I
Em 1982, a
Editorial Franciscana, Braga, dava à estampa aquele que é o mais importante
documento histórico sobre a missionação católica na Guiné, do século XV ao
século XX.
O padre
franciscano Henrique Pinto Rema conheceu perfeitamente a Guiné e começou a
publicar o produto da sua investigação no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa,
ainda na década de 1960, continuou as suas investigações nos anos seguintes e a
obra publicada em Braga é seguramente o documento mais abalizado para o
conhecimento da missionação católica, insista-se.
O livro abre com
a evangelização da Guiné entre 1434 e 1533. Explica pormenorizadamente o
projeto henriquino e como este deu um passo decisivo com a ultrapassagem do
Cabo Bojador em 1434. O Infante D. Henrique fez acautelar o seu projeto através
da chancela de Roma. Assim, pela Bula
Romanus Pontifex (8 de janeiro de 1454), Nicolau V confiou ao Infante a
conquista, ocupação e apropriação de todas as terras, portos, ilhas, mares,
desde os cabos Bojador e Não até à Guiné, com poder de legislar e impor
tributos e penas, invadir, conquistar e ocupar terras de mouros e pagãos,
edificar mosteiros e igrejas com privilégio de padroado. Um documento pontifício
seguinte, a Bula Inter Cetera, de
Calisto III, de 13 de março de 1456, insiste na entrega à Ordem de Cristo da
“espiritualidade nas ilhas, vilas, portos, terras e lugares desde os cabos de
Bojador e Não até por toda a Guiné”. Mais adiante, a Bula Dum fidei constantiam, de Leão X (7 de junho de 1514), reserva
ao rei de Portugal e dos Algarves todas as igrejas e benefícios eclesiásticos,
desde os cabos Bojador e Não até aos índios, ficando sujeitos à jurisdição
canónica do Vigário de Santa Maria de Tomar.
Analisando o
problema da escravatura, o investigador franciscano recorda que o batismo era a
primeira porta que se abria para obter o estatuto de negro forro. São muitas as
referências nas crónicas onde encontramos menções aos pretos forros. Está
perfeitamente documentado que os missionários, designadamente a partir do
século XVIII, estiveram na vanguarda da batalha contra a escravatura. Todo este
processo está perfeitamente documentado, e assim chegamos ao marquês de Sá da
Bandeira, que em dezembro de 1836 por decreto pôs termo ao tráfico de negros em
todas as possessões portuguesas. Em 3 de novembro de 1856 foi abolido
completamente o trabalho forçado dos escravos; em 1876, a abolição da
escravatura era um facto assente.
Entremos agora
propriamente na missionação da Guiné. Religiosamente, a Guiné estava
muçulmanizada ao Norte, pelo contato com os mercadores do rei de Túnis, e
estava mais islamizada à medida que se avançava para o Sul. Esta islamização e
o contexto idólatra aparecem ricamente documentados nos depoimentos, entre
outros, de Valentim Fernandes, Jerónimo Münzer e Luís de Cadamosto.
Havia falta de
religiosos por causa da extensão do território bem como pela extrema pobreza
dos habitantes, é assim que observa Pio II em outubro de 1462. Em dezembro desse
ano, o franciscano Frei Afonso de Bolando foi nomeado prefeito da missão da
Guiné, com direito de “escolher quaisquer religiosos e pessoas para tal
necessárias”. Mas só chegou à costa ocidental africana muito depois, na década
de 1470. O autor comenta que a escolha não terá sido a mais correta numa altura
em que havia já um profundo diferendo entre as coroas portuguesa e castelhana
quanto à natureza da missionação. Nesta época, já os portugueses tinham
atingido o fundo da Serra Leoa e encontrado as ilhas do arquipélago de Cabo
Verde. Os territórios desde os cabos Bojador e Não até ao Sul da Serra Leoa
formavam a “província da Guiné”.
O autor resume a
missão à Guiné com a chegada dos franciscanos e que se revelou ineficaz por
diferentes razões: clima mortífero, o isolamento em que viviam os missionários,
as dificuldades sentidas como inultrapassáveis criadas pelos prosélitos do
islamismo, a dificuldade de penetrar em terras selvagens e inóspitas. Por
motivos idênticos, se tornaram ineficazes as expedições dos missionários
dominicanos a Benim e ao Senegal em 1487 e 1488, respetivamente.
Uma carta de D.
João III a Clemente VII, de 20 de maio de 1532, pedia a elevação da diocese do
Funchal a sede metropolitana. Ficar-lhe-iam sufragâneas as dioceses dos Açores,
Cabo Verde e Guiné, S. Tomé (Costa da Mina e Congo) e Goa. Esta petição real
foi deferida. A criação do bispado em Santiago iniciou uma nova era na
missionação do arquipélago de Cabo Verde e Guiné.
O primeiro
testemunho da criação de uma igreja em território onde de facto havia presença
portuguesa foi a igreja de ilha de Goreia, em território do que é hoje o
Senegal. Cerca de 1456, Diogo Gomes consegue chegar à fala com o poderoso rei
Nominans, chefe do país de Barbara, ao Norte da embocadura do rio Gâmbia. Este
escreveu ao Infante D. Henrique para pedir um sacerdote e que se batizasse toda
a gente. Desconhece-se o êxito evangelizador junto deste rei.
O rei Bemoim, da
região de Jaloph, entre os rios Senegal e Gâmbia, manifestou interesse em ser
batizado, veio até Lisboa onde foi batizado com pompa e circunstância, tendo
como padrinhos a família real, regressou ao seu reino numa armada comandada por
Pero Vaz da Cunha, pretendia-se construir uma fortaleza na foz do rio Senegal.
Por razões não explicadas, tudo acabou por terminar tragicamente, Pero Vaz da
Cunha matou D. João Bemoim à punhalada, a explicação que deu a D. João II foi
de que havia suspeita de traição, o rei reprovou-o e a fortaleza não se
construiu.
Desde a primeira
hora que se conhece a expressão “grumetes” da Guiné, eram os naturais que a
partir do momento em que eram batizados se consideravam brancos. Este conceito
terá um grande peso na figura do grumete e na história da precária missionação
que aconteceu na Senegâmbia e depois na Guiné Portuguesa.
