Reflexões
de um filósofo sobre a negação do aquecimento global antropogénico (AGW)
De
Paul Viminitz
Publicado
a 11 de Setembro de 2019
enviado para o Malomil por Manuel S. Fonseca, a quem se agradece
Entre
as coisas que mais me interessam, o aquecimento global antropogénico (AGW) é
praticamente a última. Mas porque – como disse George W. Bush – «ou se está connosco
ou se está contra eles», creio que prefiro estar produtivamente errado do que
politicamente correcto. Por isso, escrevo aqui a minha defesa da negação do AGW,
mascarada – para continuar a receber convites para jantar – de sarcasmo.
Creio
que tinha apenas seis ou sete anos, mas lembro-me com nitidez. Estávamos
sentados à mesa, e a minha irmã, uns anos mais velha do que eu, perguntou aos
meus pais se nós, os judeus, acreditávamos na vida após a morte. Não me lembro
da resposta, mas lembro-me de achar estranho pedir-se a alguém que dissesse no
que acreditar. E, no entanto, é exactamente isso que estou prestes a fazer.
Ao
contrário do cristianismo ou do islamismo, o judaísmo é uma religião não
doutrinária. Não se decide ser judeu, é-se judeu e ponto. As crenças
não são para aqui chamadas. Mas uma pessoa pode muito bem decidir, por razões que
nada têm que ver no que acredita, decidir que seria «fixe» ser, por exemplo,
budista, defensor da Terra plana, supremacista branco ou qualquer outra coisa,
e só então investigar sobre o que tem de acreditar para ser tido como
tal. Talvez seja só vestir-se ou ouvir a mesma música que eles. Ou então, como
os anti-racistas, por exemplo, tão pedantemente mais sagrados do que tu. Quando
se trata de política de identidade, fixe é fixe. O racional conta népias. A
imagem é tudo.
Em
todo o caso, decidi – e decidi sem precisar de pensar – que seria fixe ser um
negacionista, porque, para um filósofo, até a má cobertura de imprensa é melhor
do que a que habitualmente há – que é nenhuma. Claro que isto não quer dizer
que pretenda ser um negacionista tout court. Pretendo ser selectivo. Quero
negar algo que faça com que eu seja alvo de uma difamação que me torne fixe,
mas não tão infame que faça com que eu nunca mais seja convidado para jantar
nesta cidade. Por isso, por mais tentador que fosse, o Holocausto não foi nunca
uma opção.
Durante
algum tempo, brinquei com o Relatório Warren e, depois, com a aterragem na lua,
mas nenhum dos meus alunos se lembrava do assassinato de Kennedy. E alegar que
aquele «pequeno passo para a Humanidade» fora dito num hangar de aviões algures
no deserto faria de mim apenas mais um louco. Tendo conhecido alguns, decidi
que o louco não é fixe. Ser fixe implica, pelo menos, uma negação plausível.
E
então? E então foi assim que me instalei no aquecimento global antropogénico
(AGW). É possível que tenha de se ser ignorante para se ser um negacionista do AGW,
mas não necessariamente louco. E, ao contrário da defesa da pedofilia, a
negação do AGW não arrepia assim tanto que leve a que ninguém queira ter alguma
coisa que ver comigo.
O
único problema, como já observado, é que, como nada sei acerca do AGW, não sei
o que é exigido para não acreditar nele. Como tal, o objectivo deste exercício
é colmatar essa lacuna, porque, bem vistas as coisas, não funciona não saber
nada quando se fala com ares de grande autoridade.
Por
conseguinte, começo as observações que se seguem, não com o pró-forma «corrijam-me
se estiver enganado», mas com esse genuíno pedido. Mas é claro que as vossas
correcções em nada alteram a minha opinião. Isso é que é ser um verdadeiro
crente. Até porque o primeiro passo para entender os factos de forma errada
consiste em entendê-los da forma certa. E, se conseguisse obter alguma ajuda nesta
fase, ficaria eternamente grato.
*
* *
Dizem-me
que um negacionista é alguém que defende uma opinião que contraria um consenso
científico reconhecido. Primeira pergunta: porque tenho de defender a minha
negação para me qualificar como tal? Resposta: porque a negação é, actualmente,
vista como um crime de ódio. O mero facto de ter a opinião de que, por
exemplo, qualquer pessoa com hálito a haggis[1] deve ser morta é um crime
de pensamento. Mas desde que eu o guarde só para mim, aqueles que celebram o Dia
de Robbie Burns[2]
não correm perigo. Nenhum perigo, nenhum dano. Nenhum dano, nenhuma falta.
