domingo, 24 de maio de 2020

Quietude júnior (6)




Sigam os lieder.

Os ingredientes das últimas saladas júnior, esta e a próxima, não nasceram para infantes. Foram convertidos, e os infantes a eles. Uma conversão mútua, digamos, íntima e pessoalíssima. O fabrico é artesanal e certificado: foi testado empiricamente com rebentos lá de casa. Suponho que toda a gente terá feito a sua conversão caseira, e nisso cada uma é como cada qual. Se funciona, funciona – e a Federação certifica. Fica então uma delas, primus inter ziliões de pares.

O sopro que emana de tais canções, ou aquilo que o inspira, prende tanto ou mais ao seu embalo que muitas canções de embalar. Sussurram para lá do ouvido, ao coração, e na essência permanecem um sussurro mesmo quando se encorpa e cresce em volume a voz que as entoa. Propagam o repouso que evocam, a mesma acalmia, a mesma tranquilidade, a mesma mescla de sombra e cintilação.

Será da sombra das árvores, debaixo da qual se sonha ou descansa? Da cintilação do sol nas folhas, do brilho de quem se quer nos nossos olhos, do esplendor dos dias que hão de vir?  

1) Um plátano frondoso, para começar. Ombra Mai Fu, não há sombra mais amável e suave, diz a ária de abertura da ópera Xerxes, de G. F. Haendel. Aqui cantada por um contratenor que cala tudo à volta: Andreas Scholl.

2) A tília dos sonhos doces, em Der Lindenbaum, um lied de Franz Schubert, parte do ciclo de canções Winterreise. Por Dietrich Fischer-Diskau (acompanhado ao piano por A. Brendel), barítono a quem já ouvi chamar de Callas de calças. Por mim podia sempre vestir o que quisesse, calado ou a cantar. Com aquela voz, podia até nem vestir nada.

3) “Tu és o repouso / E a paz gentil / O anseio / E o que o apazigua” – é assim que começa outro lied de Schubert: Du Bist Die Ruh, cantado por outro barítono que também pode usar saias, calções, tanga ou nu: Christian Gerhaher, acompanhado ao piano por G. Huber.

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Manuela Ivone Cunha








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