Resumidamente,
foram magros os frutos de evangelização colhidos na Guiné durante o primeiro
século, depois de 1434, quando Gil Eanes dobrou o Cabo Bojador, até 1533, ano
da criação da diocese de Cabo Verde e Guiné. Por razões facilmente explicáveis,
a evangelização em Cabo Verde foi um sucesso total, ou quase. E dentro dos
limites do atual território da Guiné-Bissau nada de especial se construiu.
Henrique Pinto
Rema vai analisar seguidamente as primeiras missões da costa da Guiné, entre
1533 e 1640.
Peregrinação Mariana em Geba, 2013
II
O território
acima do rio Senegal pertencia à arquidiocese do Funchal, fixado por bula
papal, em agosto de 1536, pelo que não se fará nenhuma menção a este espaço. A
presença do homem branco na Costa da Guiné, recorde-se, foi sempre diminuta. A
Costa da Guiné era escolhida como lugar de castigo para grandes delinquentes. A
partir de certa altura, o Cabido da diocese de Cabo Verde enviava durante a
quaresma um sacerdote às feitorias dos europeus radicados na costa. Este
sacerdote era conhecido pela designação de “Visitador”.
Pouco menos do
que inútil foi a ação missionária destes Visitadores. No entanto, temos que ter
em conta as missões que ocorreram, de um modo geral, com insucesso.
Consideram-se os
Jesuítas os primeiros missionários da Guiné, não pelo trabalho realizado, mas
pela orgânica impressa à sua ação. Na verdade, de acordo com a documentação
existente, esforçaram-se por planear a fixação de missões, estudando a sua
logística e o seu acompanhamento. Tiveram discrepâncias com o bispo de Cabo Verde
até que abandonaram definitivamente a missão da Guiné, em 1617; desta forma, do
interregno político dos Filipes sobrepôs-se o interregno religioso. Em 1657,
virão os franciscanos portugueses que ainda encontraram na região restos de
frades capuchos espanhóis.
Para não cansar
o leitor, vejamos em primeiro lugar uma panorâmica das missões religiosas na
segunda metade do século XVI. Sabe-se pelo Tratado
Breve dos Rios de Guiné do Cabo Verde, do capitão André Álvares de Almada,
que era flagrante o desamparo espiritual dos portugueses europeus. Escreve ele,
textualmente: “E à míngua de não haver quem pregue a palavra de Deus se não se
salvem muitos gentios destes, e estão muitos dos nossos lançados vivendo em
pecado mortal sem se apartarem dele, morrendo nele por falta de médicos da
alma”.
A instituição do
Visitador, faça-se notar, continuará até ao século XIX. Os Visitadores
acumulavam muitas vezes as suas funções com as de vigários das praças,
sobretudo da de Cacheu. Na segunda metade do século XVI, o mais notável empório
comercial português na terra firme da Guiné situava-se no Rio Grande de Buba. A
maior povoação era no Porto da Cruz, em Guinala. Por aqui andaram em 1584 uns
frades carmelitas descalços, mas foi uma falhada tentativa de fixar uma missão
carmelita na Guiné. Frei Cipriano, carmelita, escreveu de Cacheu ao bispo de
Cabo Verde acerca da visita de um rei de Caió, D. Bernardo, juntamente com 300
súbitos, a pedir o batismo e uma igreja no seu reino. André Álvares de Almada,
refere no seu Tratado a pessoa de João Pinto, padre preto, natural da Guiné,
evangelizando em região hoje pertencente ao Senegal. Almada fala dos negros
Jalofos “que começam no rio Senegal”: “Esta nação dos Jalofos é mais
dificultosa em receber a fé de Jesus Cristo Nosso Senhor que todas as outras
nações dos negros da Guiné, porque quase todos seguem a seita de Mafoma. E ano
de 1589 foi um clérigo preto por nome João Pinto àquele reino para os fazer
cristãos e não fez fruto algum neles, e por isso se foi para outras nações”.
Numa relação
acerca da vida comercial, social e religiosa do arquipélago de Cabo Verde e da
Costa da Guiné, de janeiro de 1582 e assinado pelo sargento-mor Francisco de
Andrade, ficamos a saber que havia dez resgates incluindo Cabo Verde, rio da
Gâmbia, rio de S. Domingos, rio Grande, ilhas dos Bijagós, rio Nuno e Serra
Leoa. Mas os franceses já possuíam uma influência preponderante em vários
resgates.
Vejamos agora as
missões dos Jesuítas nos anos 1600 a 1609. Há uma narrativa do padre Barreira
que é um documento de grande importância, intitulada Considerações sobre a terra firme da Guiné e Serra Leoa e alguns ritos
e costumes da gente dela. Para ele, a Guiné começava no rio Senegal e
acabava na Serra Leoa. Nessas viagens o padre Barreira era acompanhado por
outra figura de relevo a quem devemos um relato importante, o padre Manuel
Álvares. Referiu-se atrás as grandes questiúnculas entre o bispo de Cabo Verde
e o Provincial dos Jesuítas, estes consideraram não haver condições mínimas
para o seu trabalho evangélico.
Em finais de
1652, o padre António Vieira passa pelo arquipélago de Cabo Verde a caminho do
Brasil. Nas suas cartas procura mover influências, pois sente grande dor pelas
“infinitas almas remidas com o sangue de Cristo que não há quem as alumie com a
luz da fé”. E regista numa carta a André Fernandes, bispo eleito do Japão: “Há
aqui clérigos e cónegos tão negros como azeviche, mas tão compostos, tão
autorizados, tão doutos, tão grandes músicos, tão discretos e morigerados, que
podem fazer inveja aos que lá vemos nas nossas catedrais”.
Com a saída dos
Jesuítas de uma vez para sempre da Guiné, irão tomar-lhes o lugar os
Franciscanos. Vejamos agora a primeira missão Franciscana na Guiné, entre os
séculos XVII e XVIII.
Anote-se, porém,
que no final do domínio Filipino, se dá pela presença de frades Capuchinhos que
foram encarados como ingerência francesa na região, viram-se muito hostilizados
e retiraram-se em meados de 1638, alegando o clima mortífero.
Com a
Restauração, chegou a missão dos Capuchinhos espanhóis que vingará durante
cerca de 40 anos, terminando, porém, de forma um pouco inglória. É um período
de enormes tensões, com muitas queixas contra os religiosos estrangeiros, logo
a seguir à Restauração falava-se em espionagem dos missionários espanhóis a
viver aqui. Veio a comprovar-se serem boatos totalmente infundados.