Segunda
pergunta: o consenso é reconhecido por quem? Não pode ser pelos que o subscrevem.
Nesse caso, qualquer pessoa que negasse o que dizem os cientistas criacionistas
seria tida como negacionista. Porque afinal, eles também estão de acordo,
olho por olho, uns com os outros.
Poder-se-ia argumentar
que cientistas criacionistas é um termo erróneo porque para eles as Escrituras
superam a fidelidade devida do chamado «método científico». Mas não estou certo
de que assim seja. Todos nos fiamos numa cadeia de confiança doxástica[3]. E, presumivelmente, a
nossa fé nessa cadeia depende do histórico. Imagine alguém que prevê o futuro
com 100% de precisão, mas ninguém sabe como o faz. Poderá manter‑se fiel aos seus
princípios e recusar-se a consultá-lo, mas isso apenas faria dele um idiota.
Assim,
se alguém tiver motivos para acreditar que as Escrituras são um testemunho que
se mostra fiável em questões morais e históricas – por exemplo, as leis do jubileu
e o túmulo vazio, respectivamente –, por que não confiar, então, no que dizem
sobre a cosmologia?
Agora,
não me interpretem mal, o que, certamente, farão. Não estou a defender aqui a
literalidade das Escrituras. Até porque não preciso. Apenas pretendo afirmar
que não é necessário ser-se louco para lhes atribuir o seu traço doxástico.
Mas
não vamos discutir o que conta como ciência. Digamos apenas que por «consenso
científico» se entende o que é emitido pelas instituições tradicionais. E é com
base nelas que estamos habituados a assumir a nossa posição em questões do
mundo material. Se fazemos isso de forma correcta ou não e quão radicalmente contingentes
se tornam as nossas crenças é outra questão – que não implica que nos demoremos
e atrasemos neste ponto.
Dito
isto, ninguém pensa que essas instituições são infalíveis. Portanto, nada na
definição de «negacionista» implica que ele esteja necessariamente enganado. Aliás,
pode admitir-se sem constrangimento que alguns dos que mais contribuíram para a
nossa compreensão do mundo foram, nas épocas em que viveram, negacionistas.
Ainda
assim, isso não implica, de forma alguma, que tenha de se pôr um fim ao uso
pejorativo do termo. Existe a possibilidade de, no futuro, se perceber que Andrew
Wakefield[4] esteve sempre certo e que
as vacinas podem causar autismo. Porém, tal não faz com que ele tenha direito a
um pedido de desculpas. Uma condenação errada não é uma condenação injusta,
porque a verdade é sempre incerta, assim como são os processos pelos
quais tentamos lá chegar. Mas esses processos são tudo o que temos. E, na maior
parte das vezes, prestaram-nos, apesar de tudo, um serviço excepcionalmente bom,
tal como sucedeu, por bizarro que seja, com a talidomida.
O
que ninguém nos diz é com base em que instituições científicas específicas
devemos assumir uma posição. Pensemos nos media. A CNN apresenta-se como «o
nome mais fiável nas notícias», mas a Fox afirma apenas que é «justa e
equilibrada». Alguns são partidários de uma, outros, da outra. Poderemos, então,
dizer somente que cada um escolhe a sua realidade e se fica por isso?
Certamente,
podemos, o que não podemos é ficar-nos por aí, porque as nossas
realidades díspares têm impacto nos outros. Nem sempre, mas com abundante frequência.
Se eu não vacinar o meu filho e se o seu tiver um sistema imunitário comprometido,
não se pode dizer que as nossas decisões estão bem compartimentadas.
Embora se possa adoptar o mesmo raciocínio em relação ao AGW, teremos ainda de discutir.
Menciono
a CNN e a Fox porque é através dos media
que percebermos qual é o consenso e qual é a posição divergente. Porque vemos e
lemos o que vemos e lemos pensamos que «toda a gente sabe x». Mas porque eu vejo e leio o que vejo e leio, acho que «toda a
gente sabe y».
O
que mais poderemos dizer uns aos outros além de: «Toda a gente que sabe,
sabe isso… »? Se discordamos só pode ser porque um de nós não está entre os que
sabem.
Como
veremos mais à frente, combater o AGW é um problema de acção colectiva. E,
aqui, a questão é lexical. Os problemas de acção colectiva são bastante difíceis
de superar, quando assumimos o estado de espírito de que há um problema.
