Os verdadeiros sinestetas sempre me inspiraram
uma pontinha de inveja. Há-os e há-as de todas as espécies e feitios, cada qual
com a sua combinatória de sentidos. Mas a mistura mais fascinante é talvez a de
sons e cores, uns a fundir-se com as outras numa lotaria rara de acertar, o dois-em-um
sensorial. Messiaen via cores no canto dos pássaros sem se meter em cogumelos e
Lizt desconcertava os músicos nos ensaios ao pedir-lhes para tocarem “um bocado
menos azul”, sff. Mais alucinado ainda, Scriabine chegou a conceber um teclado
de cores para Prometeu ou o Poema do Fogo, o poema sinfónico que compôs para
orquestra, piano e … teclado de luzes. Tratava-se, é bom de ver – no caso, ver-ouvir
--, de casar sons, luz e cores. E não, tanto quanto se sabe não havia nada de
esquisito na água que bebia.
Que me lembre, o mais perto que me
foi dado chegar de uma experiência multissensorial não assistida foi
ouvir o primeiro andamento do Concerto Caboclo tornar tangíveis na pele,
quentes e ligeiras, brisas estivais longínquas.
João Habitualmente, de cuja
pluma saiu “40 º graus à sombra / Ventoinha / Vento vinha”, havia de apreciar.
Saiu há pouco a magnífica antologia deste poeta, clarividente e por acaso
privado de visão:
Um
Dia Tudo isto Será Meu.
E com tudo isto parece que já não há
estações por aqui. No outro dia foi Natal em abril, agora Verão em maio. Para
mais, com o desconfinamento incerto, só o Verão desenhado por Sparks é 100%
seguro, até ver.
Mas não é bem a isto que vinha, como
a ventoinha. Como compreendo os transeuntes prestáveis que querem muito ajudar
automobilistas extraviados e por isso tristes: “Está a ver a rotunda depois de
virar na terceira à direita, a seguir à segunda à esquerda, passando o viaduto?
Não é aí…”.
Ao que eu ia mesmo era ao terceiro
andamento do Concerto Caboclo, 5
minutos ponteados e vivos compostos há poucos anos por Paulo Bellinati. Este, o
terceiro, sinestesia-se é com a alma, de tão luminoso, revigorante e
esperançoso. Então e o primeiro, em toada andante, andantino – perguntam? Esse
fica para o Verão. Ou não.
(Dedicados ambos ao Brasil).
Pelo Brasil Guitar Duo e a Delaware Symphony Orchestra,
dirigida por David Amado.
Manuela Ivone Cunha
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