A história da
nova leva missionária franciscana portuguesa é contada com todo o pormenor (e
que fascinante pormenor!) pelo frei André de Faro em Peregrinação de André de Faro à Terra dos Gentios, saboreia-se o
prazer de um romance de aventuras. É uma época turbulenta, são anos cheios de
tensão aqueles em que André de Faro parte de Lisboa e se oferece aos perigos da
Guiné. Recorde-se que D. João de Áustria invade o Alentejo, parecia que os
Bragança estavam perdidos, o Conde de Castelo Melhor, graças a um golpe de
Estado, passou a governar o país, resolveram-se os combates de Ameixial e
Castelo Rodrigo, no Oriente os holandeses apoderaram-se de Ceilão, Cananor,
Cochim, entre outras possessões.
E então veja-se
com mais detalhe o contexto histórico. Chegados à Restauração, o fundador da
Casa de Bragança procurou estimular a presença de religiosos portugueses onde
outrora se implantara uma crescente missionação espanhola. Em 1656, ano da
morte de D. João IV, deliberou-se enviar para a Missão de Cabo Verde e Guiné
oito Franciscanos Capuchos que se tinham oferecido. Os Capuchos chegam a
Santiago em 1657, tendo dois deles partido para a Guiné em 1660. Escreve Frei
André de Faro que eles foram os primeiros que edificaram hospícios do orago da
Piedade na povoação de Cacheu, um dos Capuchos foi para o reino dos Banhuns e
outro para o reino dos Cassangas: “Andando sempre pregando por todas as
povoações e rios da Guiné, passando a Serra Leoa e dela voltando até toda a
costa da Guiné, gastando muitos anos neste Ministério, vendo-se tantas vezes
tão perto da morte”. Ambos deixaram memórias escritas, documentos de enorme
valia para o estudo desta missionação.
Em março de
1663, teve lugar a segunda leva missionária que seria contada ao pormenor por
Frei André de Faro, um dos seus protagonistas. É consenso dos historiadores que
se trata de um extraordinário relato de aventuras, ardoroso, com o sabor de uma
peregrinação africana sem paralelo. Os Capuchos chegam a Cacheu em março desse
ano. Frei André parte para o Rio de Nuno, no mês seguinte, “porque quem
delibera a servir a Deus salta dificuldades, atropela dúvidas e vence
impossíveis. E como a covardia nunca foi vista nem ouvida, tomei alento”. Em
junho, depois de uma passagem por Bissau, encaminha-se para a Serra Leoa.
Escreve em Tombá: “Quantos sacerdotes andam ociosos no reino de Portugal, aonde
neste largo campo poderiam fazer grandes serviços a Deus e acudir a tantas
almas necessitadas de remédio. Alguns sacerdotes arriscam muito a sua salvação,
entregando-se no vício da preguiça”. Entusiasmado, procede a conversões, a
despeito da hostilidade dos ingleses, bastante presentes na região. Os nativos,
regra geral, recusam abandonar os seus chinas
(ídolos) e não aceitam a conversão. Em maio de 1664, entra no Rio Grande de
Buba. No Rio Grande, em Guinala, havia já igreja, de palha e paredes de barro.
Regressa a Bissau e parte para Cacheu, onde havia um Capucho no Hospício da
Piedade. Pensa ir converter no reino dos “Balantes”, mas adoece, regressa a
Portugal, e falece em Beja em 1678.
A missão
franciscana começa a emperrar por volta de 1670. Em Cacheu foi onde houve
praticamente a primeira cristandade. Havia aqui muita gente devota de Nossa
Senhora do Vencimento. Farim, a segunda povoação portuguesa na Guiné naquele
tempo, formara-se com os moradores de Geba. Os cristãos de Geba, mudados para
Farim, eram às vezes em maior número que os da povoação de Cacheu. Em Farim foi
construída uma igreja em honra de Nossa Senhora da Conceição, reduzida a cinzas
num pavoroso incêndio, em 1701.
Bissau possuía
comerciantes brancos, no princípio do século XVII, e sobre o lugar escreve
Francisco Lemos Coelho, nascido em Bolola: “O porto de Bissau é o melhor para
viverem os brancos de todos quanto há naquelas partes; a terra mui sadia e mui
lavada dos ventos, mui abastadiça de mantimentos e carne”.
É neste ambiente
que surge uma outra figura ímpar da missionação, o bispo D. Frei Vitoriano
Portuense. Se a fundação do Hospício de Bissau data de 1683/1684, o bispo
ajudou à edificação da primeira igreja de Bissau, em 1690. Henrique Pinto Rema
vai registando os marcos de Cristandade no Rio Grande de Buba (que chegou a ter
mais importância e maior feitoria do que Cacheu), e a Cristandade do Rio Nuno e
a da Serra Leoa. Mais à frente, passa em revista as visitas pastorais de D.
Frei Vitoriano Portuense, que já era uma distintíssima personalidade na
evangelização de Cabo Verde. D. Frei Vitoriano deslocou-se por duas vezes à
costa da Guiné.
Acerca da
primeira visita existem dois preciosos relatos. Assina o primeiro o próprio
protagonista, depois de regressar a Santiago, em julho de 1694; o segundo é da
responsabilidade de um familiar de D. Frei Vitoriano, António Rodrigues da
Costa. Em 1974, Avelino Teixeira da Mota publicou as viagens deste bispo à
Guiné e a cristianização dos reis de Bissau. É outro documento ímpar, um
impressionante acervo informativo. É graças à documentação destas viagens que
sabemos da conversão do rei Becampolo Có, assunto que levou à troca de
correspondência entre este rei guineense e o rei português. O bispo visitou
Geba, Cacheu, Farim e Bolor. A primeira viagem foi um êxito, a segunda um longo
rol de dissabores. Sobre este prelado escreve Senna Barcelos, uma das maiores
autoridades no estudo das missões portuguesas: “Se ainda hoje contamos a Guiné
nos nossos domínios de além-mar, essa glória cabe tão-somente ao bispo D. Frei
Vitoriano, o qual consumiu os melhores dias da sua vida naquele mortífero
clima, convertendo ao cristianismo milhares de gentios, não só com o fim de
lhes purificar a alma, mas também como meio de dilatar as nossas conquistas.
Esse bispo seguiu ainda as nobres tradições dos frades missionários que por lá
foram desde 1604, muitos dos quais por ali faleceram, não pelas setas
envenenadas dos gentios, mas por culpa do governo, que não lhes dava o
necessário”.
