A apanha da cochonilha, México
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Tenho
o jardim a morrer-me por causa da cochonilha. A culpa é de um limoeiro velho,
já devassado pela praga infecta. Por mais que tente, ela volta, sempre mais, e
mais em força. O remédio mesmo é deixar morrer, plantar de novo, uma e outra
vez – é este o fado da lusitana lavoura.
Queixinhas
à mãe, a cochonilha é má, isto e aquilo. A grande vantagem de termos uma mãe
culta e clássica é que contamos um desastre botânico e somos alentados por uma
lição de história da pintura. Um errozito materno: a cochonilha não foi usada
apenas pelos pintores do Siglo de Oro, como a minha mãe dizia, e não encontrei
vestígio de que viesse de laranjais atlânticos, dos Açores ou da Madeira, como
a senhora também me disse. Mas soube e confirmei aqui que a seiva ou o sangue
da cochonilha era matéria preciosa, usada num vermelho escarlate muitíssimo
apreciado. Foi descoberto pelos homens de Cortés nos mercados de Tenochitlán,
actual Cidade do México, então capital do império azteca. Michel Pastoreau tem
livros sobre o preto, o azul e o verde, mas sobre o vermelho há outro, de
Butler Greenfield, A Perfect Red, e é
aí que se conta a história da cochonilha. O seu rubro deslumbrou a Europa, até
aí marcada pelos St. John’s Blood e pelo Vermelho Arménio, A tintura da cochonilha
produzia 30 vezes mais corante por onça do que o Vermelho Arménio e em meados
do século XVI o insecto era dos negócios mais rentáveis do continente. Hoje
espalha-se por toda a parte, minando o jardim e o juízo de muita gente, eu
incluído. Devasta a hera, o alecrim, mas também tinge de invulgar beleza telas
como estas, ora vejam-nas (mas, antes disso, agradeçam muito à minha mãe, sff):
Caravaggio, Os Músicos, 1595
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Cristóbal de Villapando, Santa Rosa Tentada pelo demónio, 1695
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López de Arteaga, A Incredulidade de São Tomé, séc. XVII
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Caravaggio, A Incredulidade de São Tomé, 1601-02
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