domingo, 31 de maio de 2020

Raios e trovões.





Por estes dias há trovoada no interior Norte. Troveja literalmente – brrrrrroommm –, não no sentido metafórico. Dito isto, ocorre-me que até nem seria má ideia fazer entrar “trovejante” ou “questões trovejantes” na bolsa nacional de metáforas. Sempre a arejavam um bocadinho e davam algum descanso a “fraturante” ou “questões fraturantes”, por exemplo, que andam estafadotas e gastas com tanto uso em piloto automático. Há aquilo que fratura, há. E há o que, vendo bem, sempre esteve fraturado, mas atrás de um biombo nublado – uma fratura não exposta, digamos assim, para mais suportada em silêncio, sem ai nem ui.

Acontece que, calada e ignorada, cresça, acumule massa e volume em desenvolvimento vertical, até chegar a um desses auges congestionados que é o cúmulo-nimbo, o cúmulo dos cúmulos em forma de bigorna. E, qual bigorna, nos caia depois em cima com fragor, como ao Coiote Will.  Como não havia de estrondear?

Vamos então à trovoada. Quem quiser que se encomende a Sta. Bárbara.

1) A abrir, o ribombar breve mas furioso da Tempestade na ópera Alcione, de Marin Marais, comandado aqui não por Thor mas por Jordi Savall.

2) O ribombar do trovão é porém supimpamente suplantado por um uivo de ventania nunca ouvido – acreditem – em Thunderstorm Blues, por Maggie Jones.

3) Da trovoada pode nascer um grande amor, um coup de foudre não funesto, mas tão assassino e saudoso que leva a maldizer os países imbecis onde jamais chove e que de raios e trovões nada conhecem. “Falem-me da chuva e não do bom tempo / O bom tempo desgosta-me e faz-me ranger os dentes”.  L’Orage, de George Brassens.

4) Por fim, não o andamento mais tempestuoso e trovejante da sonata para piano conhecida por Tempestade (a 17ª de Beethoven), mas o da calma que sucede às tempestades, ou as antecede. Em baixo na interpretação recente de Igor Levit – um segredo para quem, como eu, teme as trovoadas meteorológicas: não conheço outra com tanta delicadeza e inteligência. Isola com mais eficácia que a gaiola de Faraday. Boa sorte.

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Manuela Ivone Cunha









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