Estamos numa
nova fase de refluxo e vai entrar em cena o clero regular, a segunda vaga
missionária franciscana ainda está longe.
III
No reinado de D.
João V, e depois da figura determinante de D. Frei Vitoriano Portuense, foi
nomeado bispo de Cabo Verde D. Frei José de Santa Maria de Jesus, sagrado bispo
de Cabo Verde em 1721. Veio acompanhado de dois clérigos, o Dr. Manuel Leitão e
António Henriques Leitão, ambos estiveram na Guiné como “visitadores”. O bispo
foi à Guiné em 1732, em Farim sobreveio-lhe grave enfermidade nos olhos, que o
deixou cego.
O autor descreve
o martirológio dos Franciscanos na Guiné, do século XVII para o século XVIII
bem como enumera as baixas devidas ao clima pestífero. Em comentário à ação dos
missionários franciscanos desta época, o historiador José Christiano de Senna
Barcelos, em Subsídios para a História de
Cabo Verde e Guiné, Volume I, escreve: “Estabelecidas as sedes das missões
em Cacheu e em Bissau, delas (os prelados de Cabo Verde) destacavam arrojados
padres missionários para o Norte e para o Sul, penetrando pelo sertão até às
tribos mais indomáveis; com a cruz ao peito, esse símbolo da paz, avançavam
tranquilos”. E escreve, mais adiante: “Foi com a cruz que conquistámos toda a
Guiné, e foi à sombra dela que edificámos igrejas em Ziguinchor, Farim, Geba,
Rio Nuno, Pongo, Gâmbia e Serra Leoa; que se construíram fortalezas e que se
permitiu a navegação fluvial. Com a cruz edificámos e avançámos a passos
gigantes para o sertão; com a espada temos demolido e retirado, com os mesmos
passos, para a beira-mar. É a diferença”.
Quanto à
decadência da missão franciscana, escreveu Francisco Roque Sotomaior, em 1753,
um documento endereçado ao governo de Lisboa:
“Ultimamente,
não posso deixar em silêncio ser também causa de muitas perturbações nesta ilha
a licenciosa vida de alguns padres missionários, que, fiados no hábito de S.
Francisco, fazem dele escudo para continuar o exercício de mercadores
tratantes, sem cuidar na sua obrigação, além de buscar motivos para amotinar o
gentio”.
António Vaz de
Araújo assinala em 2 de novembro de 1778 na “Relação das Praças que Sua
Majestade tem na Costa da Guiné” as de Cacheu, Farim, Ziguinchor, Bissau e
Geba, mas não há qualquer referência à Serra Leoa e à Gâmbia. É como se a
Senegâmbia Portuguesa avançasse para as fronteiras que foram negociadas com os
franceses. A fiarmo-nos nos dados, em 1819, povoavam os estabelecimentos
portugueses da costa da Guiné um total de 4419 pessoas, e entre elas havia três
eclesiásticos em Cacheu e um em Ziguinchor.
Dir-se-á que
houve uma tentativa de ressurgimentos das missões na Guiné no final da década
de 1820, mas sem sequência. As Ordens Religiosas em Portugal estavam
moribundas. Aguardavam o golpe de misericórdia que lhes deu o liberalismo em
1834.
Apreciando a
decadência das missões no final do século XVIII, o Franciscano Padre António
Joaquim Dinis escreve: “As ordens religiosas em Portugal que, durante séculos
deram provas de grande fervor, de trabalho heroico na construção do nosso
Império, de dedicação a Deus e à Pátria, cansaram-se, entraram em decadência
franca nos finais do século XVIII. Primeiro, reduzidos, depois totalmente
suspendidos, foi golpe mortal, vibrado na assistência religiosa e na
missionação das nossas possessões ultramarinas. Direi mais: fizeram falta à
manutenção da vida social e política do Ultramar”.
Estamos agora no
liberalismo e escreve Henrique Pinto Rema:
“Enquanto na
metrópole os conventos regurgitavam de pessoal, as desmanteladas casas que os
Franciscanos mantinham, por exemplo, na diocese de Cabo Verde, eram ocupadas
por uns tantos, poucos, indesejáveis e aventureiros, propensos à bebedeira e à
violência, mais dedicados ao comércio do que ao doutrinamento do povo. Mutatis
mutandis, idêntico fenómeno se passava com os civis europeus chegados a essas
bandas: ou eram negreiros, com o seu vil e lucrativo comércio, ou eram
cadastrados, como aqueles que em 1805 o comandante da capitania de Bissau,
Manuel Pinto de Gouveia, trouxe do Limoeiro e das cadeias de Cabo Verde com o
fim de guarnecer a praça. O pernicioso clima e o pagamento atrasado dos soldos,
que sempre foram mais baixos que em outras províncias, não convidam homens
honestos e trabalhadores”.
Por esta altura,
a ação missionária na Guiné estava reduzida a três freguesias: Bissau, Cacheu e
o presídio de Farim e confiada a três sacerdotes de cor. Na terra firme da
Costa da Guiné possuíamos as praças de Bissau e Cacheu, sedes de concelho,
compreendendo o primeiro o presídio de Geba, o Ponto de Fá e a Ilha de Bolama;
a praça/presídio de Cacheu estendia a sua influência pelos presídios de Farim,
Ziguinchor e Bolor. Pertenciam ainda à Coroa Portuguesa, comprados por Honório
Pereira Barreto, o Ilhéu do Rei, chamado Nova Peniche, mesmo em frente de
Bissau, e o porto de Gonzo, no interior do rio Casamansa. Estas praças,
presídios, pontas e ilhas teriam de três a quatro mil habitantes entre brancos,
pretos livres e escravos, segundo Cristiano Senna Barcelos.
Com a Convenção
Luso-francesa de maio de 1886 perdemos Ziguinchor mas a província da Guiné terá
crescido de 11 mil para 36 mil quilómetros quadrados. Estava lançado o desafio
da ocupação do território, como prescrevia a Conferência de Berlim. Em 1891, só
tínhamos seis pontos definitivamente ocupados: a Ilha de Bolama, as praças de
Bissau, Cacheu e Buba e os presídios de Farim e de Geba. Tudo vai mudar
radicalmente no final do século, mas será necessário esperar pelo capitão
Teixeira Pinto para que se registe formalmente a aceitação da soberania
portuguesa. É neste contexto que a missionação vai conhecer avanços e recuos e
que o seu estatuto ficará mais clarificado com o Estado Novo.
