Como
diz o cliché, Martha Nussbaum é uma autora que dispensa apresentações. Mas
vamos a elas: uma das mais importantes filósofas dos Estados Unidas,
mundialmente conhecida, autora de vários livros, muitíssimos, sobre temas tão
variados como a tragédia grega – o seu campo de eleição –, a filosofia de
Aristóteles, as emoções na política, a justiça e os direitos dos animais.
Integra – e, em parte, lidera – a corrente que defende acerrimamente o estudo e
o ensino das Humanidades, imprescindível para a criação de cidadãos mais
abertos ao mundo e mais tolerantes. Este breve ensaio Sem Fins Lucrativos - Porque precisa a democracia das humanidades merece
ser lido – sobretudo em Portugal. Pode dizer-se muita coisa do livro: que se
centra talvez em excesso na realidade norte-americana (e, em parte, indiana);
que a autora tem uma admiração acrítica por certos pedagogos, como Rousseau ou
Tagore (este é chamado de «génio» três vezes ao longo do texto); que oscila
algo ambiguamente entre uma concepção anti-economicista da educação, dizendo
que esta jamais pode visar o lucro e até deve combater a obsessão com o
crescimento económico (a este respeito, recomenda-se muitíssimo outro livro, Pequeno Tratado do Decrescimento Sereno, de Serge
Latouche), mas, ao mesmo tempo, sublinhando o papel das humanidades na performance das empresas; que se trata de
um arrazoado de divagações típicas de uma académica liberal da Ivy League, sem
ligação à realidade dos factos (empregabilidade, mercado de trabalho,
necessidades de financiamento do ensino superior); que a autora, quando chamada
a concretizar o seu «programa», não vai muito além de considerações genéricas e
algo banais sobre cidadania global, tolerância, etc., etc. Ainda assim, este é
um livro que merece ser lido a vários títulos. Tem, por exemplo, uma reflexão
muito interessante sobre a génese dos sentimentos de medo e, sobretudo, de
repugnância por aquilo que é «sujo» ou «impuro», noções que aprendemos desde a
mais tenra infância, e do modo como isto se projecta na idade adulta em termos
de intolerância ao outro, machismo e misoginia, xenofobia. A propósito, a
autora fala de outro livro que está editado entre nós e que, por ter sido algo
esquecido, merece ser falado: Criando Caim - Proteger a Vida Emocional dos Rapazes, de Dan Kindlon e Michael Thompson, um ensaio
extraordinário sobre o modo como a agressividade e o desprezo pelas mulheres se
enraizou na cultura juvenil masculina dos Estados Unidos (e, no fundo, de todos
os países ocidentais). É no miolo do livro, mais do que nas suas propostas
finais, que está o melhor de uma grande filósofa e humanista, Martha Nussbaum.
Um livro que deve ser lido por responsáveis políticos, pedagogos, partidários
ou adversários do «eduquês», professores, pais e alunos. Se quisermos, por toda
a gente. Não para aplicarmos o receituário de Nussbaum, mas para pensarmos e
meditarmos no que ela nos diz. Não é essa, afinal, a melhor coisa que qualquer
livro nos deve oferecer?
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