Por estes dias há trovoada no interior
Norte. Troveja literalmente – brrrrrroommm –, não no sentido metafórico. Dito
isto, ocorre-me que até nem seria má ideia fazer entrar “trovejante” ou
“questões trovejantes” na bolsa nacional de metáforas. Sempre a arejavam um
bocadinho e davam algum descanso a “fraturante” ou “questões fraturantes”, por
exemplo, que andam estafadotas e gastas com tanto uso em piloto automático. Há aquilo
que fratura, há. E há o que, vendo bem, sempre esteve fraturado, mas atrás de
um biombo nublado – uma fratura não exposta, digamos assim, para mais suportada
em silêncio, sem ai nem ui.
Acontece que, calada e ignorada,
cresça, acumule massa e volume em desenvolvimento vertical, até chegar a um
desses auges congestionados que é o cúmulo-nimbo, o cúmulo dos cúmulos em forma
de bigorna. E, qual bigorna, nos caia depois em cima com fragor, como ao Coiote Will. Como
não havia de estrondear?
Vamos então à trovoada. Quem quiser que
se encomende a Sta. Bárbara.
1) A abrir, o ribombar breve mas
furioso da Tempestade na ópera Alcione, de Marin Marais, comandado aqui
não por Thor mas por Jordi Savall.
2) O ribombar do trovão é porém
supimpamente suplantado por um uivo de ventania nunca ouvido – acreditem – em Thunderstorm Blues, por Maggie Jones.
3) Da trovoada pode nascer um grande amor,
um coup de foudre não funesto, mas tão
assassino e saudoso que leva a maldizer os países imbecis onde jamais chove e
que de raios e trovões nada conhecem. “Falem-me da chuva e não do bom tempo / O
bom tempo desgosta-me e faz-me ranger os dentes”. L’Orage,
de George Brassens.
4) Por fim, não o andamento mais
tempestuoso e trovejante da sonata para piano conhecida por Tempestade (a 17ª de Beethoven), mas o
da calma que sucede às tempestades, ou as antecede. Em baixo na interpretação
recente de Igor Levit – um segredo para quem, como eu, teme as trovoadas
meteorológicas: não conheço outra com tanta delicadeza e inteligência. Isola
com mais eficácia que a gaiola de Faraday. Boa sorte.
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Manuela Ivone Cunha
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