A Celebração da Vida pela
Elevação da Morte
Por Pedro Strecht, Médico Pedopsiquiatra
Pela primeira vez, desde sempre na história conhecida das
nações, muitos de nós não vamos poder estar junto dos que nos são mais queridos
e já partiram. Por razões preventivas de saúde física, sacrificando novamente
as de ordem psíquica e social (contidas na definição da OMS), a circulação
entre concelhos será proibida nas datas em que anualmente muitos se organizam
nos necessários rituais do luto necessário em volta da perda e da morte, para
que justamente a vida possa continuar a ter o seu sentido mais profundo: que há
para além de mim? Que existe depois desta existência?
Por isso, relembro nesta ocasião pequenos pontos-chave que
parecem cada vez mais omissos numa sociedade que há muito se afastou da noção
da doença, lida mal com a presença da morte e faz da vida uma corrida de
contínua corrida e falsa infalibilidade. Todos somos mortais. Todos precisamos
de, ao longo da vida, ir organizando suficientemente bem esse conceito, na
relação connosco próprios e com a noção de presença ou ausência física e
emocional dos outros.
1. A negação da morte é um
imenso ataque à noção de vida.
2. O que torna o homem
consciente de si mesmo e do outro é a percepção da finitude: a omnipresente
angústia de morte, incluindo as suas variações minor de separação e perda
3. As pessoas e as sociedades
organizam-se em volta de rituais. A sua abolição produzirá os dois efeitos
extremos: a paralisia psíquica (o desinteresse, a apatia, o vazio depressivo)
ou, no oposto, os movimentos de zanga e raiva indiscriminada.
4. A presença emocional do
outro (incluindo perante a sua ausência física como na morte) celebra-se na
continuidade do tempo, na evocação das memórias mais marcantes (incluindo as
sensitivas), das recordações significativas, em suma, de tudo quanto representa
formas de inscrições psíquicas.
5. A vida também se vive pela
morte e seus equivalentes emocionais, mesmo em tempos em que estes conceitos
parecem subitamente negados: a importância do vazio, a necessidade do silêncio,
a procura de uma luz que quer acender (uma vela)
6. A morte também precisa de
vida, de festa e celebração em seu redor, para que não seja sentida de uma
maneira tão dura e difícil: os ramos de flores, a cor e a harmonia que exibem
7. Neste ano difícil, depois
de Todos os Santos e Fiéis Defuntos, virá com certeza uma provável supressão do
Natal? Esse, alguns o disseram há muito, também já é quando o homem quiser,
tornando-se a celebração do consumo e do narcisismo.
Lisboa, 25 de Outubro de
2020
Pedro Strecht, mail:
plstrecht@gmail.com
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