Paróquia de Santa Cruz, em Buba
IV
Antes de centrar
a nossa atenção no período compreendido entre o liberalismo e a I República,
recorde-se que os primeiros sacerdotes que pisaram a terra firme da costa da
Guiné pertenciam ao clero secular. Vieram depois padres Franciscanos,
seguiram-se Dominicanos e freires da Ordem de Cristo. A Guiné dependia da
diocese de Cabo Verde, os bispos enviavam Visitadores aos cristãos de S.
Domingos e no Rio Grande. André Álvares de Almada sintetizou numa frase lapidar
o trabalho missionário dos Visitadores: “Nenhum fruto resultou de tal
visitação”.
Vieram depois missionários
Carmelitas e teve alguma projeção uma missão dos Jesuítas na Guiné e na Serra
Leoa, entre 1605 e 1617. E como foi referido anteriormente, impôs-se pela
duração e devoção a missão dos Franciscanos que abarcou quase dois séculos,
entre 1635 e 1834.
Henrique Pinto
Rema destaca as denúncias do mau comportamento de muitos clérigos, nomeadamente
na fase que precede a extinção dos conventos: por mancebia, bebedeiras, tráfico
de escravos. Os sacerdotes missionários, sobretudo na última vintena do século XVIII
e primeira vintena do século XIX, foram rareando sucessivamente, até à sua
completa extinção.
As novas
correntes filosóficas do positivismo, do iluminismo e do racionalismo
contribuíram para dissolver o primitivo fervor missionário das ordens religiosas.
Na fase final do século XVIII havia sacerdotes em Ziguinchor, Bissau, Geba e
Farim. Estavam ali párocos que pertenciam ao clero secular. Contudo, estes não
seriam da melhor qualidade. O autor observa que o bispo de Cabo Verde reservava
para as igrejas da Guiné o que possuía de menos qualificado, não se trata de
uma intuição sua, consta, preto no branco no que escreveram Cristiano Sena
Barcelos e Honório Pereira Barreto, entre outros.
Se o liberalismo
detestava os frades, não deixava porém de atender à força do sentimento
religioso, ao serviço da civilização, o mesmo é dizer ao serviço da política. É
neste sentido que apoia e promove a evangelização. Houve alterações dignas de
nota com a separação da Guiné do Cabo Verde, em 1879, ir-se-á assistir a uma centralização
administrativa em Bolama numa época em que estão repertoriados vários centros
cristãos: Bolama, Buba, Bissau, Geba, Cacheu, Farim, Ziguinchor e Bolor. É um
período em que trabalham na Guiné simultaneamente padres de cor oriundos de
Cabo Verde e da Guiné, padres metropolitanos educados no Seminário das Missões
de Cernache do Bonjardim e padres da arquidiocese de Goa.
As leis
republicanas, adotadas logo em 1910, desferem um rude golpe nas instituições
missionárias. Atenda-se que já com o liberalismo as ordens religiosas tinham
sido diretamente afetadas. Sem os frades Capuchos metropolitanos, a diocese de
Cabo Verde teve de contentar-se com o seu clero nativo, pouco e mal preparado
para obviar de alguma maneira às necessidades espirituais.
Na Guiné, à
desordem política, juntavam-se os maus representantes da igreja, e assim a ação
missionária ficou reduzida a três freguesias: Bissau, Cacheu e o presídio de
Farim. A praça de S. José de Bissau, com a sua velha freguesia de Nossa Senhora
da Candelária, não deixou nunca de possuir lugar de culto desde a segunda
metade do século XVII. A capela ruiu em 1840, construiu-se uma igrejinha dentro
da fortaleza da Amura, aqui se executaram os serviços religiosos até dezembro
de 1950, quando foi inaugurada a catedral de Bissau. Possuem-se inúmeros
relatos de derrocadas de templos religiosos, eram engolidos por incêndios,
degradados pela inclemência do clima, construídos com materiais de péssima
qualidade. Sobre a igreja de Cacheu escreveu Honório Pereira Barreto no seu
documento fundamental, A Memória da
Senegâmbia: “No fim da povoação, próxima da outra porta que fica fronteira
à fortaleza, existe uma coisa a que dão o nome de igreja. Imagine-se uma casa
muito ordinária, cujas paredes ameaçam ruína, coberta de palha, com dois
pequenos campanários, cujo provável destino era para sinos, porém que não os
tem. Pegada a esta igreja, existe uma casinhola do mesmo tipo, servindo de
sacristia, em frente da qual está o único sino, aguentado por uma estaca,
atravessada por dois galhos de árvore…”. Em 1848, é o próprio Honório Barreto
que se arma em mestre-de-obras.
Em 1849, a
igreja de Ziguinchor tinha caído, a igreja de Farim fora reduzida a cinzas por
um incêndio. Henrique Pinto Rema elenca os diferentes trabalhos que foram
desenvolvidos nas paróquias para dignificar os templos religiosos (Buba,
Ziguinchor, Geba, Farim, Cacheu, Bissau e Bolama).
Em torno de
Bolama, o autor destaca o desempenho extraordinário de uma figura proeminente
da cultura guineense, o Vigário-geral da Guiné, Cónego Marcelino Marques de
Barros. Mas toda a atividade missionária se revela em permanência um terreno
espinhoso em que tudo é precário e contingente. O Vigário-geral, Padre
Tertuliano Ramos, figura de destaque da vida missionária de Cabo Verde e Guiné
até ao período do Estado Novo, escreveu ao secretário-geral da província da
Guiné: “Ninguém deixa de reconhecer que os párocos na Guiné vivem em situação
económica aflitiva; desprestigiados, reduzidos em número, sem incentivo de
espécie alguma, a parcimónia com que lhes são remunerados os seus serviços
desola e não dá ânimo e perseguir na árdua e penosa tarefa da evangelização”.
No entanto, a
vida religiosa parecia dar sinais de crescimento, um dos exemplos foi a chegada
das Irmãs Franciscanas que passaram a trabalhar no hospital de Bolama.