Mas mesmo quando o não temos, um problema de acção colectiva não tem de ser intratável,
desde que exista uma massa crítica de nós que tenha essa vontade. Mas
não nos podemos comprometer com uma causa se não formos capazes de superar esse
cepticismo prévio.
E,
no entanto, muitas vezes comprometemo-nos, o que significa que superámos.
De que forma? Por um fiat[5].
Acredito
na maior parte do que me disseram porque, caso contrário, ficaria congelado em torpor.
E a prova de que é melhor ter crenças reconhecidamente injustificadas do que
suspender completamente a crença é que as primeiras foram naturalmente escolhidas
a favor e a segunda, contra.
Assim,
neste sentido estratégico de justificação, admitamos que se tem o direito,
embora de modo nenhum compelido, a acreditar no que foi dito, ou seja, de não
questionar que 97 % dos cientistas acreditem que o AGW é real.
*
* *
Terceira
pergunta: 97 % de que cientistas? E quarta: eles confirmaram o AGW pelos
seus próprios meios e de forma independente ou acreditam nessa noção pelos
mesmos meios que todos nós? Afinal de contas, um cientista informático é um cientista,
mas o que é que ele sabe de climatologia?
E
se um climatologista ratificar as descobertas de um colega porque o primeiro não
tem motivos para não confiar no segundo, então um consenso de 97 % não tem mais
força probatória do que um relatório minoritário.
Admitamos
tudo isto. Mas, e então?! Quase tudo em que acreditamos é, em última análise,
atribuível a umas poucas pessoas que fazem observações, mais a algumas outras que
desenham inferências a partir dessas observações, e mais algumas que fazem outras
inferências a partir dessas inferências e assim por diante. Quanto mais subimos
a escada, mais a nossa confiança depende da confiança invisível que temos nas
observações e inferências feitas em cada degrau abaixo. Pérolas dentro, pérolas
fora. Lixo dentro, lixo fora. Estes são apenas os dividendos que recolhemos,
mas também os perigos em que incorremos, com base na especialização do trabalho
epistémico. É como se diz: não há almoços grátis.
Vamos,
então, ver o que temos: há um relatório sobre um relatório sobre um relatório e
por aí adiante… que afirma que existe um consenso sobre a existência de um
consenso sobre a existência de um consenso e etcetera… em relação a uma cadeia de confiança na qual algumas
pessoas, mas outras não, estão preparadas para confiar… e que isso assegura que
o veredicto do AGW é real.
Parece-me
difícil de negar isso, e eu não nego. Nem sei de qualquer negacionista do AGW
que o negue. O problema é que é trivialmente verdadeiro. Ou, como se costuma
dizer, é apenas corriqueiro, mas é verdade.
*
* *
Mas
não posso ser um negacionista sem algo para negar. Vamos lá tentar outra via.
Por
«meteorologia» entende-se o que eu preciso de saber para planear o meu dia. Mas,
deixando de lado o passeio à lagoa[6], significa o comportamento
da atmosfera – precipitação, vento, temperatura, esse tipo de coisas – a uma
hora de carro de distância da estação de televisão local. Disseram-me que
nenhum desses fenómenos é independente, mas, para melhor moldar este debate aos
nossos fins, limitar-nos-emos a falar de temperatura.
Nós
só somos capazes de medir e registar a temperatura há cerca de duzentos anos e só
o fazemos continuamente, em vez de periodicamente, há ainda menos tempo.
Ainda
assim, como em qualquer função não monotónica, permitimo-nos, por falta de
escolha, interpolar e extrapolar dados. E quando o fazemos, o que obtemos é
algo semelhante a uma fileira de dentes de tubarão, irregular e de sentido
desconexo.
O
que entendemos por clima consiste, então, em pegar nessas medidas e calcular-lhes
a média ao longo de um período, digamos por exemplo, de trinta anos. Agora, à
medida que o cursor se move, tanto sobe como desce. Mas, ao falhar algum evento
catastrófico, como a queda de um cometa ou uma erupção do Krakatoa, a
irregularidade da denteação do tubarão quase desaparece. Num determinado ponto,
a temperatura média ao longo dos quinze anos em ambos os lados do cursor foi,
digamos, de doze graus. Mas seria preciso mover o cursor várias décadas para o registo
de onze ou treze.
