DINFO, A Queda do Último
Serviço Secreto Militar, por Fernando Cavaleiro Ângelo, Casa
das Letras, 2020, é uma longa viagem sobre informações militares, a que não
falta didatismo sobre conceitos de contrassubversão ou contraespionagem, o
papel do agente duplo, a espionagem em Portugal, o fenómeno do terrorismo (da
extrema direita à extrema esquerda), o nascimento e a queda da DINFO, e pelo
caminho acompanharemos a narrativa de detenção de espiões em Portugal. A ter em
conta o que diz o autor: “As informações militares nem sempre se cingiram a uma
atuação dentro da esfera das operações militares. Imediatamente após o 25 de
abril de 1974, com o final das guerras de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique, o
conceito de ameaça existente até então desapareceu subitamente. A ameaça que
até então era personificada em grupos insurgentes independentistas residentes
nas antigas colónias portuguesas deslocou-se para dentro de fronteiras nacionais.
O único serviço de informações com capacidade de intervir no pós-25 de Abril
para mitigar ameaças foi a Divisão de Informação do Estado-Maior General das
Forças Armadas, apelidada de DINFO. A Polícia Judiciária não estava preparada
para lidar com este tipo de atividade terrorista, acabando, numa fase
posterior, por absorver as perícias e técnicas que a DINFO adquirira,
entretanto, junto dos Serviços Secretos israelitas e britânicos.
Constituindo-se o combate ao terrorismo como uma competência da Polícia
Judiciária criada durante a primeira grande reestruturação de 1977, a DINFO
acabou por, naturalmente, passar de uma postura de liderança para uma posição
de entidade apoiante. Os Serviços Secretos Soviéticos, mormente o KGB e o GRU,
estavam muito ativos no território nacional. A Polícia Judiciária não tinha
capacidade nem recursos humanos habilitados em matéria de contraespionagem. E
foi também neste campo que a DINFO se destacou sobremaneira, através de um
conjunto de operações que desarticularam e negaram a livre atuação dos Serviços
Secretos hostis em Portugal”. A DINFO irá definhar com a criação do Serviço de
Informações Estratégico de Defesa Militares (SIEDM), criado em 1997.
Em termos claramente acessíveis, o
autor dá-nos o nascimento da DINFO e os respetivos serviços e contextualiza o
funcionamento de outras entidades intervenientes na erradicação de ameaças em
Portugal. Observa como se procede em termos de pesquisa para obter informações
e também nesse ponto é bastante didático, como se exemplifica: “A pesquisa
coberta utiliza um conjunto de técnicas especiais que pode envolver
policiamento e recrutamento de pessoas, a obtenção de documentação
classificada, a utilização de meios técnicos sofisticados ou o controlo de
atividades de determinados indivíduos. A pesquisa coberta divide-se em pesquisa
operacional e pesquisa técnica. Na operacional, integra-se a vigilância e
controlo de agentes”. Detalha formas de vigilância e depois apresenta-nos a
Repartição E como a força-motriz da DINFO: tinha permissão a pesquisa coberta
de informações, através de atividades envolvendo agentes secretos adequados à
recolha de informação de forma discreta. Considero que o timoneiro desta
principal repartição da DINFO era o capitão de fragata Pedro Serradas Duarte,
dá-nos o currículo do oficial da Armada e faz um comentário completamente
descabelado sobre a preparação moral do dito: “Ainda em tenra idade, entrou
para Colégio Militar, tomando contato desde cedo com um conjunto de valores que
não estão ao alcance dos alunos do primeiro e segundo ciclos nas escolas
públicas. Valores essenciais à condição humana, como integridade, lealdade,
coragem, responsabilidade, camaradagem, abnegação, sentido humano e devoção,
são assimilados no código genético de alunos que cedo entram para este tipo de
estabelecimentos de ensino”. É totalmente incompreensível este disparatado
documentário só para incensar alguém que muito se considera, chegando-se ao
cúmulo de rebaixar o ensino nas escolas públicas, paciência, às vezes quem
louvaminha perde as estribeiras e a noção do ridículo. Dissecados os serviços
da Repartição E, Cavaleiro Ângelo dá-nos o perfil do agente secreto, refere as
ameaças possíveis em Portugal, caso da Organização da Libertação da Palestina,
a organização terrorista Abu Nidhal e possíveis ligações com os serviços
secretos iraquianos, outros movimentos radicais árabes, a DINFO foi apoiada
pelo MOSSAD, mas também se faz uma apreciação de outros movimentos de
extrema-direita e extrema-esquerda, caso do ELP e do MDLP, PRP/BR, FP 25 e JAR.
