O que este livro de Vasco Gil Calado
tem de bom, muito bom, acima de tudo, é a sua rara honestidade /uma reportagem sobre a obra, aqui). O livro é fruto
de uma investigação séria, profunda e informada sobre o uso de drogas na guerra
colonial portuguesa. Haveria mais a explorar: relatórios médicos, documentos oficiais
(o livro baseia-se sobretudo em entrevistas, ainda que o autor tenha também
frequentado os arquivos), o uso de estupefacientes pelos africanos dos movimentos
de libertação, sempre relatado nas denúncias dos ataques dos «turras», o enquadramento das drogas no quotidiano dos soldados, contemplando
outras dimensões, como a sexualidade (hetero e homo), etc. O mais importante de tudo, como se disse,
é a honestidade do autor. Ao invés de forçar a nota e tentar demonstrar à outrance que as drogas estavam
disseminadas entre as tropas portuguesas, Vasco Gil Calado conclui que elas
tiveram «relevância» mas não excessiva, nem uma dimensão comparável, por exemplo, ao consumo de álcool.
Quando um investigador se dedica a um tema controverso e complexo, de acesso dificílimo,
e evita resvalar no sensacionalismo Apocalypse Now e na tentativa de demonstração a martelo de
uma «tese» bombástica, quando um investigador tem o dom da contenção e do
rigor, a sobriedade que a verdade impõe – devemos ficar muito agradavelmente
espantados. Um feito muito raro, nos dias que correm. Ah, outra coisa: o livro
é muito, muito bom – e muito bom de ler. Assim, dá gosto.
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