Até
agora, a nossa temperatura climática tem sido definida como a média da leitura de
um sensor localizado no parque de estacionamento ao lado de uma estação de televisão
local. Calculemos, agora, a média da média das leituras de todos os sensores
espalhados pelo país, sendo meticulosos no posicionamento dos dispositivos, de
forma a não induzir erros de amostra enviesados. Provavelmente, o cursor sobe e
desce ainda menos erraticamente. À medida que espalhamos os nossos sensores
pelo mundo, o que deveríamos concluir é que, se o clima global fosse aquilo
que apelidamos de «estável» – pondo de parte os estranhos El Niño ou La
Niña –, a oscilação de temperatura seria qualquer coisa lisinha, que não
mexe.
Mas,
aparentemente, não é o que se passa. Desde o início dos anos 1800, o que podemos
ver – ou, mais precisamente, o que alguém descobriu que alguém descobriu que
alguém descobriu – é que a temperatura global média aumentou pelo menos um
grau. É claro, esse valor continuar a aumentar depende do que causou a sua
subida e de que essa causa e efeito seja uma função monotónica ou não
monotónica. Ou seja, o que quer que tenha causado este aumento de temperatura
carrega em si as sementes da sua própria reversão? E se sim, em que altura podemos
esperar que essa reversão mostre a cara?
Repare-se
que, ao dizer «o que quer que tenha causado esse aumento», pretendo incluir
a possibilidade de antropogénese como um factor entre outros ou mesmo factor
único. Por exemplo, algumas pessoas estão optimistas e julgam que as
temperaturas globais voltarão aos níveis pré‑industriais quando esgotarmos os
combustíveis fósseis que estamos actualmente a converter em dióxido de carbono,
ou quando nos matarmos todos ou o que ocorrer primeiro… Embora «optimista» talvez
seja uma escolha estranha de palavra neste contexto.
*
* *
Já
agora, sou ateu. Mas considero-me um ateu empático, mais do que um ateu absolutista
porque, ainda que apostasse a minha alma imortal em como Deus não existe, não
apostaria a quinta da família nessa crença. Da mesma forma, enquanto negacionista,
não acho que seja obrigado a descartar a possibilidade de que o
aquecimento global seja real e, se for, também não descarto a possibilidade
de ele ser antropogénico. Esse seria o tipo de hubris epistémica que ridicularizei,
com toda a justeza, nos meus interlocutores.
E
eis que restam, por consequência, seguintes opções:
· Posso
negar que, de facto, é real.
· Posso
conceder que seja real, mas negar que seja antropogénico.
· Posso
tentar garantir aos meus interlocutores Chicken Little[7] que, seja ou não real, não
há motivo de preocupação. Ou…
· Posso
conceder que haveria algum motivo de preocupação se as Escrituras não nos
tivessem prometido uma Segunda Vinda. E isso implica que ainda aqui estejamos
para recebê-la.
Escusado
será dizer que espero não acabar a abraçar esta última opção. Até porque, como
judeu, desisti de esperar pela Primeira Vinda, quanto mais por uma
segunda. De qualquer forma, vamos ver qual dessas opções devo adoptar.
Preocupo-me,
sim, como alguns dos meus companheiros de viagem, com o meticuloso o
posicionamento dos sensores, para que uma amostra enviesada não convide ao
erro. Mas estou preparado para aceitar com fé – a mesma fé que me permitiria
não o aceitar – que, nos últimos duzentos anos, a temperatura média global tenha
aumentado um grau.
Lembremo-nos
de que, na última hora, a temperatura desceu mais de oito graus. O que desejo saber
é a razão pela qual o aumento de um grau na temperatura média global é mais
preocupante do que a temperatura local ter descido oito. Afinal, tal como se
diz dos paus, pedras e palavras, os ventos fortes do furacão podem partir os meus
ossos, mas o clima nunca me aleijará[8]. A resposta, dizem-nos, é
esta:
O
clima supera a meteorologia. Ou seja, não há qualquer alteração climática sem
uma série de alterações meteorológicas. Porém, embora uma mudança do clima não
cause uma mudança na meteorologia – isso violaria a relação de superveniência –
a sua prognosticação pode simultaneamente prognosticar mudanças na
meteorologia. Por exemplo, ao prever sete anos de seca, Joseph estava também a
prever a improbabilidade de chover na quarta-feira seguinte. Assim, se os
Chicken Littlers estiverem certos de que devemos esperar por um segundo
grau de aquecimento global ao longo da próxima década, determinados fenómenos
meteorológicos poderão ser previstos com um razoável grau de certeza. E alguns
desses fenómenos são, realmente, motivo de preocupação.