Assim chegámos
aos primeiros 20 anos da República. Os republicanos prosseguiram a animosidade
dos liberais, assistiu-se à expulsão das ordens religiosas, ao encerramento do
Colégio das Missões e à perseguição ao clero. A já de si triste situação
religiosa da Guiné agravou-se. Mas o acalento e a devoção missionárias pareciam
não arrefecer. Continuou-se a pensar criar missões católicas junto dos
Balantas, Manjacos e Brames. O Estado Novo procurará dinamizar o trabalho
missionário.
V
No capítulo “A
Segunda Missão Franciscana da Guiné Portuguesa”, tendo como balizas 1932 a
1973, o investigador analisa a missão franciscana no Vicariato Geral da Guiné,
entre 1932 e 1940, refere o papel dos Franciscanos na missão decorrente do
Acordo Missionário (1941-1955). Referir-se-á adiante a atividade franciscana na
Prefeitura Apostólica, entre 1955 e 1973.
As “missões
laicas” criadas em 1913 pela República, não deram os resultados esperados e não
substituíram efetivamente as “missões religiosas”. Estas conseguiram sobreviver
à primeira tempestade republicana e obtiveram um reconhecimento legal em 1919.
O bispo de Cabo Verde levou às autoridades civis o problema da missionação da
Guiné. Mas só no tempo do ministro João Belo, em 1926, se regulamentará a
atividade missionária. A segunda missão franciscana chega à Guiné em fevereiro
de 1932. Serão mais tarde chamados, já em 1947, os missionários do Pontifício
Instituto das Missões Estrangeiras, de Milão. A Santa Sé elevará, em 1955, a
missão à categoria de Prefeitura Apostólica. E em maio desse ano chegarão os
primeiros Franciscanos italianos da província de Santo António de Veneza. E com
a independência, depois de 1974, será criada a diocese da Guiné-Bissau.
Temos, pois, em
análise, os Franciscanos no Vicariato Geral da Guiné, ao longo da década de
1930. O autor recorda que em 1929 havia somente um missionário na Guiné, a
situação religiosa na região piorava de dia para dia, o Vigário-geral foi morto
em Bolama pouco antes do 28 de maio de 1926. Tomam-se diligências ao nível mais
alto: o Núncio Apostólico insiste com o provincial dos Franciscanos para um
reforço missionário na Guiné. Eugénio Pacelli, futuro Papa Pio XII, escreve em
1930 ao superior da Ordem dos Frades Menores: “A Santa Sé considera
improrrogável a necessidade de missionários na Guiné”. Em 1930, o Padre João
Augusto de Sousa, do clero do Funchal, chegou à paróquia de S. José de Bolama.
Em 1931, o Cónego António Miranda de Magalhães, das Missões Ultramarinas,
encarrega-se da paróquia de Bolama e assumirá pouco depois o cargo de
Vigário-geral. A presença missionária é verificável em Bolama, Bissau, Cacheu e
Geba/Bafatá. Vale a pena destacar um trecho da Provisão de D. José Alves de
Martins, bispo de Cabo Verde e da Guiné Portuguesa, com data de outubro de
1926: “Mercê talvez do seu clima, do espírito belicoso das suas tribos, da
influência islamática há séculos exercida entre eles, a verdade é que não
conseguirá nunca radicar-se a influência cristã de um modo decisivo, nem antes
do século XIX, quando a ação missionária era quase exclusivamente exercida
pelas ordens religiosas, nem depois da grande crise religiosa que se deu em
Portugal na primeira metade do século XIX, quando tal ação ficou a cargo do clero
formado no Seminário Diocesano de Cabo Verde e dos missionários formados no
antigo Colégio das Missões Ultramarinas (…) Resolvemos nós, de acordo com o
excelentíssimo governador daquela colónia dotá-la com três missões centrais em
Bolama, Cacheu, Bafatá ou Gabú”. Segue-se o reconhecimento das dificuldades,
acabaram por só ser criadas duas missões centrais em Bolama e Cacheu, sem
prejuízo de haver paróquias missionárias em Bissau, Geba e Buba. E define-se o
essencial do programa da ação missionária: o ensino obrigatório da doutrina
cristã; o cumprimento das instruções pastorais; o ensino da língua portuguesa.
Temos assim
cinco missionários Franciscanos chegados a Bolama em 1932. Em agosto desse ano,
o Padre Pedro Araújo escreve ao Núncio Apostólico, envia-lhe ume estudo
religioso geral da colónia, e não ilude as realidades: “Se cristãos mesmo há
nesta colónia, eles são-no apenas pelo batismo” e identifica duas coisas que
seriamente embaraçam o missionário: a heterogeneidade das tribos, cada qual com
a sua língua; os seus costumes e caraterísticas étnicas, o que impossibilita ao
missionário de contactar todas as raças; e o imperativo do plano missionário
franciscano passar pela fundação de uma missão central em meio indígena, seria
aqui que se abriria uma escola de professores-catequistas. A missão central
ficaria sediada em Bula. Por essa época chegarão à Guiné algumas Irmãs
Franciscanas Hospitaleiras Portuguesas. O governador Carvalho Viegas irá
manifestar-se muito crítico quanto à escolha da missão central em Bula,
preferia o território dos Felupes.
O padre Pinto
Rema lembra qual o dispositivo missionário na Guiné nessa década de 1930: 2
padres do clero diocesano, 2 padres das Missões Ultramarinas, 9 padres
Franciscanos, dois irmãos Franciscanos e 14 Irmãs da Congregação dos
Franciscanos Hospitaleiros Portugueses.
O estado geral
dos edifícios religiosos deixa muito a desejar. A igreja de Geba estava em
ruínas, mas havia fé na população nativa, ofereceram pedras, madeira e demais
material para a construção de uma nova igreja, que ficou concluída em 1934. É
neste contexto de reedificações que é lançado o projeto de uma igreja na cidade
de Bissau, a catedral será inaugurada em 1950.
Em 1940, o
Vicariato Geral da Guiné ficou independente da diocese de Cabo Verde, nomeou-se
em 1941 o primeiro prefeito apostólico. E dá-se então uma nova organização das
missões da Guiné. O autor refere as publicações periódicas correspondentes ao
período em análise, algumas de curtíssima duração e até só de uma edição: Boletim Oficial, Pró Guiné, o Comércio da
Guiné, 5 de outubro, o Arauto. Aparece um número apreciável de
estabelecimentos, o autor dá destaque ao colégio católico de Bissau e refere um
projeto que se tornou emblemático na Guiné: o Asilo de Bor.
