Introdução: O
volume Pensamento e Escritos (Pós-)Coloniais, com coordenação de Maria
João Castro, Edições ArTravel, 2017, resulta da Conferência Pensamento e
Escritos (Pós) Coloniais que teve lugar no dia 20 de abril de 2016 na Faculdade
de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa, e contém os
textos de Adriano Moreira, Eduardo Lourenço, Helder Macedo e José-Augusto
França, bem como a súmula do debate subsequente. Nomes incontornáveis nas áreas
da política, ensaio, literatura e história da arte, os quatro autores pensaram
e escreveram sobre o colonialismo português, triangulando a reflexão arte/política/império
num testemunho singular de olhares que se cruzam e articulam entre si. O livro
está disponível em formato digital no site https://research.unl.pt/ws/portalfiles/portal/5650759/Pensamento_e_Escritos_Pos_Coloniais.pdf.
Sem desprimor da elevada qualidade das comunicações dos
outros três intelectuais, já que aqui o nosso propósito é fazer o levantamento
da obra deste ilustre tomarense, damos exclusivamente assento à intervenção que
ele fez, intitulada a propósito de colónias, e o mínimo que se pode dizer é que
é um texto rico de memórias, belissimamente organizado e onde não faltam as
questões angustiantes com angustiantes respostas sobre a natureza do nosso
colonialismo e as tragédias que veio a suscitar decorrentes da descolonização.
Ele começa assim: “Em princípios de 1945 tomei o paquete África
e, depois de ter adquirido um capacete em S. Tomé, desembarquei em Luanda.
Melhor dizendo, ao largo da cidade que ainda não tinha cais, e acostei a bordo
de um gasolina, rente às obras do porto, onde negros enfaixados de
sarapilheira e luzentes de suor acarretavam pedras enormes. Assim foi para um
jovem saído de Histórico-Filosóficas”. Conta onde se aboletou e as viagens que
fez às fazendas de café do Golungo e o trabalho forçado que pôde ver, e da qual
resultou o seu romance Natureza Morta, de que a censura não gostou. Da
trama deste romance já aqui se falou, é indubitavelmente uma das obras de
ficção de José-Augusto França que importa reter. E fala da sua experiência de
historiador onde a vivência colonial é abordada. Escreveu uma história de
Lisboa física e moral, aludiu a uma Praça dos Escravos, ribeirinha, nas
urbanizações manuelinas. “Esses escravos, trazidos de África, enxameavam
Lisboa, conforme testemunhos de viajantes, e sabe-se que podiam dar assassinos
a soldo, pela Lisboa barroca dentro. Lamento não saber, por falta de estudos
apropriados, a percentagem de mão-de-obra negra na reconstrução de Lisboa,
quando foi caso disso, após o Terramoto; mas será importante sabê-lo (…) A
pintura não foi aberta a modelos negros e a literatura também não e, em 1868, o
Mário, de Silva Gaio, levando o seu herói a África, em simpática
deportação política, põe pela primeira vez em cena (notei-o, escrevendo sobre o
Romantismo cem anos depois) um negro ‘ser estúpido, selvagem, colocado no
último degrau da escala humana’, que se dedica ao herói branco, ‘a luz do
espírito que descia sobre o negro’ (…)”. E progride a narrativa falando de
livros, da Associação Promotora da Civilização em África, em Sá da Bandeira, no
aparecimento do Banco Nacional Ultramarino, na Sociedade de Geografia de
Lisboa, a Casa Africana, que tinha a escultura de um preto à porta (…) Em 1998,
dei-me a examinar o ano então secularmente comemorado, foi o Centenário da
Índia de Vasco da Gama. ‘A África só serviu para nos dar desgostos’ e só era
‘boa para vender’, lia-se na Ilustre Casa de Ramirez, e opinião do
‘vendamo-las’, de Ramalho Ortigão”.
José-Augusto França passa em revista as suas
reminiscências imperiais desde 1940, quando andou pela Exposição do Mundo
Português, onde houve uma notável realização artística, lembra Alves dos Reis e
o Banco Angola e Metrópole, a I Conferência Imperial de 1933, a Carta Orgânica
do Império Colonial, a Exposição Colonial do Porto, a Agência Geral das
Colónias e a Escola Superior Colonial. Outras recordações lhe ocorrem: um
cruzeiro de férias para universitários em 1936, a criação da Junta de
Investigações Ultramarinas, a Exposição Histórica da Ocupação no século XIX, o
Congresso Histórico da Expansão dos Portugueses no Mundo, Carmona a visitar
colónias, Marcello Caetano ministro das mesmas. E depois a criação da ONU, a
passagem de colónias a províncias ultramarinas. E seguem-se as experiências do
pós-25 de Abril, quando dirigia o Centro Cultural da Fundação Gulbenkian em
Paris, ali se realizou um colóquio sobre as literaturas africanas de língua
portuguesa e a tentativa de fundar em Luanda uma secção da AICA (Associação
Internacional dos Críticos de Arte). Lembrou o cinema de feição colonial, caso
de O Feitiço do Império, de Lopes Ribeiro, de 1939, uma Nova Lusitânia,
o falhado Chaimite, de Brum do Canto, e lembrou a chegada de uma literatura
pós-colonial, caso do romance A Costa dos Murmúrios de Lídia Jorge, mas
fez questão de não esquecer as obras literárias de Henrique Galvão, Castro
Soromenho e Luandino Vieira. Isto para já não pôr para trás das costas o
racismo, e faz perguntas, em jeito de despedida: “Racismo, havê-lo-á em
Portugal? Teremos, nós, também, fantasmas no armário? Alguém poderá ter
opinião, estaremos nós presos, ainda, e sem anacrónicos arrependimentos que têm
feito moda, nas malhas que o império tece – já não havendo máquinas domésticas
para as apanhar?”. É esta a comunicação do José-Augusto França, mas relembra-se
ao leitor que os outros três intervenientes fizeram igualmente intervenções
dignas de nota.
Tanto quanto se sabe, foi esta a última incursão de
José-Augusto França sobre os temas do colonialismo e da descolonização.
Cozinha do Museu do Azulejo |
Aquela cozinha não é do Museu da Cidade, agora Museu de Lisboa – Palácio Pimenta?
ResponderEliminarestá lá escrito
Eliminar