Preocupação
com quem? Vamos fazer um pequeno desvio para ver se conseguimos responder a esta
pergunta.
*
* *
Dos
7,5 mil milhões de pessoas no mundo, existe, certamente, pelo menos uma pessoa –
vamos chamar-lhe Jane – que gostaria de pôr fim à vida, mas não tem os meios ou
a coragem de o fazer. Segue-se que, apesar de o fim do mundo – ou seja, o fim da
sua antropicidade – ser uma perda para a grande maioria dos seus habitantes
humanos, há algumas pessoas – e com isso quero dizer pelo menos uma – para as
quais seria um ganho. E mais, isso seria verdade independentemente de como o
mundo chegue ao fim, neste sentido antrópico, quer fosse um cometa assassino
que nos atingisse e matasse o planeta, o Armagedão nuclear ou o AGW.
Pode
afirmar-se que, apesar de ela ter o direito de querer pôr fim à própria vida, não
o pode fazer à custa da vida de qualquer outra pessoa. Mas isto acrescenta à
história uma premissa que teria de ser argumentada de forma independente.
Afinal, David Hume argumentou que «não é contrário à razão preferir a
destruição do mundo inteiro a arranhar o meu dedo». Se essa razão puder
ser invocada, ainda hei de de ouvir alguém fazê-lo, salvo as poucas pessoas que
nutrem o sentimento estranho a que Hume chama de «sentimento de companheirismo»,
sentimento que Jane, aparentemente, não nutre.
A
fortiori, então, dos sete mil milhões e meio de pessoas no
mundo, existe pelo menos uma –vamos chamar-lhe Dick – que prefere continuar a viver,
mas cuja qualidade de vida – de acordo com a sua própria medida – que é a única
que o afirma como agente autónomo – seria melhorada pelo próprio AGW ou por
aquilo que no AGW constitui um efeito antecipado mas autónomo. Segue-se,
portanto que, de forma não muito diferente do que acontece com quase tudo no
mundo, o próprio AGW – ou o que deste resulta ou no que este resulta – está
destinado a produzir vencidos e vencedores.
Pode
muito bem ser que, a curto prazo, haja mais vencidos do que vencedores, ou de que
os vencidos percam mais do que o que ganham os vencedores. Mas, o que significa
isto para o Dick? Pode mesmo ser que, a longo prazo, até o Dick perca. Mas o
que significa isso para a Jane?
Um
indivíduo pode estar enganado sobre qual dos dois ele poderá ser. Mas isso
acontece com qualquer escolha que se faça sob uma incerteza, seja ela uni ou
bidimensional. O que se segue, no entanto, é que o que há a fazer, se é que há
algo a fazer, a respeito do AGW é uma decisão política, sujeita às
mesmas forças de qualquer outra – a saber, o conflito de interesses. Uma pessoa
pode esperar que os interesses do outro, como ela os vê, se encaixem nos seus.
Mas isso é exibir uma grande indignação moral quando a sua não revela a
maturidade moral de uma criança de três anos.
Ora,
como qualquer teórico da escolha racional lhe dirá, geralmente existe uma
desconexão radical entre as preferências declaradas e as preferências reveladas.
Quais são, pois, as suas verdadeiras preferências? Eu optaria pelas últimas. Assim,
quando alguém me diz que prefere determinados fins, mas persegue sempre outros,
tendo a suspeitar que essa pessoa realmente não prefere o que pensa que
prefere.
Mas
há uma ressalva importante. Eu preferiria passar a tarde a limpar as ruas do
bairro se um número suficiente de vizinhos se juntasse a mim. No entanto, se eles
não se quiserem juntar –e não querem – prefiro, em vez disso, assistir a um
jogo de futebol. É isso o que queremos dizer ao falar de um problema de acção
colectiva. E a falha em resolver esses problemas produz o que Garret Hardin
chamou «a tragédia dos bens comuns». Não posso carregar a acusação de hipocrisia
àqueles que até fariam alguma coisa em relação ao AGW, mas não o fazem
porque, na ausência de outras pessoas para seguir o exemplo – que não seguem –,
os seus esforços seriam desperdiçados. Isto descreve a maioria dos meus
colegas. E, provavelmente, dos seus também.