VI
O período ora em
análise compreende 1955 até 1973. Temos agora os Franciscanos na Prefeitura
Apostólica. D. Martinho Carvalhosa, Franciscano português, é confirmado como
Prefeito Apostólico. O gesto da Santa Sé coroava o esforço missionário dos
últimos 15 anos. O autor descreve assim D. Martinho: “Sempre insatisfeito com
os outros, ele está em toda a parte a dar palavra de ordem aos seus padres e
religiosos e aos seus professores-catequistas. Como construtor de igrejas, de
capelas, de residências missionárias e de escolas, os gerentes das casas
fornecedoras de materiais, os administrativos da Guiné e os encarregados das
obras estão-lhe constantemente no pensamento para lhes regatear preços e pedir
descontos especiais em ajudas. Ele próprio empenha, em meados de 1954, ao Banco
Nacional Ultramarino, o seu vencimento de 500 contos, depois de ter obtido
autorização da Santa Sé e do seu conselho missionário”.
E segue-se um
esclarecimento importante: “Monsenhor Carvalhosa está a par dos movimentos
subversivos, ainda subterrâneos, em 1955. Acompanhá-los-á de perto e com
ansiedade, até à sua manifestação violenta na madrugada de 21 de julho de 1961,
no ataque a S. Domingos. Ele previu o que representavam as greves dos
estivadores no cais do Pidjiquiti nos dias 6, 7 e 8 de março de 1956 e os
recontros então havidos com as forças da ordem, as organizadas debandadas para
território estrangeiro (aliás, sempre notadas pelo Superior da Missão de Bula
em 1956 na sua área), a existência de certos grupos de orientação política e
rácica e a rebelião do Sul contra os impostos”.
Monsenhor
Carvalhosa regressa à metrópole em Setembro de 1962, sucede-lhe o Padre João
Ferreira, que chega a Bissau no ano seguinte. Por razões de saúde, retira-se em
1965. Nas ausências dos Prefeitos Apostólicos tomou quase sempre conta do
expediente da Circunscrição Missionária da Guiné o Padre Amândio Neto,
Franciscano português que chegara a Bolama em 1941.
Pois bem, os
Franciscanos da Província de Santo António de Veneza chegam a Bissau em 1955,
logo entre eles D. Settimio Ferrazzetta, que irá ter um papel da maior
importância na tentativa de reconciliação entre as partes em litígio no
dramático período do conflito político-militar no fim do século. Até ao ano de
1969 a única congregação feminina que exerceu atividade na Guiné foi a das
Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição. Em 1969, a Prefeitura
pediu ao governo da Guiné a entrada de mais uma congregação de Irmãs religiosas
estrangeiras, as Missionárias Franciscanas do Coração Imaculado de Maria, com sede
em Roma.
Um apontamento
sobre a ação educativa. Em julho de 1954, Monsenhor Carvalhosa escrevia: “Na
Guiné é absolutamente certo que a diferença entre o indígena das nossas escolas
e os assimilados é nula ou simplesmente mínima”. Um acontecimento político
acabou por contribuir para a melhoria da ação educativa na esfera missionária.
O governador Melo e Alvim chega à Guiné no início de janeiro de 1954 e logo se
lançou nos preparativos da viagem do Presidente da República General Craveiro
Lopes, que ocorreu em agosto de 1955. Apareceu dinheiro e as obras começaram a
sair dos alicerces. Escreveu então o Prefeito Apostólico: “Foi possível que
durante 18 meses, em construções, movimento escolar, assistência e meios
culturais as missões católicas avançassem 10 anos”. Mas as dificuldades eram
inúmeras, como escreve Pinto Rema: “O pessoal docente era formado nas escolas
das Missões de Bula e Bafatá. Os rapazes dali saídos não eram muitos nem
possuidores de grande bagagem cultural. No entanto, tal pessoal docente era
único capaz de se sujeitar a todos os ambientes e a trabalhar nas piores
condições. A ausência de escolas de adaptação no Leste da província da Guiné
explica-se pela extensão enorme daquela área, servida unicamente pelas missões
de Bafatá e Bambadinca e sem meios de transportes capazes para a tal constante
fiscalização, sempre necessária”.
Na ação
assistencial, ganha relevo o histórico que o investigador apresenta acerca da
leprosaria de Cumura.
Bastante
interesse tem também o conjunto de notas que o autor intitula “As Missões da
Guiné na conjuntura da guerrilha”. As instalações das missões vão sendo
sacrificadas com a chegada de contingentes militares. Logo a Missão de Mansoa
foi a primeira a ser sacrificada com entrega ao Exército do pavilhão acabado de
construir, em maio de 1961. O governador Peixoto Correia pediu à Prefeitura, em
junho de 1961, a cedência de duas salas, do refeitório e dos sanitários da
missão de Bula. Foi ocupada a escola missionária de Mansabá e também a Missão
de Suzana foi ocupada em outubro de 1961. Nesse mesmo mês, o comandante militar
pede à Prefeitura o edifício das Missões de Catió e depois Teixeira Pinto,
Bambadinca, Ingoré e Xitole. Tudo muda em Bissau com o êxodo provocado pela
guerra e o autor descreve detalhadamente o funcionamento das missões neste
período crítico. Dar-se-ão conflitos entre missionários e as Forças Armadas.
Veja-se o exemplo da Missão de Bambadinca que atingiu diretamente um
missionário altamente prestigiado e que trabalhava na área populosa de Samba Silate
e Nhabijões. Vindo de férias, em abril de 1962, o Padre António Grillo vê-se
entre dois fogos, guerrilheiros do PAIGC e Forças Armadas, os grupos comandados
por Domingos Ramos já estão ativos. O Padre Grillo vê-se envolvido, é preso em
fevereiro de 1963 e recambiado para Itália. A Missão de Bambadinca é ocupada
pelo Exército que nunca mais a abandonou. Pinto Rema explica que o mau
funcionamento das escolas no mato é fenómeno anterior à chegada da guerrilha,
mas o período de subversão a partir de 1962 alterou tudo. Falando ainda de
Bambadinca, diz o autor que as escolas da Ponta do Inglês, Ponta Luís Dias,
Finete e Santa Helena não abriram em Outono desse ano por falta de frequência
dos alunos e por causa da intranquilidade da área. A guerrilha iria afetar
profundamente a atividade missionária em todo o território, incluindo Bissau e
os Bijagós.
