Há quem chame à 5ª de Beethoven a Sinfonia da
Vitória. A designação vem do uso que lhe foi dado como símbolo de
vitória – da Vitória com V e de várias vitórias com v – pelas Forças
Aliadas durante a Segunda Guerra Mundial. Tanto poderá ter sido em razão da
famosa sequência rítmica pom-pom-pom-poooooom, que acontece marcar a letra V em
código Morse, ou simplesmente porque o V de vitória corresponde a 5 em numeração
romana.
Por
mais um daqueles acasos que não quis vir só, e desta vez trouxe companhia
torcida ou, no mínimo, tortuosa, “a 5ª” voltará a ser associada a uma outra
batalha, uma que leva já quase um século e cujo desfecho se previa para 2020 –
o ano em que se comemora o tal 250º aniversário de Beethoven.
A ligar tudo isto, a versão disco da
5ª de Beethoven de Walter Murphy, caracteristicamente anos 70, com o sugestivo
nome A Fifth of Beethoven – um trocadilho em inglês com
uma medida líquida corrente em bebidas brancas nos EUA. Se já era um
êxito, mais popular se tornou ao entrar com destaque na banda sonora do hit que
foi o filme Saturday
Night Fever, com um John Travolta a ascender ao estrelato. Ambos aqui.
E ei-la que regressa, A Fifth of Beethoven, agora como tema de Mrs. America, uma
mini-série assinada por Dahvid Wall, aclamada pela crítica e estreada este ano,
em torno do movimento para ratificar a emenda constitucional sobre igualdade de
direitos perante a lei, independentemente do sexo, nos EUA: a Equal Rights
Amendment (ERA). Apesar de muitos e muitas presumirem que essa coisa simples,
elementar, que é a proteção contra discriminações em função do género se
encontra há muito inscrita na lei fundamental daquele país, a verdade é que não
está, e como tal não pode beneficiar da robustez e da estabilidade jurídica que
só ela garante.
Primeiro apresentada ao Congresso em
1923, é nos anos 1970, os anos do disco, que a
aprovação da emenda parece para lá de pacífica, e assim mais que certa, ao
reunir num larguíssimo consenso os dois principais partidos -- o republicano e
o democrata -- e o apoio de presidentes como Carter, Ford e Nixon. Aprovada
foi. Restava apenas a ratificação por um mínimo de 38 estados, o que aconteceu
sem pestanejar com 35.
Só que em vez do tranquilíssimo
passeio que se antevia, é neste ponto que a maré vira, com a inesperada entrada
em cena de um movimento de reação conservador encabeçado por uma desconcertante
e contraditória mulher chamada Phyllis Schlafly. É nesse movimento, na sua
mecânica e no modo como se envolveu na batalha para travar a ERA, que são
reconhecíveis as tendências que transformaram depois a paisagem política nos
EUA e desembocariam na eleição de Trump.
E a
ERA, já foi? Entre avanços, revogações e recuos, lá conheceu novo impulso a
partir de 2010, com uma nova vaga de feminismos e movimentos como o Me Too, até o
estado da Virgínia se prestar a ficar na história com H como o 38º cuja
ratificação viria a garantir, este ano, o final que sempre se esperara da
história com h. Só que não. Há agora todo um novelo jurídico em
torno de prazos de ratificação que não se sabe ao certo se expiraram ou não, o
que garantirá talvez muitas outras historiazinhas com h ainda mais pequenos,
quem sabe até à comemoração do 500º aniversário de L. Van Beethoven, embora sem
sinfonias para dançar.
Manuela Ivone Cunha
Sem dúvida um enorme compositor que deixou obra feita
ResponderEliminar.
Tenha um dia feliz
Cumprimentos poéticos