Há
ainda um outro motivo pelo qual os que se angustiam e lamuriam pelo AGW não se
distinguem em termos comportamentais dos seus inimigos negacionistas, angústias
e lamúrias à parte. Eles dizem-nos que o AGW é o problema mais urgente que o
mundo enfrenta actualmente e depois perguntam-se porque é que ninguém está a
tratar disso. A resposta é simples: não há uma única pessoa no planeta – incluindo
quem pergunta – para a qual fazer algo em relação ao AGW esteja sequer perto
de integrar o top da lista de coisas-a-fazer-hoje.
Se
um cometa estiver prestes a destruir a Terra nos próximos dez minutos, acho que
irei ao encontro do meu Criador com o pirilau de fora porque, primeiro, tenho de
fazer xixi. Ou irei buscar os miúdos à escola. Ou passear o cão. Posso talvez não
me dar ao trabalho de efectuar o pagamento da hipoteca que hoje vence. Mas,
fora isso, oh, sim, acho que é o mesmo pão nosso de cada dia
E
por maioria de razão se eu trabalhar no Patch[9]. Porque, se se verificar
que, afinal, temos mais de dez minutos ou, digamos, alguns meses, o banco não
aceitará que eu leve ao peito um cartaz que diz «O fim está a chegar» em vez da
prestação do empréstimo.
Dizem-nos
que temos doze anos para consertar os nossos caminhos. Ou então o quê? Ou então
suportaremos as consequências de mais doze anos de atraso, assim como temos suportado
as consequências dos últimos doze.
Assim
sendo, talvez o que eu negue não seja tanto o aquecimento global em si nem o
facto de ele ser antropogénico – embora queira manter o direito de o negar –,
nem o pressuposto de que haverá consequências devastadoras para algumas
pessoas – talvez já haja. Talvez eu queira apenas dizer que isso não resolve a
questão de quem, se alguém, é que deve fazer o quê ou alguma coisa, acerca do
problema.
Ou
talvez apenas diga que, por ser um intratável problema de acção colectiva,
ninguém fará nada para o resolver. E, como ninguém vai fazer coisa nenhuma, não
é, por definição, um problema. Mas como por definição? É que por problema
queremos significar qualquer coisa pela qual podemos fazer algo. Caso
contrário, chamamos-lhe apenas um facto. Mas mesmo um facto desagradável – como
o de eu ir morrer um dia – não é matéria que cause extraordinária preocupação.
Porém,
não tenho certeza que deva deixar a questão neste pé. Creio que quero negar
que seja um facto. O mundo chegará ao fim em algum momento. Assim como, com
toda a probabilidade e ainda antes disso, a antropicidade do mundo. Mas o fim
do mundo tem sido previsto, para grande vergonha de inúmeros xamãs, desde que abandonámos
as cavernas, e creio que alguma coisa deve ser dita o a dizer para uma mínima
conclusão.
«Ah,
mas desta vez é diferente.»
E,
no entanto, nunca é.
«Sim,
mas agora temos a ciência para provar.»
E
que xamã pensou que não o faria?
Será
esta apenas a minha maneira velada de confiar que Deus nos salvará? Sou ateu, recordo.
Mas vamos ver.
O
vosso consenso científico, associado ao meu argumento dos problemas de acção
colectiva, leva-nos ao fim inevitável do mundo antrópico. A minha teoria
pragmática da verdade não pode aceitar isso. Como tal, ou a vossa ciência está
errada ou o meu entendimento dos problemas das acções colectivas é,
lamentavelmente, inadequado. Nada sei sobre a primeira, mas vivo do último. Assim,
digam-me a mim qual é que eu estou inclinado a achar que é o réu.
*
* *
Se
já deixou de ser capaz de escalpelizar uma discussão – ou se talvez nunca o
conseguiu – não tem nada que se envergonhar. Também nunca fui capaz de correr a
milha de dez minutos. Já aceitei o facto.
O
que leva a confiscar a alguém o direito a participar na conversa, no
entanto, é fazer de Kellyanne Conway[11]. Circular é, na prática,
apenas sair do edifício.
Sou
responsável pelo que disse, não pelo que isso signifique nem pelo que ouviu. O
meu negacionismo pode ser associado a um certo número de objectivos mefistofélicos:
a guerra à ciência, a extrema-direita, a pornografia infantil, os Protocolos
dos Sábios de Sião… Ou, o favorito dos meus interlocutores: o facto de estar na
lista de pagamentos– quem me dera! – das grandes companhias petrolíferas.