Os Seviços Secretos Soviéticos têm a fatia de leão, mas também se fala da
vigilância envolvendo a RENAMO, a UNITA, a existência de infiltrados na UDP.
Continuando a narrativa de valor
didático, o autor analisa o fenómeno do terrorismo em Portugal e no mundo,
escalpeliza o que se passou em Portugal nas atividades de extrema-direita, qual
foi a organização das informações do MFA, que estiveram à responsabilidade do
Almirante Rosa Coutinho e a evolução das informações militares em todo o
processo revolucionário – matéria que o autor aprecia com dados relevantes.
Segue-se o terrorismo de extrema-esquerda, e o acervo de informações
apresentadas por Cavaleiro Ângelo pode ser visto com o mesmo relevo, dando-nos
uma panorâmica da atividade subversiva e terrorista das Brigadas
Revolucionárias e das Forças Populares 25 de Abril, fica-se a saber que a DINFO
conseguiu infiltrações e por vezes a deteção de atos radicais.
Tem bastante interesse o
enquadramento que o autor estabelece para a espionagem em Portugal, vamos
conhecer o modo como a DINFO atuou com os Serviços Secretos Soviéticos, graças
à descrição de três operações: Búfalo, Albatroz e Tentilhão, há episódios
dignos da ficção, muitos deles rocambolescos, mas fica-nos a dúvida se a DINFO
explorava com intensidade outras formas de obtenção de informações por parte
dos soviéticos, caso dos agentes colocados nas agências noticiosas (TASS e
Novosti), a Associação de Amizade Portugal-URSS, livrarias, o Conselho Mundial
da Paz e a sua ramificação portuguesa, etc. Igualmente a importância, o
Cavaleiro Ângelo vem referir quanto ao apoio aos grupos guerrilheiros em
Angola, Moçambique e Timor-Leste. Por último, o autor debruça-se sobre o
balanço possível das atividades da DINFO, questiona para que servem as informações
militares no século XXI, enfatizando que continuam a ser uma ferramenta fulcral
para o decisor político, não ilude a questão delicada das escutas telefónicas e
da colocação de microfones e diz mesmo: “Sem o recurso a técnicas de escuta
telefónica e de colocação de microfones dissimulados em locais de interesse, a
DINFO não teria conseguido ajudar a erradicar o terrorismo de extrema-direita e
de extrema-esquerda, tal como a controlar a espionagem soviética, através da
utilização de técnicas de escuta telefónica e de colocação de microfones
dissimulados em locais de interesse”. E deixa um aviso no termo do seu
trabalho: “As informações militares só poderão evoluir no dia em que as
estruturas e os órgãos dedicados a esta atividade foram povoados por recursos
humanos com formação e perícia na área. Enquanto isso não ocorrer, vamos
continuar a deambular em torno da metamorfose das informações militares à
procura de uma solução miraculosa que dificilmente conseguirá definir qual será
a essência da coisa”.
De leitura obrigatória para quem pretenda conhecer as informações militares portuguesas ou o que tem sido a espionagem e contraespionagem em Portugal depois do 25 de Abril.
Mário Beja Santos
Acredito que seja um livro muito interessante de ler.
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Feliz fim-de-semana
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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