Desço à rua para comprar tabaco e
entro no boteco da Dona Fernanda, que à conta do frio estava toda transida atrás do
balcão com um passa-montanhas enfiado na cabeça que até me ocorreu ser terrorista,
ou assim. Tentei abrir a porta da arca vertical para tirar umas bebidas mas duas
japonesitas pequeno-almoçavam num tête-à-tête de cinema mudo sem legendas, cada
qual afundada em telemóvel próprio. Minto, uma maquilhava as trombas, à vista de todos.
Peço licença ao rabo da japonesa de cá para se chegar à frente e lá enfim abro
a arca. Nisto chega o cauteleiro com muletas pernetas vestido de
camuflado de guerra, a arrastar-se pelo café dentro aos trinados de «Bom diaaa!». Ao ver o
doutor, baixa o tom de voz e, três ou quatro oitavas abaixo, adita: «ou mau dia…»
(a melancolia mediterrânica). Devolvo os bons dias ao herói da guerra, da
guerra dele, não de qualquer outra, e ao sair dou de caras com um tipo de ares
intelectuais aros redondos, carregadinho de bagagem. A primeira ocorrência
que tenho é francês à espera da senhora das chaves do Airbnb, que as toalhas e
os lençóis já estão lá dentro, postos de véspera. Estranho que o tipo esteja a
entrar na funerária e até me espanto pela Adelaide dos caixões já arrendar também apts aos
franceses, mas nisto bang! a iluminação epifânica; num nanossegundo, as sinapses
do cérebro, mau grado cansadas, deslindam o mistério: era o filho de um morto qualquer
que trazia o fato do pai para lho vestirem, penso que não ali na funerária. Dois
minutos de Universo a poucos metros da Graça.
gosto tanto...
ResponderEliminarObrigado, M.
ResponderEliminarAA