É
com agrado que me declaro culpado de tudo o que foi escrito acima. (Bem, excepto
das grandes petrolíferas, que continuam a dizer-me que o cheque foi enviado por
correio.) Mas, tal como as flores
que florescem na Primavera – tan tan tan
tan – nada disto tem que ver com o caso, tan tan tan tan!
Não
muito diferente do circunstancial ou abusivo ad hominem[12], expressões como «o reconhecido
consenso científico» ou «os principais especialistas em» são adequadas à retórica,
mas não a uma argumentação séria. Se usarmos «urgente» para indicar algo diferente,
é preciso redefinir o termo e, de seguida, defender o que queremos dizer com
ele. Se achar que existe uma assimetria entre os seus protocolos epistémicos e
os dos seus interlocutores, terá de identificar essa assimetria sem a pressupor.
E isto não quer dizer que a sua visão não acabe por ganhar o dia. Mas tem de vencer
e não apenas clamar vitória.
Nós,
negacionistas – partindo do princípio de que consegui ser um –, fomos tão
culpados como os nossos interlocutores de tornar este debate tão tóxico que não
é de admirar que nenhum de nós possa pregar a outros que não aos convertidos. Assim,
como agora sou o seu porta-voz oficial, gostaria de propor que ambos limpássemos
o veneno das nossas lanças e falássemos uns com os outros, em vez de sobre
ou contra os outros.
Mesmo
que tenha de fingir até conseguir, faça-o. Um pouco de humildade intelectual
pode ajudar bastante a fazer amigos e influenciar pessoas, o que, provavelmente,
é o que deseja, sobretudo a última parte. A menos, é claro, que como o Todo‑Poderoso,
pretenda apenas aproveitar o esplendor da sua justiça inexpugnável.
Paul
Viminitz é professor de Filosofia na Universidade de Lethridge, no Canadá. Uma
das suas especialidades é a filosofia da guerra. Participante do blogue Paulosophical
Vimplications (https://paulosophicalvimplications.org/)
[1] Um dos pratos tradicionais mais conhecidos da Escócia
(bucho de carneiro
recheado com vísceras moídas, ligadas com farinha de aveia).
[2] Dia na Escócia em que se
celebra a vida e poesia do poeta Robert Burns. O ponto alto deste dia é um
jantar que inclui haggis, uísque escocês e a recitação da poesia de
Burns.
[5] Termo latino que
significa «faça-se», com que a Virgem Maria acolheu o anúncio da sua
maternidade.
[7] Personagem principal de
um filme de animação da Walt Disney (2005) com o mesmo nome. Chicken Little é um galinho ingénuo e
imaginativo que, ao afirmar que lhe caiu um pedaço do céu na cabeça, causa as
maiores confusões no local onde vive.
[8] Referência a um popular ditado inglês, «Sticks and stones may break your bones but words can break your heart».
[11] Directora da
campanha eleitoral do Presidente dos EUA, Donald Trump, em 2016, sendo
actualmente sua Conselheira na Casa Branca.
o tejo tá seco, não chove há semanas e é um trend que continua há anos há alterações do clima se elas são permanentes ou se o interglacial acaba para a semana é algo que vamos ver nos próximos tempos
ResponderEliminarResumindo : « Sou contra porque acho cool ser contra, um direito que me assiste e ninguém tem nada com isso, uma vez que o estado actual do conhecimento não é, nunca foi, nem nunca será, infalível. »
ResponderEliminarQue eu visse, ninguém contestou o direito reivindicado pelo autor do texto. Que ele seja céptico, tudo bem. Que ele nos dê, com sinceridade, e por vezes de forma bem humorada, as razões que o levam a ser céptico, melhor ainda. Até agradecemos. Eu, pelo menos, fico-lhe grato. E mesmo que essas razões se resumissem, como suspeito, a « porque é cool », não viria daí mal algum ao mundo.
Só que a questão – científica e política – não é propriamente a de saber se o autor do texto tem ou não direito em acreditar no que quer. A questão consiste em saber se ele pretende convencer outrem de que que a posição dele é razoável. Não é certo que ele queira. Mas o que é certo é que o consenso científco que existe - peço perdão pela evidência – desde que existe ciência (ou seja empresa que visa convencer racionalmente outrem de que a observação crítica e inteligente dos fenómenos permite aceder a um conhecimento melhor e mais fiavel dos ditos), não pode ser determinado em função do que é ou deixa de parecer cool ao autor do texto.