VII
Uma última
viagem ao passado, em jeito de recapitulação. O autor recorda como sempre foi
limitado o domínio português na Guiné e lembra a existência de feitorias
comerciais sempre transformadas em fortalezas, praças ou presídios. O
território ocupado na chamada Senegâmbia foi reduzidíssimo. O capitão de
Marinha Ernesto J. D. C. e Vasconcelos em As Colónias Portuguesas, Lisboa,
1903, refere a superfície da Guiné em 11384 quilómetros quadrados. Lopes de
Lima avaliava em 1844 a superfície da Guiné em 16 a 18 milhas quadradas e a sua
população em 2500 livres ou libertos (incluindo a tropa) e 2000 escravos. Em
1891, o capitão Viriato Zeferino Passalagua, secretário-geral interino, ao
entregar o governo da Guiné a Luís Augusto de Vasconcelos e Sá, disse em
discurso público: “Tem esta colónia seis pontos definitivamente ocupados: a
ilha de Bolama, as praças de Bissau, Cacheu e Buba e os presídios de Farim e
Geba. A área da província da Guiné é grande; porém, a esfera de ação do nosso
domínio e especialmente da nossa autoridade é limitada aos pontos por nós
ocupados, que, na nossa área são quase nada em relação à da província”.
Pinto Rema
refere os primórdios do nacionalismo, o aparecimento do MING e depois o PAIGC,
realça as greves de 6/7/8 de março de 1956, em que houve agressão dos marítimos
e estivadores à força policial, esta prendeu cinco cabecilhas grevistas e
levou-os para a esquadra. O governador Melo e Alvim veio pessoalmente à
esquadra libertar os cinco presos. Os polícias sentiram-se vexados. Seguiram-se
dois dias de greve e protesto. Serão os mesmos grevistas de março de 1956 que
irão desencadear novo protesto em 3 de agosto de 1959. Pinto Rema descreve o chamado
Massacre do Pidjiquiti detalhando que os insubordinados dispõem de remos,
barras de ferro, pedras e arpões. No primeiro recontro, os dois chefes da
polícia serão selvaticamente agredidos, depois de terem disparado para o ar. Na
continuação das tensões, a polícia perdeu o autodomínio e começou a atirar a
matar. Havia 13 a 15 mortos espalhados no cais do Pidjiquiti mais os cadáveres
de marítimos e estivadores arrastados pelas águas do Geba, estes dados foram
fornecidos ao autor pelo Guarda Francisco Valoura, mais tarde funcionário
colonial. Acendera-se o rastilho para futuras contestações. Segue-se o ataque a
S. Domingos em 21 de julho de 1961 e depois as destruições em Suzana e Varela.
Finda a
descrição sobre a luta armada, chegamos ao 26 de abril em Bissau. A 1 de maio
de 1974 chega à Prefeitura Apostólica da Guiné um extenso telegrama onde se diz
em dado momento: “A Santa Sé acompanha atentamente o evoluir da situação para
ponderar quais as novas indicações que possam eventualmente vir a ser dadas para
a vida da Igreja nesse território”. O diretor do trissemanário A voz da Guiné, padre Cruz Amaral, foi
substituído por um militar marxista e no jornal os portugueses começaram a ser
postos em cheque. Inicia-se a debandada. O êxodo atingiu proporções tais que no
dia da declaração da independência por Portugal, em 10 de Setembro de 1974,
havia em toda a Guiné menos de 100 civis brancos. As Irmãs Franciscanas
Hospitaleiras que trabalhavam no Hospital Central de Bissau foram forçadas a
abandonar o seu mister, acusadas essencialmente pelas suas exigências com o
pessoal menor, atribuíram-lhes prepotência por quererem correção, presença nos
serviços e trabalho.
Em finais de
setembro, o Padre Lino Bicari, filiado no PAIGC e com credências de Luís
Cabral, expõe aos missionários a linha do PAIGC em matéria de religião e
ensino. A liberdade religiosa seria salvaguardada, mas as escolas passariam a
ser património nacional, a escola passaria a ser absolutamente laica.
Progressivamente, a vida das missões entrou num descalabro e subiram de tom as
acusações anónimas. O Prefeito Apostólico é prevenido por um missionário de Catió
que seria expulso por ter colaborado com a PIDE/DGS. Monsenhor Amândio Neto
entende não dever estar presente na hora da transmissão de poderes, então
prevista para o dia 12 de setembro, marcou passagem de avião para 9. O Núncio
Apostólico escreveu-lhe: “Esta é a hora menos oportuna para Vossa Reverência se
ausentar”. Os missionários vivem solidários com o Prefeito Apostólico e este em
10 de setembro envia um telegrama ao presidente Luís Cabral saudando o momento
histórico, saudação que abarcava todo o pessoal missionário e o povo cristão,
augurando futuro glorioso, pacífico e progressivo para a República da
Guiné-Bissau.
Após o golpe de
Estado de 14 de novembro de 1980, Nino Vieira deu sinais claros que pretendia
que as Missões Católicas estendessem a sua ação educativa nas escolas e
levassem a sua ação sanitária aos hospitais.
A nova diocese
de Bissau é criada em março de 1977 pela Bula Rerum Catholicaram. O autor é minucioso a descrever a dinâmica
apostólica na diocese de Bissau, o novo bispo sai prontamente em visita às
missões.
Pinto Rema
descreve o trabalho do Movimento de Grupos de Jovens, do Centro Artístico
Juvenil e Seminário de Bissau e faz uma descrição minuciosa do diálogo
ecuménico travado com protestantes e muçulmanos.
No termo do seu trabalho, Pinto Rema analisa as missões atuantes em 1981. Depois de 960 páginas, despede-se assim: “As últimas centenas de páginas foram escritas por quem viveu de muito perto os acontecimentos que relata, mas só minimamente interferiu neles. Pôde, assim, ser o mais possível imparcial. Abriu um leque bastante vasto de perspetivas para a visão de conjunto surgir mais nítida. Teme, porém, que tenha escondido a floresta para mostrar a árvore. Eu ficaria muito satisfeito se este meu trabalho despertasse a curiosidade de verdadeiros historiadores para uma pesquisa do fenómeno religioso na atual República da Guiné-Bissau, a partir do ponto de vista católico”.
Mário Beja Santos
ResponderEliminarO saber nunca ocupou lugar. Grato pela partilha desta publicação que é uma perfeita obra de arte e cultura.
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Cumprimentos poéticos.
Cuide-se
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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