa Luciana Stegagno Picchio possuía a patente.
Manchester, CT, USA
António Cirurgião
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