Mas como pode existir ciência e consenso científico – pergunta o autor – se ninguém foi verificar por si, nem fazer uma por uma todas as experiências que justificam os resultados, e se afinal todos se apoiam, pelo menos em parte, na autoridade de quem já se deu ao trabalho de ir ver ? Mistérios da ciência que deixo ao critério de cada um. Da mesma forma, também poderíamos criticar a História. Isso dos descobrimentos, afinal de contas, os que falam nisso hoje, por acaso estavam lá para ver ? OK. Deixemos estas brincadeiras para quem tem tempo a perder. Até ver, a crença na capacidade da ciência de dar, de forma acessível a todos, um conhecimento mais exacto da realidade, tem dado algumas provas e apresenta-se como razoável. Por exemplo, o homem viajou até à lua com base nela, o que não me parece desprezível. E certo que eu não estava lá para ver…
Portanto, tenho muita pena mas, ainda que não esteja a ser cool, na altura de tomar decisões sobre bens essenciais e sobre o meu futuro, vou continuar a acreditar que vale a pena procurar saber qual o melhor estado do conhecimento sobre a questão. E vou também continuar a acreditar que, mesmo que a busca do conhecimento seja sempre aperfeiçoável, ainda assim, não estamos totalmente desprovidos, nas nossas sociedades tecnocráticas, de meios objectivos, racionais e rigorosos de fazer a diferença entre resultados que gozam de uma boa aceitação junto da comunidade científica, e resultados que são largamente controvertidos. Não estivesse eu convencido disso, e não seria apenas sobre a questão do aquecimento global que eu ficaria escandalizado, mas sobre a pópria existência de estabelecimentos de ensino. Os tais que o autor do texto deve ter frequentado com certeza, de maneira suficientemente assídua e proveitosa, para que não me pareça indispensável explicar-lhe do que estou a falar.
Isto vale apenas, claro, nas decisões que tomo em responsabilidade para resolver questões sociais e políticas bicudas que não me dizem respeito apenas a mim. E só o faço na exacta medida em que a democracia o exige, outro valor que, temo, o autor do texto é capaz de não achar muito cool.
Quanto ao resto, na intimidade do bar, aceito qualquer disparate, desde que tenha piada e que venha acompanhado com cerveja fresca.
Boas
Muito obrigado por estes comentários
ResponderEliminarAntónio Araújo
A este propósito seria interessante confrontar tudo aquilo que se diz relativamente á falta de consenso dos efeitos do co2 produzido pela sociedade moderna com este timeline publicado pelo The Guardian.
ResponderEliminarhttps://www.theguardian.com/environment/ng-interactive/2019/oct/09/half-century-dither-denial-climate-crisis-timeline
Bastante elucidativo
Gosto particularmente do modo como o apodo "ceptico" se colou aos negacionistas, como se o paineis de milhares de cientistas, como o IPCC, e a consequente acumulacao massiva de dados fossem profissoes de fe. Gostaria, ja agora, de ouvir uma consulta medica do Prof. Viminitz, por exemplo, para ver ate onde vai o seu "cepticismo" relativamente as conspiracoes urdidas nas esferas tecnico-cientificas, essas flores de obsessao do politicamente correcto...
ResponderEliminar... ja agora, esta arenga do senhor Viminitz vem a proposito da contestacao de certos dados estatiscos invocados em anterior post:
ResponderEliminar-"Meu Caro António, já conhecia este argumento. Habituei-me a admirar a sua inteligência e as suas surpresas argumentativas. Quero dizer-lhe que a sua agilidade argumentativa é bem superior a esta estatística, cuja formulação e arranjo já de si cheira a mofo. Vou, com muito gosto, enviar-lhe um admirável texto de um filósofo canadiano, que me dei ao trabalho de traduzir. Eu vou publicá-lo na minha Página Negra. Se lhe vir algum valor, publique-o também. É provocatoriamente a reivindicação de se ser "negacionista". Mas é sobretudo uma afirmação de racionalidade.
No mais, quero agradecer-lhe ter comentado criticamente um texto meu e ter, depois, acolhido com tão bom espírito a minha resposta. O seu blogue é um exemplo de saber. O resto é conversa. Um abraço. Manuel S. Fonseca"
Ora, como ficou patente, a posta de Viminitz nao apresenta qualquer argumento invalidando as estatisticas apresentadas no post original. Zero, nada, porque sao incontestaveis (bibliometria, etc.). Sobra apenas, portanto, a critica aromatica ao mofo das mesmas, facilmente soluvel com a frequencia de literatura cientificamente mais arejada que aqui apresentada.